Premonição - O Início escrita por Victor Crype


Capítulo 3
Capítulo 3 - Overboard




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− Eu não disse... – a voz de Murilo morreu.

Paloma estranhou e perguntou:

− O que você disse?

Murilo pareceu engasgar com as próprias palavras. Sua cabeça latejava com o estranhamento da situação. Ele acabara de presenciar sua morte ou fora uma alucinação?

Paloma e Maria Júlia estancaram ao ver o rosto do garoto. Ele havia ficado pálido no meio da frase e agora parecia estar tendo um ataque ou coisa parecida. Uma lágrima escorreu pelo olho esquerdo do garoto. Ele se segurou na grade de metal, que começou a vibrar com a tremedeira que tomou o garoto.

− Murilo você está bem? – Maria Júlia segurou o rosto do amigo tentando deixa-lo focado e consciente.

O piloto do avião preto abriu a porta do helicóptero preto e começou a ajeitar as pessoas dentro dele.

− Q-Quer morrer garoto? – Murilo gemeu.

− O que... – Paloma começou, mas foi interrompida quando Renan escorregou e o piloto repetiu o que Murilo dissera.

− Criança chorando o bolão de helicóptero estoura no ar.

Maria abriu a boca para falar, mas a criança da outra fila começou a chorar, as meninas viram impotentes o garoto soltar o balãozinho e este estourar no ar. Murilo arcou para frente e chorou:

− Andando no ar... Andando no Ar.

Paloma e Maria ergueram a cabeça olhando para as caixas de som que começaram a tocar Walking on Air. Paloma pegou o garoto pelos ombros e inquiriu assustada:

− Murilo para com isso! Você está assustando...

Murilo se virou a tempo de ver o motorista do helicóptero abrir a porta pronto para embarcar. O helicóptero que desencadearia o acidente. Quando o garoto berrou, Paloma e Maria Júlia quase caíram para trás:

− NÃO LIGUE ESSE HELICÓPTERO! POR FAVOR, NÃO LIGUE!

O Piloto olhou assustado para o garoto e ficou preso ao chão. Maria Júlia tentou acalmar o amigo, mas ele estava fora de si:

− VAI ACONTECER UM ACIDENTE, NÓS VAMOS TODOS MORRER! EU VI OS HELICÓPTEROS CAINDO!

Paloma e Maria seguraram Murilo por cada braço e começaram a tirá-lo da fila. Sâmea, Tainy e Ana Clara vieram em seguida. Murilo olhou suplicante para as amigas e pediu:

− Temos que sair daqui, por favor.

Paloma estava assustada, mas concordou. Maria Júlia se virou para os outros:

− Eu acredito nele.

Então sem enrolar mais os garotos começaram a se retirar. Nilton, Erick e Brenda vieram logo em seguida. Nos helicópteros Leandro e Evandro abriram as portas num rompante se retirando dali depressa. Eles formaram um bolo difuso atravessando o gramado ralo entre as barracas. Murilo ia à frente sendo seguido por uma procissão de pessoas confusas.

Murilo olhou para trás quando passava na catraca, no alto o helicóptero preto zunia, e no chão Murilo viu os pré-adolescentes tentando acender o fogo de artifício. Tomado de um medo irracional ele grunhiu:

− Depressa!

Todos só pararam, quando por insistência do Murilo, chegaram ao outro lado da ampla estrada. Murilo caiu sentado no chão, mas Evandro o levantou pelos ombros:

− O que você pensa que está fazendo? Ficou maluco? – Evandro parecia mais apavorado do que com raiva.

Foi então que a brisa varreu os garotos, seguiu em direção à pista e consequentemente em direção ao festival. Murilo correu os olhos por todos e perguntou instintivamente:

− Cadê o Renan?

Todos piscaram então olharam para o helicóptero negro. Um assovio longínquo encheu o ar e então um fogo de artifício atingiu a hélice do helicóptero. Este por sua vez girou no ar atingindo o outro e ambos caíram. Uma explosão encheu o ar e fogos de artifício começaram a atravessar o festival tocando fogo nas barracas. Em instantes o caos se instalou. O fogo se espalhou rapidamente.

Uma hora depois chegaram às ambulâncias e os caminhões de bombeiro e mesmo assim Murilo não podia acreditar.

*

1 mês depois

Murilo encostou a cabeça no volante do carro. Virou-se encarando o rádio. Ele sentia um medo inexplicável do mesmo. Tudo o lembrava do dia do acidente, mas nada era como os rádios. Ele se lembrava de como as músicas aquele dia pareciam avisar do que ia acontecer. Seus dedos tremiam enquanto encostava no botão de execução. Ele estava há um mês sem ouvir músicas, o que para alguém que amava música como ele, era um absurdo.

Ele apertou o botão e imediatamente gritou. Firework tocou alegremente pelo rádio. Ele socou o rádio e fez uma cara como quem dissesse “Qual seu problema?”. Aquela sensação... De que estava sendo perseguido, o estava deixando louco. Com um rompante abriu a porta do carro.

Estava a apenas alguns metros do lugar que estacionara no dia do acidente. Ironicamente as pessoas estavam usando o estacionamento do festival, que mesmo após um mês ainda continuava ali. Na verdade, os escombros do festival ainda estavam todos ali. O dono do festival e de todas aquelas coisas havia morrido no dia do acidente, então sem herdeiros para retomar posse das coisas, elas ficaram abandonadas. Como o terreno à beira da estrada não a pertencia ninguém, os escombros sinistros estavam lá.

Murilo se virou e deu de topo com Maria Júlia, essa por sua vez lhe abraçou apertado e sussurrou:

− Obrigado.

Atrás dela Paloma, Sâmea, Tainy e Ana o encaravam assustadas. Paloma quebrou o gelo e também abraçou o garoto. Todos haviam evitado se falar por todo aquele mês, ou melhor, Murilo os evitara. Uma leve brisa varreu o campo novamente fazendo Murilo se sentir nervoso.

− Como você...? – Sâmea começou incrédula.

− Não sei Sâmea – Murilo falou como se desculpasse pelo acidente – simplesmente as imagens surgiram em minha mente. Eu só senti um medo indescritível naquela hora...

Paloma interrompeu antes que alguém perguntasse mais alguma coisa:

− Isso não importa mais. Estamos vivos. Temos essa homenagem em memorial para irmos. Infelizmente o Renan morreu. Temos que viver nossas vidas, tivemos uma segunda chance e temos q aproveitar!

Ana concordou:

− Verdade, não importa se o Murilo viu ou não. Acredito que devia ser assim desde o começo, devíamos ter nos salvado e pronto. Temos agora que dar uma força pra família do Renan.

Sem qualquer comentário a mais, Murilo foi abraçado por Paloma e Maria Júlia e eles seguiram para o grande memorial. Eles pararam em frente ao mural por alguns instantes. O céu nublado pareceu dar trégua por alguns instantes, lançando uma nesga de luz sobre os garotos. Se Murilo não estivesse sentindo tanto medo, talvez pudesse até dizer que tudo ia ficar bem.

Ele se chocou com Evandro. Os garotos se entreolharam e Evandro demonstrou um olhar de pena. Ele apenas comentou:

− Espero que isso acabe logo.

Murilo sentiu um arrepio ao mesmo tempo em que localizava o nome de Renan no memorial.

*

Evandro dirigia seu carro pela estrada de terra ainda pensando no memorial. Ao seu lado Leandro jogava Flappy Bird no celular, entediado. Evandro deu sinal para virar a direita entrando mais fundo nas estradas que o levariam ao vilarejo próximo que ficava no meio do nada. Leandro e ele haviam resolvido ir para a sossegada casa da família que ficava afastada da cidade, num vilarejo pequeno e sossegado. Seria como deixar de existir por uma tarde.

Eles ainda estavam com as roupas que usaram para ir ao memorial, mas logo poderiam se trocar com as malas que havia posto no vão entre os bancos e o teto na parte traseira do veículo. Tivera que por suas coisas lá, porque os bancos traseiros estavam ocupados com as boias de piscina e com um saco de carvão para a churrasqueira, que estava no porta-malas.

Leandro olhou para a traseira do carro nesse instante e perguntou:

− Como você está enxergando o que está atrás de você com essas malas bloqueando a visão?

Evandro riu:

− Quem disse que estou enxergando?

O carro parou a beira de um grande rio. A balsa estava atracada e o homem que a controlava fez sinal para Evandro esperar alguns instantes enquanto ele abria a porta que também servia de passagem para o carro. Leandro leu em voz alta a grande placa:

− Atenção! Veículos com mais de dois metros de altura devem ficar nas vagas do fundo da embarcação. Cabo de aço baixo.

Evandro encarou Leandro como se o mandasse silenciar, então voltou sua atenção para a balsa. Ela possuía quatro vagas para carros e veículos um pouco maiores e não era muito grande. Sobre ela estava o grande cabo de aço que cortava o rio como uma tirolesa. Evandro riu:

− Esse cabo é grosso jamais partiria.

Leandro questionou:

− O cabo não estouraria, mas e os motores onde ele está preso?

Evandro olhou para a casinha velha de madeira onde um motor barulhento esperava a partida e pareceu reconsiderar. O som de motor encheu o ar atrás do carro, indicando que outro veículo parara ali. Evandro olhou para o espelho retrovisor, mas este escureceu repentinamente e pareceu embaçar. Evandro apenas podia ver de relance os faróis do que parecia ser um caminhão.

O rádio até então desligado começou a emitir um chiado e um rangido como se estivesse com interferência, então quando parou Evandro e Leandro puderam ouvir o som de uma música:

Coloque-me para cima

Eu não consigo nadar sozinho

É demais

Parece que eu estou me afogando

Evandro sentiu um arrepio na espinha ao olhar para a correnteza do extenso rio. Sem hesitar o garoto desligou o som:

− Odeio Justin Bieber.

Leandro pareceu assustado, mas não teve tempo de falar, pois o controlador do barco fez sinal para que Evandro embarcasse. O garoto acelerou subindo sobre a rampa e entrando na balsa pegando a primeira vaga a sua esquerda. A correnteza se chocava contra o casco da balsa ruidosamente.

O controlador fez sinal para o caminhão, e então o telefone tocou dentro da casinha. Ele correu atendê-lo deixando o caminhoneiro embarcar por conta própria. O caminhão embarcou parando na vaga da frente à direita, logo ao lado do carro de Evandro. Os garotos viram o logo da empresa dona do caminhão: Não tem jeito, não há como escapar da morte e do novo sabor de Doritos.

− Esse caminhão devia estar aí? – Leandro bulbuciou.

Nesse momento o controlador, dentro da casinha colocou uma prancheta sobre o motor, ainda ao telefone, por isso não percebeu que pressionara sem querer o botão de partida de emergência. A balsa começou seu trajeto pelo rio sem o controlador.

A balsa iniciou sua travessia sem muitos problemas até chegar quase ao meio do rio. A balsa começou a virar levemente no próprio eixo para ficar paralela à margem oposta. O cabo de aço passou sobre uma parte da amurada e sobre um pedaço da cabine do caminhão, mas não conseguia passar da carga.

O cabo de aço começou a ficar anguloso conforme pressionava a lateral do caminhão e fez o caminhão ser pressionado contra as rodas do lado oposto. Conforme a balsa seguiu caminho o caminhão começou a fazer pressão sobre a balsa inclinando a parte da frente para baixo. A água levada pela correnteza não tardou a passar pela boia lateral esquerda e entrar na balsa pelo lado esquerdo, o lado da corrente da água.

Quando Evandro percebeu, a água já tocava o pneu dianteiro e traseiro esquerdo. Ele viu a leve inclinação da balsa em direção ao rio.

− Droga! – xingou Evandro.

Nesse instante, não conseguindo mais esticar, o cabo de aço começou a exercer uma força sobre o caminhão que o jogava contra o chão da balsa, fazendo a água entrar perigosamente rápido. A balsa se inclinou cerca de quinze graus.

− A balsa está virando – Leandro percebeu desesperado.

Evandro e Leandro se lançaram contra as portas ao mesmo tempo e os pinos desceram travando as mesmas. Evandro começou a arranhar o pino com força tentando puxá-lo. O caminhão impulsionado pelo cabo de aço fez menção de virar sobre o carro dos garotos, mas apenas acabou deslizando, prensando o carro deles contra amurada da balsa, isso a fez afundar vinte graus.

Com o solavanco do caminhão e com a repentina liberdade o cabo vibrou e a roldana que segurava o cabo estourou. A balsa começou a deslizar rio abaixo, para o fundo do rio.

Evandro puxou o pino amargurado, era tarde demais, pois as duas portas estavam presas, de um lado pela amurada já alagada e do outro pelo pesado caminhão que fazia o carro escorregar cada vez mais em direção a água.

A amurada que prendia o carro estourou e finalmente o carro caiu no rio. A água começou a invadir o carro pelas frestas molhando os pés dos garotos. Como estava pesado, o carro começou a descer rapidamente para o fundo do rio. O caminhão começou a escorregar em direção ao rio também. Evandro apenas o vislumbrou na beira da balsa quando o carro finalmente submergiu.

Leandro apertava o fecho do cinto de segurança vigorosamente, mas esse não abria. Evandro socava o vidro do motorista, mas apenas pequenas rachaduras surgiram no vidro de cima para baixo. Evandro ouviu o som do caminhão atingindo as águas do rio.

O carro tocou o fundo do rio e em seguida o pesado caminhão carregado pousou sobre o teto do carro afundando-o para dentro alguns centímetros. Água já estava na cintura de Evandro. Num ato desesperado Evandro socou as rachaduras do vidro. O vidro se quebrou, a água entrou com pressão enfraquecendo a estrutura do carro e o caminhão desceu esmagando o carro.


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