Sixteenth Moon escrita por Nath Schnee


Capítulo 12
Capítulo 11 – 24 de Setembro


Notas iniciais do capítulo

Eu sei. Eu sei. Atrasada de novo. Por isso não irei mais prometer postar todo dia 30. Será assim que eu acabar cada capítulo, ok? Sem data prevista. Sei que é chato, parece aquelas "histórias fantasmas" que só atualiza quando se esquece dela, mas juro que tentarei atualizar assim que acabar.
De qualquer forma, obrigada a todos que já comentaram e boa leitura!



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Fileira errada

Dias se passaram desde a noite em que conversei com Ethan. Embora eu não soubesse o que estava sem sua mente a maior parte do tempo, pois ele sempre de alguma forma pensava em manobras de basquete, o Mortal não parecia estar lidando tão mal assim com a revelação. Ele estava agindo normalmente comigo, sempre nos encontrávamos no estacionamento da escola, às vezes nos víamos nos corredores da escola e assim seguíamos por toda a semana enquanto tentávamos ignorar as pessoas cochichando sobre nós o tempo todo. 

Só havia um lugar onde ninguém agia daquele jeito, e na quarta, depois da aula, Ethan e eu fomos para lá.  Eu sentia que Greenbrier era o melhor lugar possível para ficarmos na companhia um do outro. Não sabia como Ethan se sentia sobre isso, e nem perguntaria. Além de que era o lugar que havíamos encontrado o medalhão. Não que as visões fossem algo bom, mas eu sentia que ele nos ligava, talvez por ser algo que incluía um Wate, como ele, e uma Duchannes, como eu.

Deveríamos estudar, mas eu estava escrevendo poesia e Ethan estava encarando a mesma página do livro havia tanto tempo que eu duvidava que estivesse lendo.


Eu nas sombras, ele na luz
Estou as horas a contar
Para quando ele me traduz
Essa cidade que não consigo aguentar

Lutamos para encontrar
Uma maneira de ficarmos juntos
Nem que seja para estar
Por apenas alguns segundos

 

Estávamos de costas um para o outro, nossos ombros se tocavam. Ele, esparramado sob a luz de um sol quase poente, e eu, sob a crescente sombra de um carvalho cheio de musgo. Era sobre aquilo que eu escrevia. Era uma estrofe breve, mas que eu repeti várias vezes.

Encarei minha poesia. Tinha mesmo que ser "romântica"? O que Ethan estava fazendo comigo?

— Ei, o que está escrevendo?

Eu fechei meu caderno antes que ele o visse.

— Nada especial. Só estou escrevendo.

— Ah, tudo bem... Não precisa me contar então. — Não estava tudo bem. Eu pude ouvir a decepção em sua voz.

— É só... É uma bobagem. — Eu me sentia o mais tímida possível.

Ethan já me achava estranha, saber que eu escrevia poesia podia deixá-lo ainda mais confuso sobre mim, e se existia, eu já deveria ter ultrapassado sua cota de esquisitices.

— Se é uma bobagem você pode me contar, não?

Fiquei em silêncio por alguns instantes, riscando a borracha branca do meu All Star com a caneta preta.

— É que eu escrevo às vezes. Poemas, principalmente, desde que eu era criança. Sempre me distraiu bastante, não posso evitar. Sei que é esquisito. — Fiquei pensando em quanto eu me sentia esquisita ao dizer "às vezes" e não "sempre", como era a realidade. Será que ele tinha percebido que eu vivia com aquele caderno?

— Não acho esquisito. Meus pais escreviam. Meu pai, até, ainda escreve. — Sorri, relaxando. — Ok, ele é um exemplo ruim, meu pai é realmente esquisito, mas isso não é porque ele escreve. Na verdade, eu acho isso algo legal.

Ele pareceu esperar. Provavelmente pensou que havia me convencido a mostrar minhas poesias, mas estava muito equivocado.

— Talvez eu possa ler um em algum momento.

Nem Ridley chegara perto algum dia de fazê-lo.

— Duvido muito.

Abri o caderno de novo para consertar algum erro, escrever outras estrofes, etc. Ele ficou em silêncio por um longo tempo e quando resolveu falar gaguejou.

— Então, você quer... Você sabe. Ficar junto um dia desses em algum lugar? — Ele estava se forçando a ser casual. Eu podia notar.

— "Ficar juntos em algum lugar" não é o que estamos fazendo agora?

Olhei para Ethan. Ele estava mordendo uma colher velha. Se aquilo não era muito agradável, eu não queria nem imaginar de onde ele tirou ela. Ele continuou e tentei me concentrar no que dizia.

— É. Não. Quero dizer, não é isso. Você não quer, sei lá, ir a algum lugar?

— Ir agora?

Mordi a barra de cereal que estava comendo e mudei de posição para ficar do lado dele, esticando minhas pernas e ficando metade no sol e metade na sombra. Estava confusa com o que ele estava dizendo. Por que iríamos sair dali agora e para onde iríamos?

— Não, não agora. Sexta-feira, ou algum outro dia, sei lá. Quando você puder. Podíamos ir ao cinema, sabe?

Ethan tirou a colher a boca e enfiou entre as páginas do livro de química e fechou. Fiz uma careta e estremeci. Não pude evitar uma careta. Pobre livro!

— Eca! Isso é nojento! — Virei a página do meu caderno, talvez conseguisse me distrair.

— Como assim? — Ele começou a ficar vermelho.

Era só um filme, se não queria, era só falar que não..., disse ele por Kelt.

Idiota.

Apontei para o talher entre as folhas do pobre livro inocente, agora provavelmente repleto de saliva. Ethan fazia isso com todos os seus livros? Ele havia pegado aquela colher do meio das páginas e enfiado na boca? Era muito nojento.

— Eu falei disso.

Ethan deu um sorriso aliviado.

— É. Um mau hábito, herdei da minha mãe.

— Ela gostava de mastigar colheres velhas? — Ergui uma sobrancelha. Talvez ela fosse um pouquinho nojenta.

— Não, ela gostava de livros. Eram uns vinte ao mesmo tempo. Ela nunca se perdia e conseguia ler todos eles. Também tinha o hábito de deixar por toda parte. Na mesa da cozinha, no criado-mudo ao lado da cama, na bolsa dela, dentro do carro, espalhados pelo escritório, pilhas sobre o canto dos degraus da escada. Sempre usava a primeira coisa que encontrava pela frente para marcar. Uma meia minha no livro das roupas sujas, um miolo de maçã da mesa, os óculos de leitura dela ao lado da cama, outro livro do escritório, um garfo da cozinha.

— Uma velha colher mastigada e suja?

— Exato.

— E como Amma ficava com isso?

— Ela enlouquecia. Não, espera, a palavra vai vir... Ela ficava... — A maneira como ele parecia concentrado, realmente procurando por uma palavra, me fez querer rir. — D-E-S-A-S-S-O-S-S-E-G-A-D-A.

— Catorze vertical? — Eu ri.

— Deve ser isso mesmo.

— Eu também tenho algo da minha mãe. — Peguei o pingente de pássaro dourado no meu colar, o separando cuidadosamente dos outros, ouvindo o familiar tintilar dos pingentes. — É um corvo.

— Alguma referência a Ravenwood¹?

— Não. Corvos são poderosos no mundo dos Conjuradores, provavelmente as aves mais fortes. Existe uma lenda que diz que eles conseguem atrair energia e soltar em outras formas. Algumas pessoas até temem eles.

Continuei olhando para o pássaro. Eu sabia o significado de um corvo, mas e daquele pingente? Se ele tinha sido da minha mãe, o que podia significar para ela? Será que ela queria ser poderosa como um corvo? Temida como tal?

Não... Aquilo soava meio sombrio. Não era um pensamento da Luz. Ou pelo menos eu não imaginava que os da Luz se importassem tanto assim com poder, não achava que alguém da Luz gostaria de provocar medo nos outros.  Afastei essa ideia e deixei o corvo voltar ao seu respectivo lugar entre um pequenino disco entalhado com uma língua que eu não reconhecia, na qual ganhei de tia Delphine, e a conta de vidro preta.

— São vários pingentes, pelo visto.

Coloquei a mecha do meu cabelo atrás da minha orelha para poder continuar vendo.

— Não sei bem se são apenas pingentes, todos eles têm significado para mim. — Sempre pensei em como eles eram pequenos pedacinhos de mim. Mostrei o anel de lata de refrigerante. — Acaba que pode parecer besteira também, mas eu os amo. Esse aqui, por exemplo, é da primeira lata de refrigerante de laranja que bebi. Eu estava na varanda de casa em Savannah chorando, vovó comprou para me alegrar.

— Por que você estava chorando?

— Porque ninguém havia colocado nada na minha caixa de presentes de dia dos namorados, e todo mundo, até quem também era meio excluído, tinha recebido alguma coisa. — Eu podia lembrar cada detalhe daquele dia, e de todos os outros que eu recordava ali, pendurados no meu pescoço.

— É fofo.

— Se com fofo você quiser dizer trágico... — Suspirei.

— Não, é fofo você ter guardado.

— Eu nunca fico em um lugar por muito tempo, então guardo tudo.

— E isso? O que é? — Apontou para minha conta preta.

— Minha tia Twyla me deu. É feito daquelas pedras de áreas remotas de Barbados. Ela disse que me traria sorte. Eu sinceramente nunca duvidei.

— É um colar legal. — Ele estava olhando enquanto eu arrumava cada um deles, tomando cuidado para não danificá-los. Não pude imaginar um pensamento que ele poderia ter além de que aquilo era feio. Tentei me justificar, falar a verdade sobre todas as viagens.

— Pode parecer só um monte de lixo. É só que eu nunca pude levar comigo nada além de memórias e desses pingentes, nunca fiquei na mesma casa por mais que poucos anos, sempre tive que abandonar tudo o tempo todo, então eles são tudo o que eu tenho. Algumas vezes sinto que nessa corrente estão pedaços de mim.

Ethan suspirou e puxou um pedaço da grama. Fiquei fitando o Mortal.

— Queria ter morado em vários lugares assim também. Ou pelo menos em um deles.

Ele parecia frustrado. Não conseguia ver o quanto era bom morar em um lugar fixo?

— Você tem raízes aqui, Ethan. Tem um melhor amigo de uma vida inteira, vizinhos que te conheceram quando você era bebê. Você faz parte da cidade tanto quanto sua casa. Aposto que tem sua altura marcada na moldura da porta do quarto que sempre foi seu.

Ele ficou em silêncio. Quem cala consente. Acho que ele até gostava daquilo.

Você tem, né?

Ele me empurrou com o ombro, brincalhão.

— Se você se importa tanto com uns riscos, posso medir você na moldura da minha porta também. Lena Duchannes eternizada na propriedade Wate.

Eu sorri, olhando para o meu caderno fechado. Empurrei-o com o ombro também.

Agora que o sol se punha ao horizonte, a luz que antes iluminava apenas Ethan agora me alcançava. Meu cabelo preto parecia até mais claro naquela luminosidade.

Comecei a me dar conta que, pela primeira vez na vida, eu estava sendo convidada para um encontro. Tentei não sorrir. Parecia tão... maravilhoso.

Quanto ao filme, sexta está bom.

Ethan também sorriu. Ficamos ali até anoitecer, sorrindo em silêncio.

 


Ethan estava atrasado e nem imaginava o que aquilo significava para mim.

Já era sexta a noite e, admito, durante a semana eu tinha estado ansiosa. Não sabia se estava feliz ou preocupada, pois seria a primeira vez que eu sairia de Ravenwood sem ser para ir a Greenbrier ou à escola. E ainda mais com Ethan! Por mais que tio Macon ainda não visse o Mortal com bons olhos, havia permitido que eu saísse, só havia mandado eu tomar cuidado e permitir que Boo ficasse na porta esperando.

Eu também tinha estado preocupada porque, mesmo que sendo um simples passeio, quem garantia que eu não fizesse algo errado por acidente? Meus poderes só se descontrolavam ainda mais com a aproximação do meu aniversário, e agora que tio M apenas esperava um motivo a mais para me deixar de castigo, eu não duvidasse que fosse o momento exato para algo dar errado.

Mesmo assim, eu estava mais feliz do que sentindo preocupação. Ethan não só aceitara o fato de eu ser uma Conjuradora como tinha me convidado para sair! Aquilo era incrível!

Porém é fato que tudo o que é bom dura pouco e com minha alegria não foi diferente. Cheguei ao estacionamento do cinema dez minutos antes do horário que marcamos, no qual seria 06:40 da tarde e assistiríamos o filme das sete.

Depois de estacionar o rabecão, segui até a entrada do cinema e esperei ali, observando os arredores. Ethan e eu não éramos os únicos alunos da Jackson High que resolvera assistir filme naquela sexta-feira. Eu podia ouvir a voz irritante de Charlotte de onde eu estava, vinha do estacionamento e se aproximava com rapidez.

Fui até a bilheteria, procurando algum motivo para não ter que aturá-las. Quando o bilheteiro me viu, pareceu bem surpreso e assustado.

Ótimo. Ele também tinha ouvido falar de mim.

Fiz meu pedido e paguei. Quando ele ia me dar as entradas, hesitou sem me entregar.

— Você que é a filha do Velho Ravenwood? Lena Ravenwood?

Respirei fundo, tentando manter a calma.

— Sou a sobrinha dele e meu nome é Lena Duchannes. — Ele assentiu, apesar de ainda me encarar, e me entregou os ingressos.

Peguei com raiva e me virei para me afastar, mas dei de cara com Savannah e Emily.

A expressão de Savannah enquanto me encarava parecia com a de alguém que tinha acabado de descobrir que comeu um rato como sobremesa. Ela me olhou da cabeça aos pés, como todos os dias na escola. Passou do meu vestido preto com uma camiseta roxa às minhas botas pretas pesadas. Eu também a fitei com nojo, mas não havia muita diferença no seu look. A mesma regata no umbigo, porém agora amarela, o mesmo short jeans curto, hoje azul. Nos pés uma sapatilha rosa, a mesma cor do seu esmalte nas mãos. As outras meninas não mudavam muito de vestimenta. Só mudavam de cor de blusa e sapatilha.

Emily foi a primeira a falar.

— Dois ingressos, Duchannes? Não se esqueça que animais, principalmente de rua, são proibidos no cinema. Seu cachorro não vai poder ir com você, não poderá entrar. — As outras estavam segurando o riso.

Savannah entrou na "conversa agradável".

— Acho que nem você.

Todas explodiram em gargalhadas. Eu fechei minhas mãos com força. Podia sentir que a qualquer momento meus poderes sairiam de controle.

E saíram.

Atrás delas, uma lâmpada queimou e soltou faíscas. Metade da calçada ficou em uma escuridão total. Eu não podia deixar barato. Não podia deixar que elas me tratassem assim sem uma resposta.

— Não serei a única a ser barrada, meninas. — Forcei um sorriso gentil e até consegui, mas ele acabou se tornando maldoso quando eu continuei. — Com grupo de — Indico Emily — uma galinha mais rodada do que pneu velho de carro, — Indico Savannah — uma piranha mais rodada ainda e — Indico as outras três meninas atrás, que só tinham rido até eu me pronunciar — e três hienas de bocas arreganhadas, e eu espero ser só as bocas, acho que um animal comportado como eu tem mais chances de entrar.

Elas fizeram uma careta e passaram por mim, fazendo questão de esbarrarem nos meus ombros de propósito. Pude vê-las indo até os garotos da equipe de basquete. Eu segui em direção oposta, até a outra ponta da calçada, o mais distante possível delas, ficando próxima ao estacionamento. Estava logo abaixo da lampada que parara de funcionar e não me importava se o breu se alastrava no lugar que eu estava. Só queria que Ethan chegasse logo e eu finalmente me acalmasse.

Estava cogitando em ir embora por conta da demora de Ethan quando o vi chegando de carona com o amigo Link. Quando saiu do carro, notou a presença dos outros alunos ali.

— Ei. — Ele deu um sorriso, apesar de tudo. — Oi.

Eu não sorri.

— Você se atrasou. Já comprei os ingressos. Vamos.

Ele provavelmente não notou por conta da escuridão, mas eu fuzilava com o olhar. Eu fui na frente, sem fazer questão de ver se ele me seguia. Acima da música dos anos 1980 que passava, pude ouvir a voz dos garotos do basquete.

— Wate! Vem cá! — disse um primeiro.

— Vejam só, pessoal! Wate, você está em um encontro? — exclamou outro.

Eu segui na frente, os ignorando. Eu tive que aguentar as meninas sozinha por conta daquele maldito atraso, então Ethan teria que aguentá-los sozinho também.

— Isso se chama viver! — Ouvi meu acompanhante gritar atrás de mim e em seguida ouvi seus passos apressados para me alcançar. — Ei, desculpa por isso.

Virei-me para olhar para o Mortal.

— Isso não vai dar certo se você for do tipo de pessoa que não quer ver os trailers.

Eu não sabia ao certo o motivo, mas sempre que estava com ele, mesmo que em parte culpado por toda aquela provocação por parte delas, eu me sentia mais calma.

Eu estava te esperando para ver.

Ele sorriu com meu Kelt.

— Trailers e créditos, e o cara da pipoca dançando.

Mesmo que fazendo o máximo para não olhar, a todo momento eu observava aqueles outros estudantes. Estava preocupada pelo risco de ser mais atormentada ainda.

Ignore.

— Com ou sem manteiga?

Eu até podia me acalmar, mas não podia evitar de soar ríspida.

— Com. — falou ele, como se confessasse um crime, pois fiz uma careta. Ethan entendeu e resolveu mudar, tentando agradar a nós dois. — Mas posso trocar por sal extra. — falou, finalmente acertando.

Vi um movimento atrás dele e olhei para lá. As meninas e os outros estavam se aproximando, a risada de Emily e os olhares que lançava para mim demonstravam a obviedade do assunto do momento: Eu.

Se quiser sair daqui é só falar.

Ignorei o Kelt.

— Com sal, sem manteiga e caramelos de chocolate misturados. É bom. Você vai gostar. — falei e tentei relaxar. Ele sorriu.

Já gosto.

A equipe de torcida e os garotos passaram por nós. Emily fingiu que ele não existia, enquanto Savannah passou por mim com uma careta e se afastando como se eu estivesse contaminada por algum vírus transmito pelo ar e não tivesse consciência. Não pude evitar de imaginar os rumores que correriam aquelas semanas.

Ethan pegou minha mão, propositalmente olhando para eles. Ele hesitou no primeiro instante, segurando de leve, mas logo pegou com mais firmeza e de alguma forma eu me senti mais segura. Apesar de tudo, eu ainda estava preocupada. Ele estava estragando o próprio dia por minha causa.

Não precisa fazer isso.

Ele apertou minha mão.

O que?

Fingiu inocência.

Nós fomos interrompidos por Link, que surgira colocando a mão no ombro do Ethan e questionando onde estavam os meninos do basquete.


Já no Cineplex, na única sala que havia neste, nós acabamos por entrar depois dos outros estudantes. Iria passar um filme de mistério e suspense, com tantos cadáveres quanto eu podia imaginar. Ethan parecia gostar daquele tipo de filme, eu já preferia um bom e velho romance. Mas não me importei. Variar um pouco às vezes era bom.

Estávamos procurando um lugar para sentar quando percebi que todos os meus pesadelos haviam sentado na frente, Link estava com eles.

— Quer escolher o lugar? Podemos ficar no meio ou lá perto da tela. — Ele esperou minha resposta.

Não escolhi nenhuma das duas opções.

— Quero ficar aqui atrás.

Fui na frente e o vi hesitar, para então me seguir. Estranhei, mas ignorei e me sentei. Pensei que estava indo tudo ótimo, até que, antes mesmo do filme começar, as pessoas ao nosso redor começaram a… bem… se agarrar. Fui obrigada a encarar a fofinhas, branquinhas e salgadinhas pipocas, com seu meio amarelo. Elas pareciam perfeitas naquele momento. E seriam ainda mais perfeitas caso eu não pudesse ouvir as pessoas ao meu redor. Irritei-me. Ethan não me avisara por quê?

Você não me contou. Por quê?

Eu não sabia.

É claro que sabia.

Mentiroso.

Vou ser um perfeito cavalheiro. Juro.

Tentei voltar a me concentrar na pipoca. Nós enfiamos a mão no pote ao mesmo tempo. Perguntei-me o que ele estava pensando, mas tudo o que ouvi por Kelt foi técnicas de basquete. Bom, pelo menos ele tinha algum meio de se distrair.

— Foi aquele cara. — sussurrou Ethan de repente.

— O quê?

— Ele é o assassino. Não sei quem ele mata, mas é ele.

Que maravilhoso. Estar ao lado de uma pessoa que não apenas sabia o final de um filme sem assistir como também não conseguia guardar para si mesmo. Acho que agora eu entendia o motivo do Link sentar na frente.

— Como você sabe?

— Não sei. Eu só sei, e nunca erro. Os filmes são para mim o que as palavras-cruzadas são para Amma.

Lembrei de como ele havia dito que ela era viciada e simplesmente excelente até mesmo nas mais difíceis.

É? Então como acaba?

Desafiei. Ele até podia adivinhar o culpado, mas saberia como era o final exatamente.

Feliz. Um final muito, muito feliz.

Para um filme de mistério e assassinato, não parecia um final com algum sentido.

Mentiroso.

— Dê-me logo os caramelos. — mandei.

Eu coloquei a mão no bolso do moletom dele, procurando. Mas acredito que errei o lado, pois tudo o que tirei dali foi uma bolsinha, por fora macia, mas havendo algo frio e duro por dentro. Eu não pude evitar segurar como se fosse um animal morto.

Eu sabia o que aquilo era. O medalhão. Aquele que nos fazia ter visões de ao menos um século atrás.

Encarei-o.

— Você está andando com isso no seu bolso? Por que está fazendo isso? — Quantas vezes mais ele pretendia se arriscar para ficar vendo aquelas visões? Eu achava arriscado, afinal, sempre saíamos delas com algum resquício do que acontecera, como olhos ardendo por calor ou tossindo pela fumaça.

— Shh.

Um casal de universitários pareceu incomodado com nossa conversa. O que era estranho, pois eu e Ethan, pelo menos até um certo momento, éramos os únicos interessados no filme.

— Amma pensa que eu enterrei, não posso deixar em casa. — respondeu, ignorando o cara.

— Talvez seja hora de parar de fingir e enterrar.

— Não faz diferença estar ou não com a coisa, ela tem vida própria. Só funcionou nos momentos que você viu.

— Calem logo a merda da boca!

O casal na nossa frente reclamou quando parou com os "amassos" para respirar. Eu me assustei e acabei por deixar o medalhão cair, que estava na minha mão em meio ao lenço. Ethan e eu, como se combinado, nos abaixamos e pegamos ao mesmo tempo. Um grande erro, pois, quando eu me dei conta, tudo estava em câmera lenta, assim como a queda do lenço branco da bolsa.

A luz cinzenta da tela se contorceu e mudou de cor até virar um brilho amarelado de luz inconstante. Identifiquei o fogo longe. A fumaça já chegava a nós...


Queimar uma casa com mulheres dentro.

Não podia ser verdade. Mamãe. Evangeline. Os empregados. Minha mente estava a mil, eu não conseguia entender o que aquilo significava. Não era possível significar o que deveria. Talvez não fosse tarde demais. Ivy não tinha como saber.

Eu saí correndo. Ignorei as vozes de Ethan e Ivy chamando por mim, tal qual ignorei as garras que eram os arbustos, também me incitando a voltar. Os arbustos se abriram para a entrada da casa que meu avô construíra com tanto esforço, e havia dois Federais no caminho. Estavam jogando uma bandeja de prata em uma mochila do governo, uma bandeja que eu vira toda a minha vida. Continuei correndo, um emaranhado de tecido preto e cabelo ruivo avançando em direção às lufadas vindas do fogo.

— Mas o que...

— Pegue-a! — disse um dos adolescentes para o outro.

Eu subi as escadas dois degraus de cada vez, engasgando com a fumaça que saía da abertura onde havia sido a porta. Estava fora de mim. Mamãe. Evangeline. Meus pulmões ardiam. Preparei-me para enfrentar o fogo, mas me senti caindo. Era a fumaça? Eu estava desmaiando? Não, não era isso. Era outra coisa. Uma mão no meu pulso, puxando-a para baixo.

— Onde você pensa que está indo, garota?

— Solte-me! — gritei, minha voz rouca, parecendo estar presa na garganta, por causa da fumaça. Senti minhas costas bateram nos degraus, um por um, enquanto ele me arrastava; uma mancha azul em meio ao laranja do fogo. Tentei lutar, uma pancada em minha cabeça me impediu. Eu deveria ter atingido os degraus. Senti o calor de algo além do fogo, e uma sensação quente escorrendo pelo colarinho do meu vestido. Também havia a tontura. Tontura e confusão misturadas com desespero.

Um tiro. Um som tão alto que meus pensamentos pararam e eu me senti voltar enquanto o eco partia a escuridão. A mão segurando meu pulso relaxou e eu forcei meus olhos a se focarem.

Mais tiros.

Mamãe e Evangeline estavam vivas? Eles estavam acabando seu serviço? Oh, Senhor, por favor, poupe Mamãe e Evangeline. Eu havia feito o pedido errado. Eu pude ouvir o som do terceiro corpo caindo, e meus olhos conseguiram focar o suficiente para eu ver, suja de sangue, uma jaqueta de soldado. Não era azul, era cinza.

Só havia um homem vestido daquela forma ali.

Ethan havia sido alvejado pelos mesmos soldados contra quem ele tinha se recusado a lutar. E ali estava ele, caído ao meu lado, morrendo. O cheiro do seu sangue, misturado ao da pólvora e dos limões queimando, eram a pior coisa que eu poderia ver na vida.


Quando a visão se foi, eu permaneci com os olhos fechados. Não importava o quão distante fora aquele passado, eu presenciei tudo.

Eu presenciei um homem morrer.

Era uma guerra e tinha muitas outras vítimas, é claro, mas eu não podia evitar de pensar em como Genevieve se sentiu. Ethan Carter Wate não tinha apenas o nome parecido com o de Ethan. Tinha a aparência também. Ambos pareciam ser irmãos. Acho que eu também tinha me apegado a ele.

ECW escolheu desertar, desistir de matar os soldados da União para ficar com Genevieve e, no final, os mesmos soldados o mataram. Mataram enquanto ele protegia Genevieve, que estava ocupada tentando salvar a família. Família essa que, pelo que tudo indicava, já estava morta. Será que ela se culpava por sua morte? Será que ela era das Trevas no retrato porque quis vingança?

Eu não conseguia culpá-la por ser das Trevas.

Apesar de estar de olhos fechados, pude ver o cinema acendendo as luzes através das minhas pálpebras. Provavelmente estava nos créditos finais. Mas eu não ligava com fileiras para casais se beijarem, não ligava para o que pensariam, não ligava para o filme. Graças àquela visão, eu ainda não tinha recuperado o fôlego.

— Lena? Tudo bem? — A voz de Ethan soou rouca, também tinha inalado fumaça.

Eu não respondi, apenas abri os olhos e empurrei para trás o descanso de braço que havia entre nós dois. Aconcheguei-me no ombro de Ethan, que me abraçou. Ele talvez estivesse sentindo o quanto eu tremia. Eu não conseguia falar.

Eu sei. Eu também estava vendo.

Os assentos da frente estavam ficando vazios, as pessoas que o ocupavam devem ter visto eu abraçada a Ethan. Não me importava mais. Fechei os olhos com força. Só queria tirar aquela imagem da minha mente. Tirar os sons de fogo e tiros de meus ouvidos, tirar o cheiro de sangue e pólvora e morte...


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Notas finais do capítulo

¹Ravenwood: "Raven" é corvo em inglês.

Gostaram? Espero que sim. Quero presentes! Ops, quero dizer... Quero comentários! Kkkkkkkkk. Até a próxima!



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