— CEBOLA, ME DIZ, onde você aprendeu a tocar piano tão bem?

Ele ri.

— Antes de vir para cá, eu também fiz aula de piano. Tinha um na sala da minha casa.

— Hum... Que menino prendado! Piano na sala!- Eu brinco.

— Você também tem.- Ele dá de ombros.

— Isso é outra história.- Eu viro o rosto.- Mas, espere,- eu digo após um longa pausa.- você estudou a onde, antes daqui? E quando você entrou aqui?

— No ensino fundamental II, no sexto ano. Por que?

— Não, não, por nada. Só curiosidade mesmo. É que, sei lá, eu sempre penso que as pessoas ué estão aqui, sempre foram daqui, nunca estudaram em nenhum colégio antes e tal.

— É, eu realmente nunca estudei em nenhum colégio antes.

— Sério e como...

Ele olhou para mim e arregalou os olhos como se dissesse algo óbvio.

— Você estudou com professores particulares?

Ele fez que sim com a cabeça. Depois mudei rapidamente de assunto.

Mostrei para ele a última música que eu tinha começado a compor no meu caderninho.

— Nossa, Mônica, é muito boa.

— Boa? Sério? Esta é uma parte. Não estou consegui terminar.

— O.k., canta para mim.

— Aqui? Agora?

— Não deixa para depois...agora, claro!

— Tá, tá! Mas qual...

— Mônica, vai. Não enrola. Só sente ela.

Eu assenti.

Fiz meu virtuoso ritual. Respirei fundo.

— Isso, agora feche os olhos.

— Fechar meus olhos?...

— Isso.

Respirei fundo novamente.

— Mas por que eu...- Falei abrindo.

— Feche-os!

— Tá, o.k., já fechei.

— Pode começar.

—"Não sei se um dia eu vou voltar

Esse lugar onde estou

As luzes só vivem a piscar

A vida passa e você não notou

Quem disse que um dia vive

É quem não esperou o amanhecer

Aqui estamos

Sem medo de ser feliz

Á procura do nosso caminho

Para onde aponta a nossa luz

Nada vai nos parar

Nada vai nos parar"

Abri os olhos com exímia.

O Cebola estava boquiaberto.

— Nossa, Mônica isso foi...

— Incrível! Parabéns.- Fala o Dc, e nós levamos um susto.

— Dc?- Pergunta o Cebola - A quanto tempo você está aí?

— Desde quanto tempo é depois do tempo antes.

Acho que faço uma enorme cara de dúvida que o Cebola sussurra:

— Ele é o Dc, lembra?

— Enfim,- Ele continua- Tempo suficiente para saber o que eu tinha que saber. E admirar sua voz. A Música é bela.

— Ele está sendo Do Contra.- Eu sussurro de volta para o Cebola.

Ele não me responde.

— Saber o que? E eu não concordo.- Diz o Cebola.

— Você está dizendo...que a Monica não tem um voz bonita?- O Dc rebate.

— Não...eu...-Ele gagueja olhando para mim.

— Há!- O Dc grita.

Faço uma cara de dúvida olhando para os dois.

O olhar deles é penetrante. Raivoso e furioso, eu diria. Se duvidar está saindo faíscas.

— O que vocês...?

Eles vão se aproximando efemeramente.

— Gente...

— Crianças, o papo de vocês está ótimo, mas agora eu tenho que dar aula.- A Alice fala segundo das sombras, tirando-os do transe.

— Alice! O que você está fazendo aqui?!- Exclamo.

— Hello*?! Eu dou aula aqui. Os intrusos são vocês.- Ela diz rindo.- Meus queridos eu gosto muito de vocês, no entanto agora eu vou pedir encarecidamente que vocês dêem o fora. Bora, xispa!

Nós rimos e saímos fora dali.

Quando me dou conta, o Dc no está ao meu lado.

— Para onde o Dc foi?

— Não sei. Não vi. Mas foi estranho como surgiu, agora como sumiu. Aliás de repente, todo mundo surgiu do nada. Pensei: " Agora, ferrou, daqui a pouco aparece a Denise para postar alguma coisa em seu blog e estamos ferrados!".- Cebola diz fazendo-me rir.

— Seu sorriso é lindo.- Ele solta.- Aliás naquela hora, não quis dizer que você não canta bem eu...

— Tudo bem, eu entendo.

Ele assente.

— Cebola! Você me enrolou, e não me contou sobre o que você tinha falado sobre "obrigação". Bom,- Falei com sinceridade- se não quiser me contar, não terá problema. Eu entendo quando estou indo muito fundo em alguém. Não, essa frase ficou muito mal formulada...

— Não tem problema. Vamos para o banco?

O banco... De repente é o nosso banco. As nossas coisas. Nós.

Não sei muito bem o que pensar disso tudo. As meninas me obrigaram a dizer que estou apaixonada por ele, porque elas me obrigaram com aquele jeito delas indescritível de ser.

Quer dizer, eu estou mesmo apaixonada?

Eu não sei o que fazer. Nunca senti isso antes... É paixão? Amor? Não sei o direito o que é isso. São tantas coisas acontecendo na minha vida... E tão de repente. Não sei o que pensar de tantas coisas.

Mas de duas coisas eu sei.

A primeira é que eu conheço um amor. As das minha amigas. Elas são únicas e quando falei que eu gostava muito delas, elas disseram que isso é amor. E naquela hora eu nós falamos que nos amamos como amigas. Eu conheço o amor da amizade.

A segunda é que eu...bem, eu... o que eu sinto pelo Cebola é algo diferente. Não é como amizade. Aí, vem minha insegurança eu não sei bem o que é... Só que não é amizade.

Eu estou mesmo apaixonada pelo Cebola? E seu eu estiver será que ele corresponderia? Não, aposto que ele me vê como amiga. Ele fala o tempo inteiro que eu sou amiga dele. E é isso que eu sou dele e tenho que me contentar com isso. É isso. Não devo pensar nisso. Somos amigas e eu não quero estragar essa amizade fraternal nossa. Afinal, não fazemos coisas de amigos? Somos unidos pela nossa amizade. E isso é algo que não quero estragar. Esse único laço que tenho com o Cebola. Que aliás demorou bastante para ser conquistado. Ele, um esnobe idiota e eu uma calada bem tímida. As coisas estão mudando. Não sou mais calada nem tão tímida. Parece que agora estou ficando, como o Cebola disse, temperamental. Nem sabia que isso podia acontecer comigo. Descobri que eu não tenho uma paciência longa, não sou que nem a minha amiga Magali. Amiga. Isso tenho que pensar assim do Cebola. Somos amigos. Amigos. E é isso e não vai mudar, porque eu acho que estou sentindo algo a mais. Somos isso e pronto. Amigos.

Olho para o Cebola ele está esperando uma resposta. Eu assinto e nós vamos andando.