Sixteenth Moon escrita por Nath Schnee


Capítulo 13
Capítulo 12 – 9 de Outubro


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Como podem ver, infelizmente não estou podendo escrever ou postar ultimamente e por tal motivo achei necessário colocar o aviso de que a história está temporariamente sem atualizações... A próxima poderá demorar ainda mais ou bem menos, não sei, mas prometo não apagar a história.
Enfim, devo agradecer a paciência e dizer que vim com esse capítulo de tamanho praticamente triplo da minha média para compensar tudo.



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Tornado particular

Assim como eu previra, não levou muito tempo para os rumores de que Ethan Wate estava saindo com a Sobrinha do Velho Ravenwood se espalhassem. Ele me disse que tudo estava até mesmo propagando de maneira lenta e piedosa, pois ele ainda era o Pobre Ethan Wate Cuja Mãe Morreu Em Abril.

Para alguém que fora considerado normal até pouco tempo, ele estava parecendo querer não existir aos olhos dos outros. Ethan passava o horário do almoço comigo na arquibancada, o lugar onde eu tentava me esconder. Não que adiantasse muito, pois sempre me encontravam, mas eu ainda preferia ali do que qualquer outro lugar.

Quando Ethan me convenceu de segui-lo para almoçar em outro lugar e entramos no refeitório ao mesmo tempo, eu desisti na hora e decidi ir embora. Ele achava mesmo que eu fosse ficar ali com todo mundo? Nunca faria isso. Eu estava na porta quando algo segurou a alça da minha bolsa. Olhei para trás e vi ser ele me impedindo de ir embora.

Não se faça de louca. Só vamos almoçar.

Não ser louca? Bem, louca era minha definição se dependendo do pessoal da escola.

— Preciso pegar uma coisa no meu armário. — Eu me virei, mas ele não me soltou.

Não fuja. Somos amigos, deveríamos almoçar juntos.

Não. Não deveríamos.

Percebi que soei de maneira ríspida e tentei amenizar, ainda que irritada, acrescentando:

Quero dizer, não deveríamos almoçar aí. Não é onde eu como.

Ele pegou duas bandejas de plástico laranja sem parecer se importar.

— Quer uma bandeja?

Agora você come aqui, covarde.

Olhei através do cabelo dele, diretamente para seus olhos castanhos.

O que está pensando, que nunca tentei antes? Que vai ser diferente dessa vez?

Era verdade. Eu havia tentado comer com todo mundo antes, mas foi um fracasso ainda maior que tentar passar despercebida.

Não tentou comigo. Achei que você queria que fosse diferente da sua escola anterior. Vai ser se você parar de ser covarde e resolver tentar.

Ele acertara. Mas quem garantia que seria diferente? E se começassem a jogar comida em mim como antes? Acontecera uma guerra de comida com apenas um alvo e parecia que todos tinham uma excelente mira.

Olhei ao redor, para todas aquelas pessoas que tanto me odiavam. Respirei fundo e peguei um enorme prato com aipo e cenouras, algo que até mesmo eu comeria apenas a metade, e coloquei na bandeja de Ethan. Se ele estava me forçando a almoçar onde eu odiava, ele seria forçado a almoçar o que ele odiava. Eu o estava desafiando. Ethan era um garoto que comia praticamente tudo que não era saudável.

Come isso. Se comer tudo, sento onde você quiser. Prometo.

Ethan não conseguia ver, mas por baixo da bandeja, eu estava cruzando os dedos.

Ele olhou para o prato com uma cara de quem teria que comer um rato de esgoto e voltou a olhar para as mesas.

Promete?

Ethan olhou para a mesa dos garotos do time de basquete. Provavelmente pensou que aquilo era um filme, onde nós sentaríamos com os antigos amigos dele, eles me conheceriam e aprenderiam a valiosa lição de não julgar alguém pela aparência. As meninas ficariam curiosas e se aproximariam. Faríamos amizade e tudo terminaria perfeitamente bem, com todos os normais adolescentes conversando. Até mesmo eu aprenderia a lição de que nem todos os atletas são burros superficiais.

Mas aquilo não era um filme, e eu não sou normal.

Eles eram Mortais, enquanto eu Conjuradora. Não importava as tentativas, eu sempre soube que nosso mundo sempre coexistiria, nunca interagiria. Acho que Ethan só percebeu a impossibilidade daquilo quando o melhor amigo dele e normalmente brincalhão, Link, percebeu seu plano e, com a expressão mais séria que eu já vira nele, balançou a cabeça lentamente como se quisesse dizer "Nem pense nisso, cara".

Eu hesitei e dei alguns passos para trás. Coloquei a bandeja no lugar.

Quando voltei a olhar para eles, Ethan parecia estar tendo uma conversa silenciosa com Link e só deve ter percebido depois o que aconteceu. Um dos meninos, provavelmente o mais importante, pois muitas meninas procuravam chamar sua atenção, acho que o nome era Earl, olhou para nós e seu olhar tirou qualquer chance de fazermos aquilo.

Ele nos fuzilava como se provasse que se seguíssemos o pensamento do meu amigo, aquele não seria apenas o fim de Ethan. Seria o meu fim também.

Não sei ao certo se ele chegou a reparar no olhar de Earl, porque, antes de qualquer outra pessoa notar minha presença, desapareci dali correndo o mais rápido que conseguia.

 


Eu já estava começando a ficar com uma leve dor de cabeça durante aquela semana. Ravenwood tinha um incomum Conjuro feito pelo meu tio no qual todas as tarefas de limpeza e comida eram feitas sozinhas, literalmente como num passe de mágica. Tínhamos o costume de chamar o Conjuro por duas classificações: Cozinha, para tudo o que envolvia refeições e louças, e Casa, para o resto das tarefas.

Aqueles dias estavam passando com uma barulheira infernal naquele lugar. Eu nunca soube se aquilo era uma tradição apenas da minha família ou o que, mas todo ano havia as Grandes Festividades. Eram como feriados para nós, algo como o Dia de Ação de Graças para os Mortais. E era por causa de um daqueles Dias de Reunião que a Cozinha fazia muito mais barulho do que o habitual. Eu mal conseguia dormir!

Assim que cheguei da escola aquele dia, fui tomar banho para afastar o sono e me arrumar para quando meus parentes chegariam.

Como todas as outras Reuniões, procurei por uma roupa "atemporal", mas sem deixar de ser eu mesma, o que, como o clima estava frio, significou colocar meu vestido longo de gola alta de um azul aço meio longo e por cima meu casaco justo cinza fosco, que ia até o chão, amarrado na cintura. Prendi meu cabelo num coque, apesar de sentir que não ficaria daquele jeito por muito tempo. Para me sentir eu mesma sem ser tão atemporal, coloquei meus surrados All Star pretos de sempre.

Quando acabei, ouvi Boo Radley latindo no andar de baixo. Eles chegaram. Desci as escadas às pressas e fui até a porta. Cheguei ao hall, que ainda não estava organizado como necessário, e eles abriram a porta por fora e eu observei. Estava mentalmente torcendo para que minha avó, Emmaline Duchannes, viesse com eles. Havia quase um ano que eu não a via, não morava com ela há algum tempo, e a amava tanto quanto a tio Macon.

Quando a porta se abriu, percebi que ela não estava, mas mesmo assim fiquei contente em ver meus outros parentes. A primeira a entrar foi minha prima mais nova, Ryan Duchannes, que provavelmente estava mais ansiosa para ver Boo do que todo o resto.

Seu cabelo loiro esvoaçou quando correu para me abraçar. Eu a peguei no colo e girei a segurando, nós duas estávamos rindo. Eu sempre fazia isso quando a via, só que agora ela estava bem mais pesada. Crianças cresciam, afinal de contas.

Coloquei-a no chão e olhei em seus olhos azuis. Ela também era Conjuradora, mas como era muito nova, ainda não tinha os olhos verdes e seu poder não tinha aparecido ainda. Mas sendo azuis ou não, juntamente com aquele cabelo loiro e a pele branquinha, tudo nela era sempre claro e luminoso, como se sempre fosse evidente o provável lado que ela iria na Invocação.

— Ryan! Senti sua falta! Como vai?

— Estou bem, mas meio decepcionada. — Ela abaixou o olhar. Imediatamente eu soube o motivo.

— Ainda sem sinais de quais são seus poderes, não é? — deduzi compreensivamente, me ajoelhando em sua frente e ajeitando sua jaqueta rosa que acidentalmente amassei. Além da jaqueta, ela usava uma calça jeans cinza e botas brancas.

— É.

— Você é nova ainda, Ryan. Eles virão à você na hora certa. — Sorri. Ela também. — Por que não vai brincar com o Boo? — Nós olhamos para ele. Parecia ansioso com a língua para fora e o rabo balançando. Mesmo daquele tamanho, aparentava ser só um cachorro bobo.

— Vou pôr uma fantasia nele! — exclamou se animando. — Vem, Boo!

Os dois correram escada acima felizes.

Olhei para a porta. O pai de Ryan, tio Barclay Kent, estava com as mãos nos bolsos observando a mim e Ryan o tempo inteiro. Eu o abracei e sorrimos um ao outro. Tio Barclay era assim. Quieto e às vezes distante, mas raramente deixava de nos visitar. Usava uma calça jeans azulada e um casaco verde escuro. Tinha cabelos grisalhos. Ele era bem discreto, diferentemente do...

— LARKIN KENT!

... filho mais velho dele. Segui o barulho até jardim de Ravenwood. Encontrei Reece no caminho, na varanda. Ela era uma versão mais velha de Ryan, mas também muito mais chata. Com aquele ar superior que tinha ao ver o irmão levar um sermão, logo adivinhei que ela fora quem avisara minha tia do que ele estava aprontando. Usava uma blusa de lã azul celeste, uma calça moletom preta justa e tênis cinza.

Assim como Ryan, Reece era loura. Acho que era o tipo de garota que eu encontraria em algum campus de universidade, exceto que eu não achava que alguma universitária seria tão fofoqueira e puxa-saco.

Nós nos abraçamos brevemente, mas, diferente do que eu queria, Reece não me deixou me afastar. Ela me segurou pelos ombros. Como toda a família, ela era uma Conjuradora, mas era o seu dom que me incomodava. Sendo uma Sibila, Reece podia apenas olhar em meus olhos em meus olhos e ver tudo o que eu vi, falei, pensei, senti, fiz...

Era isso o que ela estava fazendo agora.

— Quebrou uma janela em cima de Mortais?! — Ela parecia abismada.

Eu tentei de novo escapar, desviar o olhar, qualquer coisa que cortasse o poder dela, mas ela não soltou meu ombro e, com a outra mão, segurou meu queixo, me obrigando a encara-la. Fiz uma careta, às vezes era fisicamente doloroso tentar fugir. Minha cabeça estava latejando. Reece continuou falando como se fosse meu histórico criminal.

— Correu para se esconder em algum lugar... — Ela fez um gesto com a mão livre, lembrava um folhear de páginas durante uma leitura. Essa era a definição para Sibilas. Alguém que lê rostos. —... e esse lugar fica perto de...

— Lena! — exclamou tia Delphine, seguindo até mim e fazendo Reece romper o elo dos seus poderes. — Como é bom te ver, querida! — Ela me abraçou.

Tia Del era meio gorducha e tinha uma força considerável. Quase fiquei sem ar. Seu vestido também parecia fora de época, antiquado, e seus cabelos estavam levemente mais grisalhos que a última vez.

Depois de uma breve conversa, olhei para trás dela. Como eu imaginara, Larkin também não havia mudado durante aqueles tempos. Usando seus poderes de Ilusionista, estava brincando com uma cascavel. Ela desenrolou de seu pescoço, desceu até o quadril e se tornou um cinto, que provavelmente estava ali o tempo todo. Vi o motivo da bronca pouco depois, quando uma cobra, acho que uma daquelas aquelas cobra rato preto, saiu de perto de um gato desacordado, uma pata visivelmente quebrada. Vi ao redor dele diversas folhas verdes da árvore acima de nós. O pobre felino provavelmente se assustou com a Ilusão, subiu na árvore e caiu.

Larkin era assim. Sempre perseguindo e aterrorizando os mais frágeis sem nem ao menos disfarçar.

— Olá, priminha. — Ele sorriu e, quando piscou, seus olhos assumiram a cor do réptil que acabara de se tornar seu braço.

— Oi, Larkin.

Nós entramos em Ravenwood. Tia Del já estava arrumando a decoração com Reece e tio Macon veio falar com Larkin. Dei uma olhada em sua roupa também. Com uma camisa bege abotoada por baixo de um bonito sobretudo cinzento e sapatos sociais, tio M estava muito mais elegante que nós.

Vendo que todos estavam se ocupando em ajudar a Casa, que, apesar de ser Mágica, não dava conta de tudo, resolvi seguir para a cozinha. Talvez tudo fosse mais rápido em ficar na mesa se eu ajudasse a Cozinha a levar.

Quando cheguei à copa, tive que parar no meio do caminho. Todo tipo de louça estava no ar, panelas virando sozinhas, colheres de pau mexendo panelas sem ninguém tocar e muitas outros estranhos movimentos que, acredito eu, só veríamos em filmes. Quando a Cozinha percebeu que eu estava presente, todas as panelas, facas, garfos, colheres, tudo se virou para mim. Engoli em seco.

— Tudo bem! Eu vim ajudar! — Eu estava com as mãos erguidas. Quando criança aprendera uma valiosa lição: não tente roubar docinhos ou quase levará paneladas. Era bom esclarecer que aquela não era minha intenção no momento. — Vou levar para a Sala de Jantar.

A Cozinha pareceu relaxar, voltando à sua rotineira tarefa, apesar de eu sentir que aquele escorredor de espaguete ainda me observava. Eu segui até os aperitivos que já estavam prontos e fui colocando de um em um na bandeja.

Começava a ficar com o pensamento longe quando olhei pela janela na minha frente e vi que ela dava em Greenbrier. Metade da visão era ocupada por árvores, mas, através de umas folhas e outras, consegui ver uma parte da clareira. Franzi o cenho automaticamente, parando de ajudar a Cozinha. Inclinei-me para frente e forcei a vista. Havia alguém em Greenbrier... Não uma pessoa. Duas. Eu não conseguia distinguir as silhuetas de forma necessária para identifica-las, mas consegui ver que era duas mulheres. Uma, loura, usava roupa curta. A outra, numa sombra de árvore, tinha cabelos negros, usava um longo vestido negro. Nada mais consegui ver. Elas pareceram olhar na direção de Ravenwood, na minha direção, e eu paralisei. Tentei ver seus rostos, mas o vento aumentou e as folhas cobriram minha visão. Reclamei baixo e continuei tentando enxergar.

— O que está fazendo, Lena? — Eu me sobressaltei e olhei para Ryan atrás de mim. Acabei por quase derrubar a bandeja de prata.

— N-Nada. — respondi sem fôlego e coloquei mais alguns aperitivos na bandeja, apesar de estar um pouco trêmula.

— O que achou? — Ela perguntou animada. Olhei para ela novamente e entendi. Ryan havia fantasiado não só a si mesma como Boo Radley também com capas azuladas e máscaras amarelas, como super heróis.

Mas, aparentemente, Boo não curtiu a máscara. Estava coçando o focinho com a pata traseira esquerda com força. Ryan só percebeu a falta de costume do canino quando este espirrou ao derrubar a máscara dos olhos sobre o nariz.

— Boo! — exclamou.

— Está muito bom, Ryan, mas ele não gostou. — Eu segurei a risada.

Ambos correram porta afora de volta aos quartos. Eu me virei para a janela de novo, mas não havia nada nem ninguém dessa vez.


Ravenwood, mesmo nos dias comuns, sempre fora grande, não era à toa que eu chamava de mansão. A porta da entrada podia dar em uma sala de estar espaçosa ou em um hall e mais ao fundo sendo a sala. Às vezes do contrário. Isso quando não era o salão de dança de uma festa.

Mas esses eram os únicos cômodos que realmente mudavam de lugar. A sala de jantar sempre se localizava ao lado esquerdo e na mesma direção ficava a cozinha. Para eu achar a copa, passava pelas duas portas na sala de jantar, seguia por um breve corredor, dando acesso à dispensa e banheiros, e só então chegava. Quando criança, meu maior medo era me perder e nunca mais me encontrarem.

Naquele momento, tudo o que eu queria era que a Cozinha levasse tudo de uma vez. Dei várias idas e voltas com aquele carrinho metálico. Eu já estava perdendo a paciência quando percebi que precisava de só mais uma bandeja e esperar a sobremesa. Peguei a, agora enjoativa, bandeja de prata e segui até as duas portas do final do corredor. Abri-as de costas, sem muitas opções por estar com os braços ocupados. Na última volta, tia Del estava organizando mais os doces, então logo me apressei em dizê-lo enquanto passava pela porta.

— Só mais um pouco e logo estará tudo... — Paralisei quando virei e vi quem realmente estava ali. Quase senti o sangue parar de fluir em meu rosto, empalidecendo. Tudo estava tão lento e silencioso que, quando a bandeja atingiu o chão, tudo pareceu explodir em sons de repentino. Mas nada se comparava ao silêncio do meu coração. Como eu o faria voltar a bater?

— Bem, olá, prima. Faz muito tempo que não te vejo.

Ridley sorria triunfante, mesmo com aquele pirulito vermelho na boca. O batom, tão carmesim quanto, sujava o palito. Seu cabelo não mudara muito, exceto que agora havia uma mecha rosa grossa junto à franja repicada. A saia, preta como os óculos de sol grandes, era cinco centímetros menor do que eu me lembrava que ela usava e a camiseta branca obviamente deixava aquele sutiã preto aparecer de propósito. E não era só ele que aparecia ali de dentro da roupa. Desviei o olhar para baixo.

Suas botas pretas pareciam de motociclista. Era como se fosse como antes, mas agora mais gótico e menos aceitável para minha família. Principalmente com aquele piercing e a tatuagem, que parecia até mesmo tribal, no umbigo. Eu não sabia se ela tinha algo a ver, mas foi aquele desenho espiralado que me fez voltar a mim e lembrar que Ridley é das Trevas agora. A Julia antiga, a que me protegia, não existe mais.

Meu susto começou lentamente a se tornar raiva. Motivado em grande parte pela mão de minha prima Sirena, que envolvia o braço do meu único e melhor amigo.

Ethan vestia-se como se tivesse acabado de sair da escola. Camiseta de rock, do qual lembrei do dia que ele quase me atropelou, o dia que nos conhecemos. Uma calça jeans surrada e um tênis. Eles pareciam deslocados, como se eu e Ravenwood estivéssemos em um século e eles fossem do futuro.

A expressão do Mortal era de total sonolência, vazia, enquanto seu corpo parecia retesado.

Tentei me concentrar apenas em Ridley.

— O que você pensa que está fazendo aqui? — Minha voz era tão calculada que mal passava de um sussurro.

— Ué, não posso ver minha prima favorita? Ou jantar com o resto da minha família querida? — "Favorita"? Eu era a única prima daquela ridícula. — Eu tenho até um acompanhante. Não vamos deixá-lo com fome, vamos?

— Não sou seu acompanhante. — Ethan tentou se pronunciar, mas sua voz estava ainda mais baixa que a minha. Parecia haver algo em sua garganta que o fazia sentir dificuldades em soar normalmente. Era como se tivesse dúvidas do que dizia. E eu sabia o porquê.

Ridley.

Aqueles braços entrelaçados dos dois só me aumentava mais minha irritação.

Ela, com a mão livre, tirou um cigarro do maço enfiado na bota e o acendeu. Desde quando ela fumava?

— Ridley, não fume dentro de casa. — Tio M entrou na sala de jantar.

— Tio Macon, sempre chato com essas regras e limites da casa. Você sabe que nada disso faz diferença, não sabe? Elas deveriam impedir alguma coisa, e não foi o que aconteceu.

— As regras existem há muito tempo, e elas são sim importantes, não há nada que você ou eu possamos fazer para mudá-las, ou torná-las inúteis, diferente do que pode pensar. Tenho certeza que há uma razão maior do que você imagina para que isto esteja acontecendo.

Aquelas palavras pareciam significar mais para eles do que para mim. Observei enquanto minha prima e meu tio se entreolhavam, respectivamente um de modo atrevido e o outro cauteloso.

— Que tal nos sentarmos? Lena, avise a Cozinha que teremos mais duas pessoas para o jantar, por gentileza.

Eu fechei minhas mãos com força, sentido a pele da minha palma quase sendo ferida pelas minhas unhas. Como tio M simplesmente permitiria que ela ficasse? Ridley foi para as Trevas e ficar ali não só ameaçava nossa segurança como principalmente a de Ethan, que mal sabia o que estava acontecendo. Ele deveria de alguma forma separar os dois. Fosse lá como.

— Ela não pode ficar. — Eu estava olhando dentro de seus olhos. Se eu tivesse sorte, meu tio veria que eu queria Ethan são, coisa que ele obviamente não estava, e salvo, algo impossível se ao lado de Ridley.

— Não se preocupe, ela não pode te fazer mal aqui. Está tudo bem. — respondeu Macon de forma tranquilizante, como se pensasse que eu estava assustada.

Porém eu não estava assustada. Eu estava furiosa. Mas ele não percebia. Não notava o quanto eu me importava com aquele Mortal. Como se zombando da situação, Ridley sorriu.

— Você tem certeza?

Olhei para ele de novo, entretanto me impediu de contestar com a frase seguinte:

— O jantar está pronto e a Cozinha não vai gostar de servir comida fria, então apenas se sente e vamos comer tranquilamente.

Boo entrou na sala de um jeito desajeitado, dessa vez apenas com a capa azul. Ryan entrou, seguida por tia Del e tio Barclay, ambos de braços dados. Reece foi a penúltima e percebi que não havia visto Ridley ainda.

As duas se encaravam por um longo momento e eu percebi que, mesmo que usando aqueles grandes óculos escuros, Ridley não podia escapar das garras daquela poderosa Sibila.

Ridley soou ríspida, apesar de estar zombando da irmã.

— Ethan, esta é Annabel, minha irmã mais velha.

O olhar de Reece era frio. Ridley deu um sorriso falso.

— Ops, desculpe, eu quis dizer Reece.

Aquilo não impediu Reece de continuar "lendo" o rosto dela. Suas palavras seguintes foram ditas lentamente, como se avaliasse até mesmo o que deveria dizer. Era como ver dois leões se encarando antecipadamente à uma briga das feias.

— Ridley, o que faz aqui? Deveria ter outro compromisso, com outra pessoa.

Era óbvio que apenas as duas sabiam qual era o compromisso, e quem era a pessoa. Reece estava fazendo questão de mostrar sua capacidade de ler rostos. Eu não fazia ideia do que estavam falando.

— Planos mudam.

— Famílias também. — Reece sem calcular as palavras dessa vez.

Ridley não conseguiu respondeu, principalmente quando ela ergueu a mão em frente ao seu rosto e a moveu de maneira lenta, com um breve floreio. Ao lado de Ridley, Ethan se encolheu. Parecia com medo de ser jogado no espaço ou algo assim, mas não conseguia se soltar da minha prima das Trevas.

A Sirena também recuou. Fez uma careta. Todos nós sabíamos que era doloroso lutar contra aquele poder. Reece inclinou a cabeça para o lado levemente. Era quase como se visse uma obra de arte e procurasse entende-la.

— Que interessante. Ridley, por que será que quando olho nos seus olhos, tudo o que vejo são os dela? Vocês estão unidas como carne e unha, não é?

Dessa vez eu fiquei confusa. "Vocês duas"? Ridley tinha uma aliada? Mas quem? Eu nunca tinha ouvido falar em outra família Conjuradora além dos Duchannes e Ravenwood. Como ela conseguiu?

E por que eu estava curiosa?

Balancei minha cabeça e olhei ao redor. Ninguém pareceu ter notado minha curiosidade quanto aos acontecimentos do lado sombrio da família. Voltei a me concentrar na conversa, apesar de ainda curiosa quanto à quem elas falavam. Ridley não deu detalhe algum.

— Está falando besteiras, mana.

Reece se concentrou mais e fechou os olhos. Apesar de não estar fisicamente presa, Ridley se contorceu ainda com a careta de dor. E então, surpreendendo-me com uma capacidade que eu não esperava, Reece fez, ou imagino ter sido de propósito, o rosto da Sirena se dissolver em uma imagem turva, um outro rosto, de outra mulher. Suas feições eram quase... cruéis. Ainda assim, não foi isso que me fez recuar.

Aquele rosto... Era tão familiar... Mas por quê?

Tio Macon foi quem rompeu aquela conexão. Pousou pesadamente a mão no ombro de Ridley. Ele parecia o único que ousava tocá-la além de Ethan, não que este tivesse outra opção. Minha prima das Trevas estremeceu, sua dor pareceu ir parar em Ethan, pois ele se encolheu.

— Já chega. A Reunião já começou, gostem ou não, e eu não permitirei que ninguém prejudique de forma alguma as Grandes Festividades, não na minha casa. Ridley esclareceu que foi convidada a se juntar a nós e aqui ela terá de ficar. Não há mais nada para dizer. Todos, sentem-se, por favor.

Eu segui para o lugar que estava com um pássaro segurando o marcador do meu lugar. Era um corvo de prata. Sempre me lembrava o pingente da minha mãe, mas eu não me importava com seu significado naquela hora. Apenas sentei sem tirar os olhos do casal que se sentou de fronte a mim. Eu não conseguia retirar meu olhar de Ridley. Tampouco conseguia controlar minha raiva. Minha vontade era pular sobre aquela mesa e atacá-la de todas as forças e maneiras que eu encontrasse na hora.

Fechei os olhos por um momento, tentando me acalmar, mas tudo o que parecia me acalmar era a visão daquele sorriso orgulhoso dela se reduzindo a uma expressão de horror e dor. Abri os olhos ao conseguir ao menos um pouco acalmar meu coração agitado.

A Sirena estava apresentando nossa família a Ethan. Eu me questionava se ele lembraria de tudo aquilo depois. Eu esperava que não. Tio Barclay estendeu a mão a Ethan, mas recuou quando percebeu o braço dele entrelaçado ao de Ridley. Larkin não pareceu se incomodar com aquilo e passou o próprio braço ao redor do pescoço de Ethan, fazendo uma ilusão de que era uma cobra. O pai dele deu-lhe um sermão e, apenas depois de fingir que tinha olhos amarelos e verticais de uma cobra, Larkin finalmente foi se sentar. Tio M pediu novamente para todos se sentarem.

Eu não conseguia prestar atenção em nada além da minha própria mente querendo machucar de qualquer modo que fosse a minha prima. Resolvi tentar me concentrar na mesa, no jantar. Tudo parecia transbordar de fartura e a Cozinha provavelmente tinha acabado tudo, pois agora colocava mais alimentos a cada piscar de olhos nossos. Filé assado com alecrim, costelas de cordeiro assadas (essa foi difícil para eu carregar), frutas e verduras de todos os tipos, pratos exóticos que não reconheci, peras estavam ao redor de uma ave recheada com molho. Percebi ser um pavão, algo que eu nem sabia ser comestível, por conta das penas enfeitadas na parte de trás. Doces brilhosos em formato de cavalos-marinhos estavam nas bordas das mesas, algo que eu arrumara.

E que, como se por ironia, era a única coisa sendo realmente devorada ali. Mas por Ridley.

— Cavalos de açúcar! Amo tanto isso! — exclamou animada enquanto colocava mais dois dourados na boca de uma vez.

Tia Del limpou a garganta, incomodada pelos modos da filha na mesa.

Se eu fechasse os olhos e imaginasse Ridley com seus olhos verdes de volta... se imaginasse que nada daquilo estivesse acontecendo... Eu quase podia pensar que era como a última Reunião. Jules não foi Invocada e está bem, está fazendo suas brincadeiras para me fazer rir. Tia Del estava de novo brigando com ela por comer de modo tão mal educado.

Mas eu não fechei os olhos. Tampouco eu imaginei. Jules não existia mais. Ridley tomara conta do seu lugar. Nada nem ninguém poderia mudar isso. Ela não era a minha prima de antes.

E a prova disso estava ali, segurando seu braço.

Ridley olhou para mim, limpando o canto da boca do batom borrado e do açúcar restante dos doces.

— Então prima. — Começou. Agora até sua voz me causava asco. — Algum grandioso plano pro seu aniversário? — questionou e enfiou os dedos no molho do pavão.

Aquela maldita... Ela com certeza sabia que Ethan desconhecia de qualquer coisa que aconteceria no meu aniversário. Ele não sabia nada sobre Invocação de um Conjurador e muito menos sobre Ridley ser das Trevas. Ele só imaginava que tínhamos poderes, não lados.

Minha raiva só aumentava. Tio Macon respondeu por mim.

— Já basta, pode encerrar o assunto. O aniversário de Lena não será um tema de discussão esta noite. — avisou.

Ela apenas sorriu mais com toda a tensão. Ainda comia, sem se importar.

— Ué, sério? Por que não? É um evento tão importante, afinal.

Minha raiva expressava cada palavra seguinte.

— Farei questão de me esquecer de te convidar. E não haverá como vir mesmo se outra pessoa te convidar. Então não precisa se preocupar.

— Ah, Lena, querida, mas você certamente deveria. Se preocupar, quero dizer. É um evento muito importante, o seu aniversário. Significa tanto para todo mundo aqui. — Ridley riu.

Minha raiva lentamente preenchia meu coração. Como um eclipse numa lua brilhante. Minhas mãos estavam tremendo, tentei disfarçar segurando a borda da mesa, os nós dos meus dedos ficando brancos. Meu estômago estava apertado como das vezes que acidentalmente usei os meus poderes. Eu podia sentir uma brisa gélida envolver o meu corpo, meu poder aumentar a cada segundo que minha raiva se tornava ódio.

— Eu já disse chega.

Meu tio já usava do tom de voz controlado que usou com Ethan quando ele entrou em Ravenwood com o medalhão. Mas dessa vez eu não queria acalmá-lo. Eu queria que ele perdesse o controle e... e atacasse Ridley.

— Você está tomando um lado agora, tio M? Se sim, por que o dela? Passei o tempo com Lena tanto quanto passei com você quando eu era pequena. Você de repente tem uma favorita agora? — Por um segundo, Ridley soou magoada. Não que eu fosse acreditar.

— Não há nada que envolva favoritismo aqui. Você foi Invocada. Esteja ou não aqui agora, você está fora do meu alcance.

— Está óbvio que Lena vai para as Trevas e você só não quer admitir!

— Você não pode opinar sobre qualquer coisa aqui agora, Ridley, não faz mais parte da família.

Olhei para Ethan de relance. Ele tinha uma expressão confusa, como se não entendesse o que estava acontecendo, mas também estava muito pálido e sonolento. Eu não sabia o quanto ele lembraria daquela conversa depois, mas eu definitivamente teria muito a explicar.

Ridley não parou. Choramingava com a infantilidade de sempre.

— Nós somos iguais, tio Macon! Se for assim, você também não faz parte da família! — implorava ela para Macon, como uma criança mimada.

Ao meu redor, tudo começou a tremer, como se um terremoto estivesse atingindo Gatlin. Mas eu acreditava que era só ali, na sala de jantar, mais possivelmente apenas na mesa. Vi trincas atravessarem os vidros e porcelanas. Ainda assim, tudo o que eu me importava era em fazê-la calar a boca.

— Você nunca será igual a ele! Nem a mim! — Minha voz soou não apenas emotiva, mas com ódio também, fúria. Minhas últimas palavras mal podiam ser ouvidas através dos sons que agora preenchiam a casa. Como das batidas rítmicas no telhado começavam a denunciar meu descontrole sobre meus poderes.

Ela olhou para a janela e sorriu. Mas parecia um sorriso diferente. Parecia mais algo que eu veria nas feições cruéis que Reece havia nos mostrado. Era um sorriso frio, mas havia... orgulho? Não fez o mínimo de sentido com as palavras seguintes.

— O que, está pensando que é muito melhor que eu, Lena? Não sabe nada de si mesma, não seu nome real, não conhece seus poderes e não sabe como essa relação com o Mortal está condenada. Espere sua Invocação. Você vai ver como tudo funciona de verdade, e eu tenho certeza que vai preferir ser igual a mim. — Ela riu, o som reverberando através da minha espinha com um arrepio. Ela sabia bem que eu não queria contar aquele tipo de coisa a Ethan, mas fazia questão de deixá-lo saber. — Você não se conhece. Não faz um pingo de noção se somos iguais ou não, com o quanto está oculta da verdade. Em poucos meses, você pode acabar exatamente como eu.

Olhei para Ethan, desesperada. Depois para Ridley, com ódio. O terremoto começou a aumentar, agora os pratos batendo contra a madeira preta da mesa.

— Cale a boca! — gritei, sentindo-me incapaz de conter minhas emoções agora.

— Conte ao Mortal! Conte a verdade! Ou você acha que vai mantê-lo no escuro tanto tempo? Vai mentir para ele até você fazer dezesseis anos? Não acha que o Palitinho aqui merece saber a verdade? Não vai dizer que você não sabe se é da Luz ou das Trevas? Não vai admitir que não tem escolha?

Eu levantei de supetão, a cadeira no qual eu estava sentada sendo jogada para trás com violência.

— EU MANDEI CALAR A BOCA!

Ela só se divertia com tudo aquilo e meu ódio só aumentava mais.

— Conte do passado! Conte como vivíamos juntas. Dormíamos, brincávamos, conversávamos, aprontávamos, tudo como irmãs! Eu era exatamente como você há um ano, Lena. E agora... Acho que resta saber se daqui a alguns meses você continuará sendo assim. Cansei de todos a tratarem como se fosse alguém especial. Não há nada de especial em você!

Tio Macon também se levantou, pálido. Eu não sabia se suas mãos seguravam a mesa ou apoiavam a si mesmo.

— Basta! Vou Conjurar você para longe dessa cidade se continuar falando uma só palavra.

Observei, ainda furiosa, os dois discutindo.

— Você pensa que consegue me Conjurar para fora, Macon, mas não é forte o suficiente para isso.

— Está superestimando suas capacidades. Conjurador ou Conjuradora das Trevas algum desse planeta é capaz de invadir Ravenwood sozinho. Se eu te colocar para fora deste lugar, pode ter certeza que os feitiços farão muito bem seu trabalho. Eu mesmo Conjurei o Vínculo desta propriedade. Todos nós fizemos.

— Bem tio Macon, você se esquece da hospitalidade sulista. Eu não precisei invadir, fui convidada e guiada pelo braço do cavalheiro mais bonito de Gat-lixo.

Aproveitando a deixa, Ridley virou-se para ele e tirou seus óculos escuros. Seus olhos dourados, os olhos que confirmava minha teoria sobre pessoas das Trevas terem tal cor nas íris, brilhavam mais do que eu achei que era possível.

Então percebi. Ela estava usando seu poder, fosse lá qual parte dele, no Mortal.

Vi os olhos dele perderem o foco completamente, a esclera começar a ser preenchida por algo carmesim, a cor de sangue encobrindo também o castanho de suas íris. Sua respiração ficou mais lenta, seu corpo estava rígido e, mesmo que do outro lado da mesa, pude sentir o frio que emanava de Ridley. Ambos estavam com as feições diferentes, a pele parecia grudar nos ossos. Mas no caso da minha prima parecia mais cruel.

No dele, algo que eu veria em um morto. O peito dele já havia cessado do comum inflar e esvaziar de sempre. Ethan não respirava. Eu não podia suportar deixar que ela o matasse ou fizesse sei lá o que quer que pretendia fazer.

— Afaste-se do Ethan!

Meu desespero me consumiu e meus poderes consumiram a casa. Luzes piscavam. As janelas abriam e fechavam com violência. Os lustres, mesa, louças e comidas... Tudo tremia com ferocidade. Reconheci a cena de filmes. Não era um terremoto como pensei.

Era um furacão. Um furacão que eu mesma provoquei. E o som da tempestade lá fora só não encobria meu desespero. Ouvi alguém bater o pé no chão com força, como se procurasse chamar a atenção. Tia Del soou compreensiva e calma, como qualquer mãe faria. Ou como eu imaginava uma mãe fazendo.

— Eu mandei você manter distância, filha. Não há nada que possamos fazer por você depois de sua Invocação. Eu lamento muito.

Já tio Macon soava frio e duro.

— Se um segundo faz toda a diferença, um ano faz ainda mais, Ridley. Você foi Invocada. Seu lugar na Ordem das Coisas é outro, não este lugar. Você tem que ir.

Ouvi um som de sucção no ar que havia muito tempo que não ouvia. Meu tio sempre procurou esconder seus poderes de mim, ou ao menos evitar ter de usá-los, ainda assim eu reconhecia uma Viagem quando ouvia. Ele desmaterializou e voltou a surgir em frente a Ridley um segundo depois.

Ethan estava obviamente desnorteado. Seus olhos abriam, olhavam para tudo e fechavam de maneira confusa e desfocada. Eu não sabia como ele conseguia ficar consciente ainda.

— Vá. — Ele gritou.

— Não! Eu não vou!

Tia Del voltou a insistir, sua voz dessa vez firme.

— Comporte-se e saia! Ravenwood não é um lugar para Magia das Trevas. É um lugar Enfeitiçado com a Luz. Não vai sobreviver aqui por muito tempo. 

Prestei mais atenção e percebi que Ridley também estava com uma aparência doentia. Seu poder podia até ser forte, mas seu corpo tremia e ela estava muito pálida. Mas eu não me preocupei. Meu ódio me impediu de me importar com a saúde dela. E nem ela parecia querer acreditar que podia morrer ali.

— Não vou sair. Ninguém pode me obrigar.

— Esta não é a verdade e você mesma sabe disso. — Cortou tio M.

Eu já não sabia quem era mais teimoso.

— Eu estou mais forte agora, não pode me controlar, obrigar, nada. Você não me conhece mais.

Ou mais forte.

— É verdade, você está mais forte, eu reconheço isso, mas não é capaz de me enfrentar. Não importa o que eu tenha de fazer, eu vou proteger Lena. Mesmo se tiver de enfrentar você não vou parar. Eu sou capaz de tudo por ela, e esse tudo envolve te ferir. Ou pior.

Dessa vez o peso das palavras foi sentido por ela.

— Você faria mesmo isso comigo? E ainda diz ser da Luz? Ravenwood é uma propriedade com poder das Trevas, sempre foi, desde Abraham. Ele era um de nós. E você a Enfeitiça com a Luz? Esta casa deveria ser nossa!

— Ravenwood agora é o lar de Lena, vocês não podem fazer nada.

— Seu lugar é comigo, tio M. Com ela.

A Sirena ficou de pé, obrigado Ethan a fazê-lo também, apesar das pernas fracas e bambas. Éramos os quatro de pé agora, mas, se considerasse apenas os Sobrenaturais, Macon, Ridley e eu éramos um triângulo verdadeiramente perigoso.

— Não tenho medo da sua espécie, Lena. — Minha prima semicerrou os olhos.

A voz dela não soava como ela mesma, mas meu tio não pareceu notar.

— Não importa se tem medo ou não, você não tem poder aqui. Não contra todos nós e ainda uma Natural.

Eu até me senti forte por um momento, mas a sensação se foi com a gargalhada da Ridley.

— Lena? Natural? É a piada do século, a coisa mais engraçada que ouvi a noite toda. Conheço a capacidade de um Natural. Lena não chega nem aos pés dela.

Eu cerrava minhas com tanta força que podia sentir feridas surgindo nas palmas pelas minhas unhas.

— Cataclistas e Naturais são completamente diferentes.

Cataclista? Dessa vez eu me sentia tão perdida quanto Ethan. O que era um Cataclista?

— Como poderiam ser? Um Cataclista é sempre um Natural que foi para as Trevas. Não vejo diferença alguma nisso.

"Cataclista é um Natural que foi para as Trevas"? Meus poderes mudariam se eu fosse para o outro lado?

Um trovão enorme rugiu sobre nossas cabeças e eu soube que o furacão havia chegado. Ridley ainda falava.

— Você está errado, tio M. Está protegendo Lena em vão, no final não valerá a pena. E também está errado em achar que ela é uma Natural. Acha que só porque por ora ela é doce e inocente agora, ela será Invocada pela Luz?  Isso não significa nada. Não foi igual há um ano? Espere até fevereiro e vamos ver quem de nós dois estava errado. Além disso, pelo que o Palitinho aqui andou me contando, ela está mais perto de ir para as Trevas do que para a Luz. Quebrando janelas em pobres e indefesos Mortais? Tempestades com relâmpagos? Aterrorizando a escola? Ela já está mais perto das Trevas do que eu estava!

Ela estava conseguindo fazer algo que eu imaginava impossível: irritar-me ainda mais. Eu já não sabia como respondê-la, mas minha fúria já passava dos limites. Uma das janelas da mansão se quebrou como na escola. Meu poder aumentava cada vez mais com a velocidade do vento. Vi, com a visão periférica, a sombra de uma árvore caindo perto da casa.

— Cale a boca! Você não faz ideia do que está falando!

O vento atingiu a sala de jantar de forma poderosa e violenta. Os pratos, talheres, copos, todos os objetos da mesa voaram e bateram contra a parede. O chão se sujava dos diversos molhos que deveria ter nos alimentado. Além de mim, ninguém conseguia permanecer parado com a força da tempestade sobre o local. Só eu mesma permanecia imóvel. Ao invés de tentar me derrubar, o vento me envolvia. Tentei me concentrar em controlá-lo ou ao menos fazer uso daquele meu poder sobre o clima.

Ridley não tinha parado, virou-se para Macon. E acho que foi um dos piores erros dela.

— Você sempre deu crédito demais à Lena, como se ela pudesse mudar tudo. Lena é igual a nada!

Foi a gota d'água. Não só uma como várias outras janelas começaram a explodir para dentro de casa. Os vidros de quadros, louças, castiçais e lustres estouraram ao mesmo tempo, inundando nossa visão com fractais brilhantes. A mobília batia contra a parede. Vários objetos eram sugados para a porta da frente, sendo que esta estava escancarada. A toalha da mesa voou, todos ao meu redor pareciam com dificuldades em permanecer de pé. A sala girava como se o furacão estivesse ali dentro.

E estava. O furacão era eu.

Boo uivou e jurei ter ouvido ser muito semelhante a um grito humano.

Meu poder corria através das minhas veias. Eu podia realmente senti-lo, em meu corpo e fora dele. Ele quase pedia para ser usado, quase comemorava por estar a tudo destruir. O vento me envolvia de tal forma que eu podia senti-lo tanto entrando quanto saindo do meu poder, do meu corpo. Os olhares de todos sobre mim de repente não faziam diferença. Nada existia além daquilo.

Eu, meu alvo e meu poder.

Eu não me importava se Ridley podia morrer ali dentro. Se fosse para seguir o que eu sentia, eu mesma podia matá-la. Mas meu amor por Ethan dizia que eu, por ora, deveria apenas mantê-la longe dele. E foi isso o que consegui fazer. O vento se desconcentrou do meu corpo ou de qualquer outra coisa. Nada mais girava por alguns segundos. Minhas palavras vieram espontâneas.

— Mandei se afastar do meu namorado, bruxa.

Foi aí que aconteceu algo que nem eu mesma sabia ser capaz de fazer. O vento, como uma explosão telecinética, jogou violentamente Ridley através do corredor para a porta de saída, que se trancou assim que ela estava lá fora.

E... Acabou. O vento sumira, a chuva cessara... O ar estava tão estático que mal parecia ter acontecido tudo aquilo, entretanto havia a destruição ao meu redor. Naquele momento eu não me importei. Apenas tentei dar alguns passos na direção do, agora caído e inconsciente, Ethan, mas meus joelhos cederam e eu caí no chão, fatigada de um modo que nunca sentira na minha vida.

Mas se mantivesse Ridley longe de Ethan, tudo valeria a pena.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Sei que o tamanho foi exagerado, mas tentarei fazer um bem menor na próxima vez. Quero comentários, ok? Aceito qualquer dica, sugestão, correção, o que for.
Até mais!



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