Lembro do meu passado como se fosse ontem.

Eu tinha apenas seis anos quando o vi pela primeira vez no Youchien (jardim de infância). Todas as crianças estavam no parquinho brincando e se divertindo enquanto eu, a idiota excluída, estava no meu canto as observando com os olhos vermelhos e inchados de tanto ver minhas lágrimas caírem.

As outras crianças não gostavam de mim, sempre implicavam comigo e me excluíam de todas as atividades em grupo. Antes eu achava que elas tinham inveja por eu ser querida por todos os adultos. Os professores, os funcionários do jardim e até mesmo os pais dessas crianças diziam me adorar e me tratavam com carinho. Que boba eu fui, quanta falsidade ao meu redor. Todo esse falso amor era por causa dos meus pais e a fortuna deles. Como se eu tivesse culpa deles serem milionários e muito influentes no país.

De repente senti algo dentro de mim ferver a ponto de explodir, me levantei com a intenção de pôr um fim nisso, o que eu fiz de errado para passar por isso? Fui na direção do gira-gira que estava vazio e comecei a brincar sozinha. Em menos de cinco minutos algumas crianças chegaram e me rodearam.

— O que você pensa que está fazendo pirralha? — dizia um garoto irritado.

— Isso mesmo! Os brinquedos são nossos! O seu lugar é nos fundos da escola, junto da lixeira, já se esqueceu? — disse outra garota cruel que fez meus olhos se encherem de lágrimas novamente.

— Isso é injusto! – desabafei já chorando. — Os brinquedos são da escola e a professora disse que todos podem usar.

— Todos menos você! — gritou o primeiro garoto. — Se ponha no seu lugar pirralha, ninguém te quer por perto.

— Eu não vou sair! Eu quero brincar também e vocês não podem me impedir. — Me agarrei ao brinquedo com medo de que me forçassem a sair, mas ao invés disso eles começaram a me girar.

— Claro princesa, como desejar. — Outra criança começou a me provocar e a girar cada vez mais forte. — Mas se quer brincar tem que ser do nosso jeito, vamos ver o quanto você aguenta.

O brinquedo girava cada vez com mais velocidade e eu, que não estava acostumada, comecei a ficar enjoada até que depois de um tempo eu não consegui me segurar e sai, praticamente voando, em direção a um castelo de areia.

Meu corpo todo doía, mas não acho que algo tenha se quebrado. Descobri que todas aquelas crianças não tinham coração no momento que começaram a rir de mim ao invés de me ajudar. Mas foi nesse momento que ele apareceu.

Eu nunca o tinha visto por aqui, será que era um novo aluno? Um garoto que parecia ter a minha idade, tinha um cabelo escuro como a noite, bem cortado e perfeitamente alinhado, totalmente diferente do seu estilo atual.

O garoto se posicionou em minha frente, encarou as crianças e os mandou parar. Claro que não o obedeceram, invés disso o ameaçaram e o jogaram do meu lado, o que o fez ter o joelho todo ralado.

— Parem todos vocês! — gritou uma garota que a um minuto atrás estava me humilhando assim como todos os outros. — Vocês estão loucos? Esse é o Ahmon Haru.

De repente todos se entreolharam e saíram correndo, eu fiquei sem entender nada.

— Você está bem? — perguntou Haru ajudando-me a levantar.

— Estou bem sim, apenas um pouco dolorida. Seu joelho está sangrando, não está doendo? — respondi enquanto tirava o excesso de areia do meu vestido.

— Não está, um homem tem que ser forte o suficiente para aguentar qualquer tipo de dor. Porque essas crianças são tão cruéis com você?

— Eu não sei, elas sempre foram assim comigo sem eu ter feito nada. Você é novo por aqui? Eu nunca tinha te visto.

— Eu estou estudando aqui desde o começo do ano letivo, mas normalmente prefiro ficar lá dentro com as tias do que aqui fora com as crianças.

— Agora entendi, mas porque todos fugiram quando ouviram o seu nome?

— Você nunca para de fazer perguntas? — Ele riu e me senti feliz por ser a primeira vez que vi alguém da minha idade rindo sem ser por ter me machucado. — É uma história complicada, quer ir tomar sorvete? Er… como é mesmo o seu nome?

— Meu nome é Sanako Kin. Eu adoraria tomar sorvete, mas a professora não vai deixar.

— Você ainda não me conhece, vamos logo.

 Descobri que a família do Haru era muito mais poderosa do que eu podia imaginar, por isso ninguém ousava o enfrentar. Nós viramos bons amigos, nunca imaginei que amizade pudesse ser algo tão maravilhoso, foi uma experiência muito proveitosa. A nossa amizade fez eu me tornar intocável no jardim de infância, todos começaram a me temer. O lado bom nisso tudo é que além de poder brincar onde queria e parar de ser humilhada eu havia ganhado um grande amigo com um sorriso lindo.

No fim do ano Haru teve que se mudar com a família para o exterior e eu fiquei sozinha novamente, mas dessa vez foi diferente. Meu pai comprou a rede de escolas que eu estudava e qualquer um que fizesse qualquer coisa contra mim seria expulso imediatamente.

Meu pai transformou sua rede de escolas em Keio School’s, uma rede onde só frequentariam alunos da alta sociedade, pessoas que não precisariam se passar por meus amigos para conseguir algo, pois todos já tinham de tudo. Mas isso não impediu que eu fosse nomeada a princesa da Keio School’s.

No ano passado, quando eu estava no primeiro ano do ensino médio, o Haru voltou para o Japão, agora mais lindo e ruivo. Então decidi torná-lo o meu príncipe, ele pode não ter aceitado de início, mas sei que um dia ele vai deixar a timidez de lado e confessará que me ama assim como eu o amei desde a primeira vez que o vi. Um dia ainda serei a famosa Ahmon Sunako Kin. Até lá vou ser paciente e me contentar em tê-lo apenas nos meus sonhos.