Interrompidos escrita por MaNa


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Então... Não sei se vou continuar. Mas POR FAVOR ME DIGAM SE FICOU BOM.



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Narrador: Jack Frost

Depois que tudo acabou vivi meses sendo um guardião, espalhando alegria e neve por onde passava. Aos fins de semana irritava o Coelhão e ia comer aqueles biscoitos duvidosos do Noel.

Até eu lembrar.

Eu não sabia. Não fazia ideia... a Fada me avisou que algumas memórias, recordadas com a ajuda dos meus dentes, podiam não ter vindo desde o primeiro contato com a magia e chegariam aos poucos. Mas eu realmente não esperava as lembranças dela. A Princesa do Gelo.

Foi em uma noite qualquer, enquanto o vento me levava em direção ao norte, tomei um susto. Como em uma parada brusca de carro, senti meu corpo caindo até o chão e me encostei a uma pedra coberta pela neve. Já estava bem próximo da casa do Noel.

Eu lembrei.

Cabelos platinados, sorriso perfeitamente branco. E neve. Muita neve.

Lembrava da minha família e de minha irmã, mas não recordava, de modo algum, que tínhamos sido empregados do castelo e que eu, Jack Frost, fora o melhor amigo da princesa Elsa de Arendelle. O único a quem ela permitia aproximação, porque brincávamos desde pequenos e eu sabia sobre os poderes que a atormentavam. Os poderes de gelo. Os poderes que agora tenho também.

Encostei a cabeça no joelho e comecei a ver tudo em minha mente, como em um filme.

(...)

— Jack, fique longe!

— Princesa, por favor, deixe de besteira!

—Você sabe que não posso... se afaste!

Estávamos no corredor e ela tentava trancar-se no quarto mais uma vez. Tínhamos 16 anos. Há algum tempo tentava me aproximar.

Quando eramos pequenos eu a vi chorando. Assisti ao momento em que acertou a irmã caçula com a magia. Eu era uma criança também, da mesma idade que a princesa mais velha.

Lembro-me que a família saiu em disparada, rumo a uma floresta que os aldeões espalhavam ser encantada. Quando voltaram, a princesinha estava bem, porém a futura rainha não. Elsa foi confinada em seu quarto.

Os dias passaram. Ninguém realmente entrava ali. Até a comida era deixada em sua porta.

Aquilo me incomodou. Profundamente.

Então, em um dia qualquer, a encontrei saindo do quarto. Não resisti: corri e a abracei. Sinceramente, não sei de onde tirei essa ideia. Se um adulto estivesse ali eu teria levado umas boas palmadas por ter falado com alguém da família real. Pior, tocado... quanto mais abraçado! Acho que crianças não tem muito discernimento do perigo. Eu só sabia que aquela menininha, da minha idade, não era abraçada há um bom tempo.

Elsa se virou e me encarou apavorada.

—Quem é você?

— Jack, muito prazer, majestade. – Me curvei como mamãe tinha ensinado e sorri. A menina ainda estava estática.

—Você está louco? Eu não gosto que toquem em mim!

—Por quê? Você precisava de um abraço. - A observei curioso.

—Sou... perigosa.

—Por quê?

— Porque sim.

—Deve existir uma razão mais lógica do que “porque sim’”. – Dei uma risada e ela se irritou.

— Não posso dizer...

—Hum, eu achei que fosse por causa dos seus poderes da neve.

A garota esbugalhou os olhos.

—Como sabe disso?

—Eu vi. Estava atrás da porta do salão quando você o congelou todo e brincou com sua irmã.

A menina fitou as mãos assustada.

—Se sabe sobre isso, sabe o que aconteceu depois. E sabe que não pode contar a ninguém. Nunca. Está me ouvindo? Nunca!

Ela segurou meus ombros com aquelas luvinhas brancas. Neve começou a surgir do nada e a cair em nossos cabelos. A princesa assustou-se e puxou as mãos de volta.

—Viu? Saia de perto de mim. Por favor...

—Isso é uma ordem?

—O quê...?

—Uma ordem.

Ela me olhou curiosa.

—Você é a princesa e devo lhe obedecer. Foi o que papai disse. Mas se não for uma ordem não vou sair daqui.

—Mas eu posso lhe machucar.

—Não acho.

—Mas... saia. É uma ordem.

Eu pensei. Pensei. E dei um meio sorriso.

—Quer saber? Nunca gostei de regras mesmo.

—Como assim? Vá embora.

—Não.

—Mas...

—Você não vai se livrar de mim princesa.

Ela ficou furiosa. Mais neve surgiu no ar. Assustada, respirou fundo em busca de controle.

—Tudo bem. Uma hora você se cansa. - Empinou o nariz e entrou no quarto.

Felizmente a previsão dela nunca se concretizou. Todos os dias eu esperava Anna sair da porta do quarto da mais velha com aquele olhar triste (as esperanças frustradas de brincar com a irmã estampadas em seu rosto), para então sentar ao lado da porta e começar a contar histórias. Dizia a Elsa como o dia estava lindo, relatava as fofocas das criadas do castelo, trazia livros e doces, deixando-os na porta antes de sair. Uma vez trouxe até flores. Queria que ela lembrasse como era o mundo lá fora.

Contava piadas.

Às vezes não sabia se ela estava de fato me ouvindo até escuta-la rindo de algo que eu disse, do meu tom de sarcasmo ou ironia sobre algum boato besta da cozinha ou quando falava sobre as aventuras das crianças na rua, das brincadeiras diárias.

Entretanto, as histórias que mais a faziam gargalhar eram as que incluíam a minha irmã. Foi em uma dessas que finalmente me respondeu: queria saber mais sobre minha família.

Conversávamos muito, mas sempre com aquela porta entre nós.

Um dia fiz uma careta engraçada e disse que ela tinha perdido de ver. Passou-se um minuto. A porta se abriu e aqueles olhos azuis assustados me observaram.

—Você quer entrar?

—Posso? Não é errado entrar no quarto de uma princesa?

—É... mas ninguém vai saber. Ninguém entra aqui.

—Quero... - Contudo, quando estava prestes a passar pela porta, ela estendeu uma mão enluvada impedindo-me de continuar.

—Mas tem duas condições. – Me fitou resoluta.

—Quais, majestade? – A observei de volta com um olhar falso de desconfiança, que segurou um sorriso no canto da boca daquela menina tão nervosa.

—Não encoste em mim. Nenhum contato. Nunca!

—Fechado. Qual a segunda?

Ela sorriu aliviada.

—Faça a tal careta, por favor.

—Seu pedido é uma ordem, Princesa do Gelo.

Muitos anos se passaram. Muitas conversas, brincadeiras e diversão. Eu era o melhor amigo de Elsa e também seu confidente. Ela sempre perguntava sobre a minha irmã e a dela e Eu vivia contando sobre as trapalhadas da princesa Anna. Às vezes Elsa se preocupava com a mais nova, às vezes ria das histórias, mas sempre tinha o olhar triste. Sempre querendo mais histórias, como se essas fossem o alimento para a vida.

De minha parte, tornei a missão de fazê-la se divertir um objetivo de vida.

Aos dezesseis anos estávamos tendo outra briga. Como sempre.

— Jack, fique longe!

—Princesa, por favor, deixe de besteira.

—Você sabe que não posso... se afaste!

— Mas você precisa de um abraço, Princesa do Gelo!

Corri arás dela no quarto, enquanto se escondia desesperada atrás da cama.

—Que obsessão por me abraçar. Não se atreva...

—Ou o quê?- Perguntei a desafiando. Os cabelos castanhos me cobrindo os olhos. Já estava na hora de corta-los.

Uma bola de neve me acertou. Fiquei atônito.

— Você...?

Ela caiu na gargalhada e a brincadeira continuou. Eu nunca a tocava de verdade. Mas sempre provocava. Naquele dia os pais delas viajariam e Elsa estava tensa. Aquela perseguição era uma tentativa de anima-la.

Sentamos juntos á grande janela do quarto, ofegantes pela corrida.

—Não quero que eles entrem naquele navio. Quero que fiquem em casa.

—Elsa, você fala como se eles não fossem voltar! Relaxe é apenas uma viagem.

—Mesmo assim. Não quero ficar sozinha.

Seus olhos focaram o nada e eu suspirei.

—Você não está. Eu nunca vou lhe deixar sozinha. - Sorri enquanto admirava as orbitais azuis como gelo.

—Obrigada, Jack.

Meses depois a notícia da morte dos governantes de Arendelle chegou. Elsa se descontrolou.

Observei Anna se afastando do quarto da irmã, após mais uma tentativa frustrada de tira-la de lá. Assim que a perdi de vista cheguei perto da porta.

—Elsa, abra isso, agora! Já chega. Você está ai há semanas e não me deixa entrar.

Silêncio.

—Elsa, eu vou arrombar essa porta.

—Saia daqui, Jack! Deixe-me em paz.

A voz tinha um tom desesperado.

—Elsa... por favor...

—Você vai se machucar.

Respirei fundo.

—É uma escolha minha. Quero correr o risco.

Cinco minutos se passaram, uma eternidade, até ela abrir a porta. O que vi em seguida me deixou chocado: o quarto estava completamente congelado, desde a cama até o lustre no teto.

Entrei e Elsa fechou a porta. Antes que pudesse comentar qualquer coisa, formular uma frase coerente, a senti me abraçando, caindo nos meus braços e chorando convulsivamente. Mais gelo e neve começaram a cobrir as paredes. Fiquei com muito frio. Senti minhas articulações e nariz gelados, mas ignorei a sensação. Ela se deu conta de seu descontrole e tentou sair do abraço. Porém não permiti, a apertando ainda mais. Envolvendo, ninando...

—Chore.- Sussurrei e foi o que ela fez.

Sentei no chão encostado a porta e ela se agarrou ao meu peito escondendo o rosto em meu pescoço.

—Estou sozinha, Jack, sozinha. - Soluçava.

—Eu estou aqui, Elsa. Você nunca estará sozinha. Está me entendendo? Nunca.

Ela levantou a cabeça, fitou intensamente meus olhos e, em um impulso desesperado, me beijou. O primeiro beijo dela. O meu primeiro beijo. O nosso primeiro beijo. Lábios macios, gelados e molhados de lágrimas. O primeiro beijo de muitos outros dali para frente.

Demorou um bom tempo até Elsa “voltar ao normal”. Ela chorava todos os dias e me fazia prometer que jamais a deixaria sozinha. Eu prometia. Não sabia bem como isso iria funcionar,  ela era uma princesa, que seria rainha, e eu apenas um criado brincalhão. Contudo, ficaria ao seu lado enquanto desejasse. Nunca a abandonaria.

Elsa ainda tinha medo de me tocar, porém, se atrevia. Eu confiava tanto nela que, acho, a fazia esquecer que se sentia perigosa. Esquecer o medo. Isso poderia ter mudado o convívio dela com o mundo, mas a garota continuava a se sabotar. Tinha pavor de interagir com às pessoas, de estar no mesmo ambiente que elas.

Um dia, consegui uma pausa dos meus afazeres no castelo e resolvi sair para brincar com a minha irmã. Já tinha uns dezessete anos.

—Elsa, vou tirar o dia de folga.

—Vai passear com sua irmã?- Ela sorriu ajeitando os cabelos na penteadeira.

— Sim, a pirralha está louca para brincar no gelo.

Elsa me encarou pelo espelho.

—Tome cuidado, está bem?

—Eu sempre tomo, Princesa do Gelo.

A abracei por trás e depositei um beijinho em seu pescoço.

—Falo sério, Jack.- Ela se virou.- Não faça muitas estripulias, você é um brincalhão inconsequente!

—Eu?? Desde quando? Dê-me um exemplo. – Sorri debochado.

—Você é meu namorado.

—Esse é um bom exemplo. - Sorrimos- Gerda me mataria se soubesse. – Gerda era a governanta do castelo e praticamente criara as princesas.

—Se não morrer antes congelado por mim.

Fechei a cara.

—Elsa, pare com isso.

—Está bem... Mms me prometa que vai se comportar. Vai ser responsável.

—Você é certinha demais!

—Prometa!

—Está bem, está bem. - Suspirei- Eu prometo, majestade.

E a beijei.

(...)

Se ela soubesse que ao ser responsável tive meus dias como humano terminados... talvez não tivesse me pedido isso.

Se eu soubesse que aquele era nosso último beijo eu a teria beijado de novo. E de novo. E de novo. Até não poder esquecer como era beija-la. Até ser impossível que as lembranças me escapassem, como o fizeram mais tarde.

Mas não sabíamos.

Salvei minha irmã e afundei na água gelada. Naquela noite eu deixei de ser Jack para se tornar Jack Frost. Sob a lua branca esqueci tudo: Elsa de Arendelle, minha promessa de nunca deixa-la, de nossas infâncias e adolescências juntas. Esqueci-me do beijo gelado e maravilhoso daquela que viria se tornar a Rainha do Gelo.

Agora, séculos depois, não me resta mais nada além de chorar encostado a uma pedra, recebendo de volta todas as lembranças que a transformação tirou de mim. Memórias fortes. E a pior delas era a do último beijo. Essa se repetia viciosamente em minha cabeça: Elsa sussurrando em meu ouvido para ter cuidado, me pedindo para voltar, minha promessa de sempre retornar não importando o que houvesse. Uma promessa quebrada.

Já não importa. É tarde demais.


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Notas finais do capítulo

E aí?