Carta de Suicídio escrita por Keyboom


Capítulo 1
Capítulo Único




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Caros amigos,

Hoje é o último dia. O dia final. A redundância final, devo dizer. Hoje abdico de minhas vontades, de minhas idéias, deste corpo e de meu ser. Hoje ponho fim à existência incômoda que é a minha. “Não é incômoda”, alguns dirão. Talvez digam “era”, dependendo do momento em que dirão. Mas por fim, estarão mentindo. A existência é incômoda, sim, ao mundo. A vocês. A mim. A vida. Não devemos ignorar a realidade.

O mundo é possuidor de regras. Arbitrárias, para nós inúteis, porém onipresentes. Nós não sabemos defini-las, então a chamamos de “bom senso”. Uma pequena observação, no entanto: bom senso não existe. O bom senso real são as regras do mundo. E nem sempre fui capaz de obedecê-las.

Eu indaguei. Eu me opus. Eu fui de frente a elas. E hoje pago por meus pecados. Porém, diferente da realidade matemática, ao tirar 1 de 1, o que temos não é 0. O que temos é um interessantíssimo dois que logo se torna um número um também. Não se sintam mal, então. Eu dar-lhe-ei um número dois em breve. Morte não significa fim; pelo contrário, significa início. Um dia, alguém me disse que caos era o início de tudo. Apliquemos esse conceito à morte também.

O início se deve à morte e o fim também. Sendo assim, obtemos a questão básica da permanência humana em terras que não lhes pertencem: por que viver? Ora. A pergunta mais simples que encontrei em minha jornada até então foi essa. Não há por que viver. E é por isso que abdico de mim e de minha vida. Não existem motivos para viver. Viver impede fim e fim impede início. A vida só interrompe um ciclo contínuo que não deveria parar nem sequer momentaneamente, porém o egoísmo natural humano nos impede de obter essa visão. E é por isso que desisto da minha vida pelo bem do mundo.

Mas como eu, o ser feito de puro ódio e escuridão poderia se importar com o mundo? Bem, para isso voltemos a um ponto essencial de minha vida. Algo importante.

Eu sou um ser odioso. Eu odeio e sou odiado, por mais óbvio que seja. Eu e a escuridão somos um só, porque os que ousam se aproximar normalmente se arrependem. Os que não se arrependem, se tornam um de nós também. Mas por ser odioso, eu vivia em constante revolta. E eu possuía meus símbolos de revolta. Mas numa de minhas revoltas, eu ultrapassei meus próprios limites. Estabeleçamos uma triste realidade: Trato-me, na realidade, de um ser humano. Assim como você, que está lendo esse desabafo desnecessário desse ser ridículo. Eu, como ser humano, cedo ao que o catolicismo arcaico chama de “carne”. É real que temos carne, realmente. Porém, nossa carne não nos força a muita coisa. A menos que considere o seu cérebro carne. Num de meus momentos revoltosos, eu decidi marcar minha revolta. Meu ódio pela vida subia em constante padrão. Não suportava viver, e não suportava o mundo. Marquei, então, em meu peito, utilizando nada mais que uma lâmina, Anarkos. Anarquia e Ordem. Justificava esse ato como a prova de que não era mais governado por este corpo. Meu espírito não pretende se manter nesse mundo, e meu corpo menos ainda.

No entanto, esqueço-me da parte mais importante: o raciocínio odioso que eu possuía dificultava o raciocínio realmente racional. O raciocínio que me mostraria os caminhos e o que devo fazer e o que não devo fazer.

Esqueço-me que há algo chamado de hemorragia. Esqueço-me que o momento da morte ainda não era aquele. A revolta não estava completa. Ainda era cedo demais. Desmaiei, delirei, e vi.

Eu vi o que esperavam que eu jamais visse. Eu vi a regra. A principal regra do mundo e a forma de convivência correta ao mundo. As palavras brilhavam. Eu reconheci meu erro, e por ter errado de forma tão vergonhosa, jamais estaria disposto a viver novamente. Mas eu precisaria de forças. Meu tempo ainda não havia chegado. Era cedo demais para isso. Coisas precisavam ser feitas, e por mim.

A regra vista por mim era simples: “Sua existência é dependente direta da forma atual do mundo. O mundo não se adapta a você. Você se adapta a ele. Ou morre”.

Eu não poderia me adaptar ao mundo. Jamais. Eu era fraco demais e cresci com o pensamento oposto em minha mente. Eu possuía o segundo destino. “Ou morre”. Ecoava em minha cabeça mesmo que eu não tivesse sequer escutado isso. Eu morreria, definitivamente. Eu precisava pagar meus pecados mais cedo ou mais tarde, independente do meu credo ou não nos meus.

Eu ouvia as boas vindas do inferno. Mas ainda não era tempo.

Não era tempo, pela segunda vez.

Não foi o tempo, pela terceira vez.

E o tempo é agora.

Essa é, meus amigos, minha carta de suicídio. E é aqui que eu abdico de tudo. Abdico de minha liberdade, abdico de meu corpo, de minha alma, de meus sentimentos, meus amores. E mais do que tudo, abdico de minha vida. O meu tempo por aqui teve seu fim.

Mas não me levem a mal. Eu prometi dar para vocês um número dois, e eu os darei, com toda certeza. Vocês merecem e tem um número dois. Mas em breve ele se tornará um. E vocês verão isto muito bem, devo dizer.

Com minha morte, eu trarei o um à vida. Eu quero dar, pelo menos uma vez, boas vindas ao número um. Quero dar boas vindas e congratulações àquele que cumpriu meu objetivo.

Porque, por mais estranho que pareça, tudo o que eu disse até então são mentiras. Lembrem-se bem: eu não acredito em regras. E o número um também não. O número um, aquele que terá vida em meu lugar, faz com que governos, sistemas e o próprio mundo trema nas bases. Ele gera medo, ele gera ódio, ele gera caos. E caos, gera inicio. Mas há algo mais, uma única coisa a mais que ele gera: Esperança. E aquele que gera esperança, é aquele que poderá salvar as mentes do ódio e do medo. Mas será aquele a criar caos. Ele é a antítese de si mesmo.

Deem boas vindas ao messias, ao assustador.

Digam boas vindas ao número um. Digam boas vindas àquele cujo nome provoca a vida e o mundo. Digam boas vindas a ele.

Revolução.


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