The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 28
Capítulo 24 - As Senhoras Ficam de Vestido Durante o Baile


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura...
No meio do capítulo tem um link no "[º º º]".

A roupa de alguma das personagens.
Dominique - http://www.polyvore.com/baile_de_mascara/set?id=173465862
Hannelore - http://www.polyvore.com/princesa/set?id=173474824



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Capítulo 24 – Durante o Baile as Senhoras Ficam de Vestido

“Só ri de uma cicatriz quem nunca foi ferido” – Trecho de ‘Romeu e Julieta’

Giacomo Fogliano – L’amor, dona, ch’io te porto

A bela vista de Overath se estendia a sua frente. Da varanda, era possível ver a cachoeira, lá onde a montanha terminava. Quando chegou ali pela primeira vez Dominique achou todo o lugar muito impressionante, para falar a verdade ela achou incrível o fato da cidade e o castelo estarem bem próximos do cume de uma montanha. O vento lá era sempre frio, porém o Sol brilhava intensamente mesmo no inverno. Overath era um reino diferente de todos os outros. Eles tinham flores brotando no inverno, Sol quente com neve geladinha, tinham pessoas sorrindo até mesmo durante a peste ou quando a única vaca morria doente. Dominique sentia-se em casa ali. Como nunca estivera realmente em nenhum lugar. Mesmo com os de Aragão e Castela. Ela nunca pertenceu de verdade à família. Os castelos que percorreu, correndo atrás de Catarina ou do que seus irmãos mandavam que fizesse, eles eram sempre chatos, vazios e frios. Ludlow foi o pior local onde já esteve e só governou lá por dois anos. Imagine Catarina quem vivia ali... Mas que tinha se Catarina morava naquele castelo? Pouco lhe importava. Pouco lhe importava o que pessoas aproveitadoras e manipuladores faziam ou deixavam de fazer. Só queria seguir sua vida, com suas escolhas. Queria se dedicar a si mesma. Como nunca fizera.

– Prenda a respiração, senhorita. – exigiu a criada. Dominique costumava fugir pela manhã, para que Maria não a encontrasse. A mulher era sua criada particular, porém Dominique nunca gostou de seu nariz grande. Diziam que os italianos eram narigudos, porém ela mesma não possuía nariz grande nenhum. Hoje, entretanto, era o dia do baile. Maria fora esperta pois, durante seu sono, trancara a porta do quarto e quando Dominique tentou escapulir deparou-se com um beco sem saída. Agora estava nas mãos de Maria. A criada apertou o corpete. – A senhorita é bem magra por natureza.

– Está me enforcando!

– Isto não é uma forca e não está em seu pescoço. – Maria revirou os olhos – Agora solte o ar.

Dominique obedeceu. Não fora tão ruim. Por sorte aquele era um período onde as moças não precisavam afinar tanto a cintura, aquele objeto ainda era raro e um pouco estranho. Mas como uma boa italiana, Dominique tinha de vestir aquilo que seu irmão mais velho lhe enviara lá de Florença. O tecido era brilhante e vívido, parecia flexível. Maria a ajudou a vesti-lo. Passara o dia inteiro com a criada, penteando os cabelos, banhando-se em óleos perfumados, massageando seus pés para a dança... Tudo que se podia imaginar.

Quando, enfim, Maria começou a enfeitar os cachos dos longos cabelos de Dominique e lhe entregou sua máscara, a menina sentiu que a tortura chegava ao fim. Poderia ser livre, assim que Maria lhe dissesse um monte de regras sobre como deveria cuidar do vestido, da máscara e dos sapatos. Ninguém precisava dizer que aquele não era o momento para escorregar pelo corrimão da escada ou se atirar nos braços das amigas. Dominique balançou a cabeça em concordância.

– Está pronta?

– Abre logo – a voz de Dominique saiu suplicante, como uma criança apertada para usar o banheiro.

– Não se deve tirar a máscara nem mesmo para comer.

– Eu sei. Abre...

– E você tem de ser uma perfeita dama, acompanhando a Princesa Hannelore.

– Sim, sim. Agora abra a...

– Mas antes – Maria a cortou, e então começou a rir – Desculpe, senhorita, eu não resisti. Você é tão adorável.

Só porquê pareço uma criança todos acham que podem se apoiar em mim para animar seu dia, acham que me contento em ser usada.

Dominique sorriu de lado.

– Pode ir. – Maria abriu a porta e a menina saiu correndo corredor afora. – O que eu disse sobre correr?

Porém era tarde demais. A pequena corria pelo corredor recheado de tapeçarias e iluminuras religiosas. Os santos observavam Dominique e sua pequena felicidade. As luzes que vinham das janelas e dos vitrais eram fracas pois o final da tarde se aproximava. Dominique estava louca para encontrar Nikolaus e escapulir por algum canto. Não estava muito animada com o baile, nunca gostara de pessoas aglomeradas, barulho e muito menos a presença de Catarina quando haviam acabado de brigar. A Rainha fora vista muito irritadiça por toda a manhã e A última coisa que queria era provocar ainda mais a Cat ou outro inglês. Todavia não se arrependia de nada que dissera. Inocência tem limite, e ela não era nem um pouco boba.

– Perdão. – pediu o senhor, quando seus ombros se chocaram nas escadas. Dominique nem notara que seus pés a levaram até lá, quase no salão do baile. O homem vestia um sobretudo negro e máscara vermelha com o formato do focinho de um leão. Ele sorriu e deixou-a passar. Um pouco sem jeito, Dominique continuou descendo as escadas como a dama que deveria ser.

Um, dois, um dois, um dois. Fora assim que aprendera na Espanha. Primeiro um pé, depois o outro, a saia sempre balançando, os cabelos para trás dos ombros, deixando o peito visível e o rosto bem a mostra. Embora apenas seus lábios e queixo aparecessem. Tinha herdado lábios grossos que poderiam ser reconhecidos por qualquer um que a conhecesse, e ela mesma tinha uma estatura anormal para as demais senhoritas do baile, cabelos longos e cacheados e ostentava a moda italiana renascentista.

Dominique avistou Edith e sua irmã. Caminhou até elas, enquanto as pessoas paravam para se cumprimentar em todo o grande salão. O lugar era chamado de Salão de Festas com respeito, os lustres ostentavam velas grossas e que queimavam vividamente, as janelas foram fechadas com cortinas azuis, fazendo com que a luz do Sol transpassasse azulada e deixasse tudo mais encantador. A música era à moda overathiana, com um violino, o alaúde, um tambor e às vezes a harpa. Havia também cantores que se alternavam com as músicas, ora religiosas, ora festivas. Dominique mal conseguia compreender as palavras deles, pois cantavam em latim e seu ouvido sempre falhara em latim, embora fosse a língua mãe do italiano, castelhano e galego, que aprendera em toda a vida.

– Onde já se viu servir a cerveja antes do vinho? – a irmã de Edith resmungava, olhando o copo que segurava. Edith vestia um lindo estilo renascentista overathiano, na cor verde, claro como o capim. Seus cabelos foram muito bem escovados e brilhavam sempre que movia a cabeça para um dos lados. Ao se aproximar de ambas, notou que cheiravam a amoras desidratadas com mel.

– Os germânicos fazem isto. – acrescentou Edith, virando-se para sorrir em direção a Dominique. – Seu vestido é lindo.

– O seu também. – Dominique devolveu o sorriso, embora não muito sincero. – Você viu um cão desse tamanho, com pelos dourados e olhos grandes?

– Um cão deste tamanho? – repetiu Edith, colocando a mão acima da própria cabeça. – Acho que nunca vi este tipo de cão. Muito menos dourado. Ele escapou de sua coleira?

– Há um dia e meio e ainda não encontrei o maldito. – Dominique bufou. – Lhe colocarei para dormir lá fora, enquanto chove.

Edith soltou uma risadinha fraca, algo que qualquer dama saberia fazer com perfeição. Ela colocava as mãos em frente a cintura, segurando-as com os dedos entrelaçados. Suas unhas fora caprichosamente lixadas e pintadas. Dominique olhou as própria unhas, roídas, os dedos em carne viva. Escondeu-a atrás das costas, enquanto o cabelo lhe roçava o punho.

– Irei procurar o cão.

– Boa sorte em sua procura.

– Obrigada.

Dominique partiu, porém teve de parar algumas milhares de vezes pois nobres e mais nobres de baixo ou elevado nascimento se moviam freneticamente pelo salão, causando o congestionamento que ela odiava. As vozes soavam altas, mesmo que ali fosse um baile para se dançar, todos preferiam caminhar e caminhar, falar e falar, e a música se esgotava. Pobres músicos. Não levavam ninguém para a dança.

– Dominique. – sentiu seu braço ser puxado para trás. Virou-se. Hannelore sorriu, a coroa equilibrada na cabeça, como uma auréola dourada sobre um campo de trigo. A moça assoprou a franga para o lado e arrumou a saia do vestido azul. – O que achou? Não é muito ousado?

– Oh, Lory, você me assustou. – Dominique olhou-a de cima a baixo. – Isso é bizarro.

Hannelore corou, cobrindo-se com os braços, de forma protetora. A princesa trajava um lindo tecido azul escuro, como a bandeira de Overath, com diversos brilhos pelo corpete e cintura. Os braços estavam nus e a máscara era muito bem enfeitada, permitindo apenas que seus olhos surgissem, sem perder o brilho. A loura mordeu os lábios.

– Ah, não é isso – Dominique se apressou a dizer. – Está muito bonito. Só imaginei que quem usaria algo assim seria a Cora. É mais o estilo dela. Você fica estranha assim.

Hannelore olhou para o próprio corpo e sorriu.

– Realmente, eu não me imaginaria vestido algo assim. Mas Genova quem me deu e achei que deveria honrá-la. Você sabe se algum Selecionado já desceu? Gostaria de dançar.

– Não os vi, embora duvide que todos estejam ainda se preparando. Todos já devem estar no salão, somente atrás de outras pessoas, impossibilitando nossa visão – Dominique ergueu as sobrancelhas – Quer que eu cace alguém?

– Caçar? Caçar algum homem?

– É. – Dominique sorriu.

– A-ah, não. – Hannelore ruborizou. – Mas se puder, fique por perto. Quero... Quero que esteja aqui para ver quando... A surpresa acontecer.

– Surpresa? – os olhos de Dominique brilharam. Dominique gostava de surpresas, todos os tipos. E para aumentar a surpresa, mãos lhe tocaram o ombro nu, causando um arrepio que subia até a nuca. Hannelore sorriu de lado e acenou em despedida, desaparecendo entre os demais convidados. Dominique só pôde se virar. A máscara escondia o rosto, era verde musgo, e os olhos estavam escuros, porém ainda havia um brilho distante neles. O que mais denunciava eram os cabelos amarelo-limão. – Cão, eu estava te procurando.

– Procurando-me? E que tipo de título é este?

– Ora, você vive correndo atrás das minhas pernas, enroscando-se nelas, pedindo atenção. Como um cãozinho. – ela brincou, empurrando seu ombro de leve. Uma bonita amizade crescera desde que ela se grudara a Nikolaus e ele aceitara aquele grude retribuindo com ainda mais. Dominique adoraria que Hannelore o escolhesse, afinal ele era o rapaz mais divertido de todos na Seleção. Hanne com certeza escolheria ele.

– Venha, eu encontrei um local secreto. – Nikolaus disse, de repente, segurando sua mão e começando a puxá-la por entre as pessoas. Por sorte Dominique era pequena e passava facilmente nos vãos e lugares mais apertados. Quando, enfim, alcançaram as portas de saída para o jardim, Nikolaus se virou e apontou para baixo. O labirinto crescia. Ele sempre chamou a atenção de Dominique, mas nunca teve coragem de explorá-lo sozinha. – Notei que de todas as nossas explorações pelo castelo, nunca viemos para o jardim. Os criados construíram um caminho de luzes para que os convidados possam se aventurar lá dentro. Vamos!

– Espere, estou usando saltos... – ela murmurou, tristonha.

Nikolaus ajoelhou-se, destrançando lentamente as fitas de couro da salto de Dominique. Quando terminou, colocou o par de sapatos caros atrás de um grande vaso branco cheio de flores de inverno. Então abriu o sobretudo e tirou de lá uma cama escura e leve que Dominique já conhecia.

– Tomei a liberdade de roubar sua capa por alguns minutos. Mas já a devolvi. – e então a prendeu em seus ombros – Vamos, enquanto os outros estão entretidos conversando. O labirinto ainda é apenas só nosso.

[º º º]

Nikolaus estivera pensando. A noite passou e ele não conseguiu dormir. Pensou e pensou, enquanto a insônia o consumia. Pensou em casa, pensou em suas irmãs, pensou também na Seleção e pensou em Dominique. Decidiu que não queria a princesa, ele queria apenas voltar para sua casa e cuidar de sua família, se possível levando Dominique como uma nova irmã menor. A dama lhe contou que era órfã e que seus irmãos enviavam uma carta por ano a ela, dizendo o quê deveria fazer para manter o sobrenome de Médici na Corte Real dos Reinos. Os italianos estavam passando por momentos melhores e retomavam o poder em Florença, porém a menina ainda se sentia como uma boneca manipulável, um mero objeto de títulos para impor respeito. Aquilo o cutucou durante a noite toda. E, mesmo que tivesse títulos inferiores aos de Dominique, notou que tudo o que ela precisava era de uma família. Ele também não tinha uma boa família para acolher a duquesa, porém sua mãe o faria de bom grado caso soubesse que ela era uma de Médici, e tinha tantos amigos de elevado nascimento.

– Meu irmão diz que um dia ainda serei Rainha. – ela sorriu – Mas eu não quero ser rainha. Eles dizem que eu tive mais sorte, que graças a minha idade eu pude me envolver com os Aragão e só por isso estou agora em Overath. E têm razão. Eu não valeria muito apenas com o meu nascimento. Duquesa de Florença. E nós nem mesmo temos poder sobre Florença...

– Seus irmãos só querem o seu melhor.

Dominique apenas sorriu um sorriso amarelo. Um dos sorrisos tristonhos que Lette e Arabella sempre lhe davam quando queriam confortá-lo. Nikolaus estava decidido a contar aquilo a menina e então poderiam debater sobre como viajar até Heidelberg. Mas, é claro, não podia simplesmente dizer aquilo a ela seriamente. Dominique não conversava sobre coisas sérias como uma pessoa séria. Era preciso ser sutil, delicado. Lentamente enfocando aquela ideia em sua mente.

– Certo. Direita ou esquerda? – perguntou, assim que passaram pela porta do labirinto. Dominique olhou para ambos os lados. Ainda estavam de mãos dadas, o que o fez suar levemente, embora aquilo já tivesse acontecido várias vezes. Eles corriam de mãos dadas. Não caminhavam. Aquilo era diferente. Era constrangedor. Por isso soltou-a com delicadeza para não parecer grosseiro.

– Esquerda. – ela decidiu. Caminharam até o final da hera, deparando-se com outra encruzilhada. – Direita – e assim Dominique foi ditando o caminho. Direita, esquerda, direita, direita, esquerda, direita, esquerda. Nikolaus tentava pensar na melhor maneira de começar o assunto, e pouco prestava atenção nas direções que tomavam, até que ela estancasse o passo e virasse-se para ele. – Acho que me perdi.

– Isto é um labirinto, estamos perdidos desde que entramos.

– Ah, menos mal. – ela deu de ombros, sentando-se no chão. – O que queria conversar?

– Como sabe que quero conversar?

Dominique sorriu, travessa.

– Eu sempre sei.

Como ele não desconfiava disso, deixou por assim. Sentou-se ao seu lado, conforme o Sol se punha e o baile se tornava mais animado. A música cresceu, as danças deveriam ter começado. Mas pouco se importavam com isto, afinal nenhum deles estava querendo dançar, e caso quisessem, poderiam fazer aquilo ali.

– Eu andei pensando, também.

– Como sabe que eu andei pensando? – Nikolaus estava acostumado com a maneira aleatória de Dominique expor os próprios pensamentos, porém ela estava muito enigmática hoje. Ficara toda a manhã e tarde trancada no quarto, provavelmente se arrumando como todas as senhoritas. E estava linda, é claro.

– Eu sempre sei. – ela repetiu, desta vez balançando os ombros. – Mas me conte primeiro o que você pensava.

– Conte você. – Nikolaus retrucou, sentindo que aquela seria uma ótima oportunidade para organizar as próprias palavras. A pequena assentiu.

– Vou falar de você para a Lory, vou contar que é divertido e não tão chato quanto pensei. – ela piscou, travessa. – Aposto que será o escolhido.

Nikolaus piscou, atônito. Ah, claro. Ele estava ali para conseguir a mão da princesa, não para criar amizade com uma duquesa de baixo nascimento que conseguira ascender na hierarquia social por seus contatos pessoais. “Não brinque com certas famílias ricas, muito menos com os italianos. Eles não possuem nobreza, não possuem sangue. Mas têm riqueza, têm a Igreja e têm amizades que você se ajoelharia para também ter”, foram palavras de seu pai. Mas caso aquilo fosse verdade, então ser amigo de uma de Médici não era bom? Papai não se importaria com aquilo, certo? Pensou mais um pouco. Mas aquela não era a questão real. A questão era que Dominique acreditava que ele queria continuar no castelo, lutando por Hannelore. Algo que nunca estivera em seus planos.

– Você não parece muito animado. – ela comentou, em voz baixa.

– Sim. Porque eu não sei se quero me casar com ela. Quer dizer, mal a conheço. – tentou não soar tão indelicado. – Acho que prefiro conhecê-la melhor.

– Claro. Hannelore adora conversar. Pode parecer que não, mas ela é bem falante. Tanto quanto eu. – a menina sorriu, um dos sorriso mais lindos que Nikolaus já vira. Não sabia ao certo dizer se estava empolgado ou não com a ideia de ser recomendado à princesa por uma de suas damas de confiança. Era como se usasse Dominique para conseguir algo. E como se lesse seus pensamentos, ela encolheu os ombros, diminuindo ainda mais. As sombras que a noite lançava escondiam seu rosto. – Não se preocupe. Quero fazer isso de verdade. Quero agradecer por tudo, por nossa amizade e por me aguentar. Eu sei que sou muito irritante, eu costumo grudar nas pessoas e não percebo quando elas estão se irritando com isto. Catarina já me disse isso, mas é incontrolável, afinal eu sinto vontade de ficar bem pertinho de algumas pessoas, como não sinto com outras.

Nikolaus enrubesceu, sentindo-se duro feito gelo. “Não pertinho deste jeito, seu idiota”, pensou consigo mesmo, enquanto deixava seus instintos de homem para trás. Era irritante o modo como os homens tinham esta tendência, por mais instintiva e incontrolável que fosse. Nikolaus conseguia se controlar muito bem para alguém com poucas experiências. Mas às vezes não era como simplesmente dizer “fique quietinho”.

– Não pense assim. Você nunca me irritou até agora. No máximo uma leve perturbação, mas nada grave – piscou, e Dominique ergueu o canto dos lábios. Delicadamente, deitou-se na grama, agora a Lua brilhava por cima das heras do labirinto. – E além disto, você é engraçada, as pessoas gostam de rir.

– Eu sou boba. – ela murmurou, com um meio-sorriso brincando no rosto. Parecia melancólica, de uma maneira sensível e insegura que Nikolaus nunca vira nela. Sempre conheceu a garota extrovertida e infantil que Dominique era. Aquela face lhe era nova. Mas não menos interessante. – Tentei mudar quando vim para cá, mas continuo boba. Continuo me deixando ser usada pelos outros, como uma peça no jogo. E me contento em servir. – ela ergueu os olhos – A minha vida toda, Niko, eu fui amiga de uma garota. Ela era minha melhor amiga. Mas não este jeito de amiga que você está pensando. Eu a seguia por todos os lados, eu perguntava sobre o que ela estava fazendo, eu iniciava nossas conversas. Eu pedia para dormir em sua casa e pedia para vestir roupas iguais a dela. Eu era seu cachorrinho adestrado, fazia o que me mandava, se jogasse a bola, eu correria atrás. Esta sempre foi a definição de amizade para mim. Minha devoção por Catarina sempre me motivou, era o que me mantinha entretida. Feliz. Sentia-me feliz quando ela estava feliz. Mas Catarina me dispensou com a primeira oportunidade. Me mandou para um castelo frio, onde não havia outras crianças. Ela fora minha única amiga por anos, e então eu estava sozinha. Foi quando eu comecei a me fechar. Comecei a chorar de noite. – ela ergueu os olhos para Nikolaus, engolindo em seco – Desculpe, não sei se é sobre isso que os amigos conversam.

– Sim, é sobre isso que eles conversam. Por favor, continue, Dom. Conte-me tudo. – ele pediu, sentindo-se como na obrigação de ouvi-la. O rosto de Dominique alternava entre confusão, medo e insegurança. Por fim, ela respirou fundo e continuou.

– Eu me perguntava que tipo de pessoa eu era. O castelão e os criados me respeitavam quando cheguei a Ludlow, mas logo passaram a me tratar como uma simples criança burra, quando notaram que eu era atrasada para minha idade. – Dominique reprimiu um soluço. – Eu percebi, é claro. Porque eu gaguejava, mas eu ainda sabia pensar. Eu podia errar contas de matemática, mas eu sei ver. – ela ergueu os olhos cheios de lágrimas – As pessoas acham que por causa de minha personalidade ou pelos meus atos eu sou uma retardada mental, mas eu não sou! Eu sei, Niko, eu sei como todos me olham, com pena, com graça. Como se eu fosse a criança que os mantém entretidos. – ela sorriu, lágrimas escorrendo pelas bochechas. – Mas... Eu não sou mais que isso. Eu sou aquela que entretém a todos, a que nunca chora, a que é irresponsável, precipitada e ingênua. É o papel que me designaram, e eu sei ser isso. Então é melhor continuar, pelo menos serei algo. Eu sempre me dei bem com todos, mas eu nunca tive amigos de verdade. Ninguém me encara com seriedade. As pessoas esperam que eu não consiga conversar sobre assuntos sérios, esperam que eu vá rir de tudo. E eu rio. Porque é o que querem que eu faça.

– Dom...

– Eu sei, eu sei. Eu deveria ter parado quando Catarina me dispensou, mas... Eu não sei viver sem me dedicar a alguém. É como se essa fosse minha natureza, seguir os outros. Ser a sombra. E eu não em importo com isto. Não mesmo – ela limpou as lágrimas e sorriu. – Você é a primeira pessoa que me suportou por mais de uma semana, Laus. E você conversa a sério comigo, o que é também diferente. Eu não sei como são as amizades normais, mas eu quero continuar assim. Ser sua amiga é incrível.

Nikolaus não pôde conter o sangue quente que subiu ao rosto. Afastou-se da luz, tentando que ela não o visse daquele modo. Mas seria impossível, pois já estava bem escuro. A música que vinha do baile mudara para algo lento, provavelmente os casais estariam rodando no meio do salão. Nikolaus respirou fundo e abriu um sorriso grande.

– Eu também não tenho muitos amigos. – confessou. – E eu também acho incrível a nossa amizade. Continuaremos assim, eu prometo.

Dominique sorriu. Ainda no escuro, era possível ver sua silhueta. Os lábios grossos e os olhos semicerrados. Os cabelos caíam sobre os ombros, como uma cortina ao redor do corpo pequeno. A cintura era fina e as pernas estavam cruzadas sobre a relva. Os dedos dos pés se agitavam. Nikolaus sentiu o sangue correr um pouco mais rápido, subindo novamente para seu rosto. Daquele ângulo, deitado no chão, era possível ver seu perfil, o queixo fino e os ombros curvados para frente, apoiando-se nos cotovelos. Só então notou que ela estava sentada sobre a capa, como se fosse uma toalha de piquenique. “Como uma dama faria”. Então a coisa mais estranha do mundo aconteceu. Quis beijá-la.

– Seremos amigos, e eu irei morar na Corte, assim nos veremos todos os dias, quando você for Rei. Posso ser a madrinha de seus filhos. – ela sorriu.

Nikolaus piscou, atônito.

– Como?

– Quando se casar com Hannelore. Eu adoro crianças. Correr com elas... Acho que são as únicas que me levam a sério. – e então ela piscou, rindo.

– Ah, é... – concordou, desviando o olhar – Claro.

– Mas o quê você queria me dizer?

Nikolaus pensou por um momento. Será que dizia a Dominique seu plano de fuga? Era melhor não arriscar. A menina estava convencida de que ele ficaria para disputar a princesa, então era melhor não desapontá-la, certo? Tantos já haviam feito sito, imagine se ele também... Não queria que Dominique se entristecesse por mais motivos semelhantes.

– Que acho que deveria fazer as pazes com sua amiga.

Dominique bufou, deixando claro que ele havia tocado no pior assunto. Nikolaus tentou encontrar boas palavras, porém não conseguiu. Assim, o silêncio continuou até que se tornasse pesado sobre eles. Pressionando-os contra o chão. Nikolaus nunca sentira aquele tipo de tensão em uma conversa com Dominique. Era tudo sempre tão leve e alegre...

– Eu também queria trazer minhas irmãs para o castelo. Sinto que as abandonei e que devem estar com saudades. – quebrou o ar.

– Ah, sim – concordou Dominique – Você fala muito delas, deve estar mesmo com saudade.

Nikolaus xingou-se mentalmente. Havia estragado tudo. Dominique olhava para o céu, as estrelas surgindo. A luz da Lua deixava seu rosto ainda mais pálido e ela ostentava um olhar distante, como se estivesse em outra dimensão. Então mudou os olhos para as estrelas. Não conseguia distinguir qualquer constelação. Todas pareciam idênticas. Com distâncias exatas. A relva em seus dedos se desprendia da terra, enquanto puxava.

Nos últimos dias com Dominique dormir se tornara mais fácil e seus pensamentos não se voltavam tanto para as irmãs e o sofrimento delas, embora isso o deixasse levemente magoado consigo mesmo, afinal era indelicado não se preocupar com elas. Era malvado. Mas era bom pensar em outras coisas, coisas mais alegres. Tinha medo de ter estragado isto, de ter deixado Dominique triste, ou mesmo irritada. Ele nunca sabia o que a menina estava pensando, por isso não podia esperar por qualquer reação.

Então Dominique encostou sua cabeça no ombro de Nikolaus, e deitou-se encolhida, cobrindo-se com a capa. De olhos fechados, poderia parecer uma criança de no máximo doze anos, dormindo. Nikolaus olhou-a de soslaio, tentando não ruborizar como queria. “Quando se casar com Hanne”. Ela estava certa de que ele iria conseguir, e estava se esforçando para ajudá-lo na competição. Mas Nikolaus não se via casando com uma princesa, se tornando rei ou qualquer outro papel importante. Ele gostava de ser um duque, de morar no campo, de ter uma cidade para chefiar. Gostava dessa vida pacífica, com filhos e uma esposa carinhosa. Uma família perfeita, ou pelo menos muito melhor que a que ele tinha agora. Se bem que Dominique fazia parte da família. Era sua primeira amiga verdadeira e Nikolaus sentia o mesmo ímpeto de proteção que vinha quando pensava em Susanne, Arabella, Lette e Quieza, suas queridas irmãs. Então Dominique deveria ser como sua irmã, certo? Adotada. Passou o braço por seus ombros e a levantou até estar com a cabeça toda em seu ombro.

Ela suspirou, aconchegando-se. Nikolaus não impediu que um fraco sorriso surgisse nos lábios. O som do baile diminuiu, talvez o rei ou alguém importante estivesse fazendo um discurso. Nikolaus não se importou com isto. Sua mente estava limpa, sem qualquer preocupação ou motivação. Apenas límpida e branda. Como não estivera em semanas. Um mês no castelo havia mudado muitas coisas para ele. Tanto o modo como via a sociedade como o modo que via as pessoas individualmente. Mudou o modo como pensava na vida e como se preocupava demais com os outros e não consigo mesmo. De repente pensar em seus próprios problemas se tornou algo rotineiro, e ele ainda achava muito egoísmo, embora fosse bom aliviar o estresse, apenas desabafando com amigos. “Amigos”, no caso Dominique.

Não queria falar nada, também. O silêncio ali estava confortável. Não aquele peso tenso que antes ponderava, como uma corda prestes a se romper. Era mais uma pena, flutuando calmamente na brisa. Queria que ela continuasse a flutuar. O cheiro de grama subiu lentamente e era possível ouvir conversas e alguns movimentos vindos das heras ao redor. O labirinto estava povoado por casais apaixonados querendo privacidade. Não seria interessante para eles encontrar dois jovens deitados na relva observando o céu com fascínio. Nikolaus refletiu sobre isso e notou o quão romântico parecia. Enrubesceu.

– Vamos sair daqui. – disse, levantando-se. Dominique assentiu, colocando a capa sobre os ombros. Juntos, começaram a andar, de mãos dadas. Nikolaus não se importou em puxá-la. Dominique estava meio sonolenta e tropeçava mesmo com os pés descalços. Algo que ele imaginou que deveria estar incomodando-a. Retirou as botinas e entregou-lhe o par. – Use-os. – pediu, e ela calçou.

Só então Nikolaus percebeu o maior problema naquele cenário: não se lembrava onde ficava a saída. Direita, esquerda, esquerda e direita? Ou direita, direita, esquerda e esquerda? Virou-se para Dominique, pensando em perguntar a ela, mas a menina estava bocejando e coçando os olhos, pálida e cambaleante. Seu cérebro não deveria estar tão desperto quanto antes. Assim, tratou de arrastá-la por mais algumas curvas. Hera, hera, relva, grama, céu, Lua e estrela. E mais um pouquinho de hera. Tudo parecia com o que acabava de ver, todas as paredes eram idênticas. Nikolaus percebeu que odiava labirintos. Eram quebra-cabeças que não conseguia resolver.

– Existe um truque, sabia? – ela disse, suavemente. Aproximou-se um passo, ficando tão próxima que Nikolaus teve de se afastar um pouco. Mas continuaram de mãos dadas. Dominique tocou a parede de hera com a outra mão e ergueu o rosto, os olhos brilhando na escuridão. – Se andarmos tocando a parede o tempo todo, um momento encontraremos a saída.

– Você já tentou isto?

– Não. Mas é melhor que andar a esmo. – e então ela passou a puxá-lo, apalpando a parede e seguindo. Viraram diversas vezes e algumas Nikolaus pensou estar voltando ao mesmo lugar, até que, de repente, saíram no mesmo ponto de onde haviam entrado. Ergueu uma sobrancelha um pouco cético, porém não deixou de dar as honras a Dominique. Ela sorria levemente, ainda coma cabeça cheia de sonhos e sono.

– Para onde você quer ir? Voltar ao baile? – ela perguntou.

Nikolaus definitivamente não queria voltar ao baile.

– Vamos até a floresta.

– Estou de vestido – ela apontou para o corpo – Um vestido bem caro.

– Então o poço.

– Eu disse que estou com um vestido enviado pelo meu irmão diretamente de Florença. É costurado a mão por mais de seis meses contínuos por uma das maiores modistas da Itália. É o meu presente de aniversário. – ela disse. O rosto sério. – O presente de dez, doze, treze, quatorze e quinze anos.

– Desculpe – Nikolaus sentiu-se mal por tê-la feito tocar no assunto delicado que era seus irmãos. Ele se achava um irmão protetor demais, mas preferia ser assim que como os irmãos de Dominique, que pouco se importavam com ela realmente. – Então podemos fazer o que todo bom duque e duquesa fazem quando estão entediados: visitar a cidade.

– Não podemos andar até lá. Você não aguentaria a pedra apenas com os pés nus. – ela insistiu.

– Então podemos ir...

– Podemos ir para o meu quarto.

Uma fúria impura e cheia de violência apoderou-se de Nikolaus, enquanto sentia o rosto se firmar numa expressão perplexa e os braços caírem ao lado do corpo, sem consciência. Encarou-a com força, a mesma força que fazia para controlar seus instintos de gritar “Sim!” e correr para o quarto. Isso era tão doentio e sujo que ele se repreendeu cinco vezes antes de finalmente abrir a boca para tentar articular uma palavra. Em vão. O rosto de Dominique era uma mistura de surpresa com curiosidade.

– Que cara é essa? – ela perguntou, então.

– Eu que digo isso! – respondeu, o rosto queimando. A voz saiu mais alta e mais grossa do que imaginava, porém não pensou muito nisto no momento. Estava a toda velocidade. – Que maldição de sugestão é essa?

– Ora, lá tem uma cama e está quentinho, aqui fora está frio.

C-Cama... – Nikolaus engasgou – Eu pensei que... Que você... Bem, eu, e você, nós dois... Dominique, que maldição de sugestão é essa?

– Você disse isso duas vezes. – ela ergueu as sobrancelhas. Ela pensou um pouco, então seu rosto se abriu numa enorme exclamação. – Saint’Dio! Você é um pervertido!

Eu? Você falou sobre quarto, quente, cama... Você que disse isso! – virou o rosto, constrangido.

– Mas eu jamais pensaria em algo assim – ela cruzou os braços – Você acha mesmo que eu iria sugerir que jogássemos xadrez no meu quarto? É claro que não. Estou falando sobre conversar.

– Xadrez? – ele piscou, atônito. – M-mas...

Dominique então desatou a rir. Ria, até lágrimas escaparem dos olhos. O rosto estava vermelho sangue vivo e ela se dobrava ao meio, segurando a barriga. Soluçou, engasgou, riu e gargalhou. Até que o riso se esgotasse. Voltou a olhá-lo, reprimindo a vontade de rir mais um pouco. Respirou fundo e disse:

– Eu adoro dizer coisas estranhas e ambíguas que as pessoas não entendem. – Ela então mudou de expressão e curvou os ombros. – Há um pouco de Lua no seu cabelo, Laus, deixe-me tirá-la. – ela ficou nas pontas dos pés e afagou os cabelos louros do rapaz. Então voltou a posição inicial e abriu um sorriso. – Todos se enganam com isto. A ingênua e doce Dominique. É uma ótima menina, de fato.

– Até há pouco tempo eu também me enganava.

– Sim. E continuaria se enganando – ela o encarou – Por que as pessoas pensam apenas o que gostariam que eu fosse e eu acabo me tornando isto. Mas você olha para mim. Para o que há aqui dentro – ela tocou no peito – E não estou falando do vestido, estou falando do coração.

Nikolaus riu.

– Você não é tão ingênua, realmente. – suspirou – Eu gostava daquele jeito meio criança. Era mais adorável.

Ela curvou os ombros.

– Talvez ainda haja vestígios da Lua ai em cima – ela sorriu, travessa. – Ou eu posso dizer que quero acariciar seus sedosos e finos fios de Lua. Ou, se for um pouco mais sincera, posso dizer que quero tocá-lo.

– E se for mais ousada, fará isto. – ergueu uma sobrancelha.

– Sim, farei.

– Então é por isso que quando está bêbada você fica tão séria. Você não usa máscaras quando está entorpecida. É você mesma.

Dominique abriu um sorriso encantador.

– Eu gosto de você por isso, meu Nikokaus. Por que você é diferente de todo mundo, e tem tantos defeitos que me sinto bem por perto. Os meus parecem insignificantes.

– Você é maldosa.

– Ou apenas tímida demais para dizer que gosto de você porque gosto de você, sem uma justificativa válida.

– Então isso significaria que você gosta de mim por eu ser eu mesmo.

– E você gosta de mim por eu não ser eu mesma – Dominique sorriu, melancólica. – Você começará a me odiar quando notar que sou egoísta, irritante e irresponsável.

– Sua sinceridade compensa. – ele piscou. – Mas é mais fácil falar com alguém que não conversa através de enigmas. – ele notou. – E você parece mais divertida sendo você mesma.

Dominique encarou-o por um longo tempo.

– Obrigada. – respondeu, desviando o olhar. Estava corada. Nikolaus sorriu. “Então ela é mesmo tímida e sarcástica”.

Nikolaus queria que aquele momento continuasse para sempre, sem terminar. Era isto que as pessoas chamavam de felicidade. Porém o rosto de Dominique se contorceu em um berro e ela virou de repente em direção ao castelo.

– A surpresa da Hanne! Eu perdi. – e com isto, tratou de correr.

Laus


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.