X escrita por Tyrell


Capítulo 2
002 — Vislumbre




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Para Elise Wagner, passar seis anos enclausurada em uma cela escura era perfeitamente suportável. Em todos os seus vinte e dois anos de vida, ela havia sofrido coisas quinze vezes piores do que ficar sozinha com seus próprios pensamentos tempestuosos que ela mesma fazia força para evitar se concentrar neles. Porém, o que incomodava Elise eram seus sonhos e suas visões do passado, que a afetavam em qualquer momento dito como "aceitável". Durante seis anos, ela sabia que seus companheiros de cela não aguentavam mais ouvi-la gritando todas as noites em alemão, palavras desesperadas como "socorro", "me tire daqui", "pare". Elise sabia que, se não fosse pelas paredes que impediam a utilização de seus poderes, ela provavelmente já teria sido morta há muito tempo.

Jazz não era um problema; ele era perfeitamente tolerante até. Sendo seu irmão gêmeo, Jasper não se incomodava com os gritos. Ou melhor dizendo, nada em Elise o tirava da linha. Embora a razão pela qual ele não tocara no assunto fosse o fato de que sabia sobre o sofrimento de sua irmã, Elise tinha quase certeza que ele permaneceria incorruptível se não tivesse conhecimento daquilo. Essa era uma das coisas que a mulher mais amava em seu irmão: o silêncio, e o fato dele deixá-la sozinha em seu canto quando necessário.

Yoongi era um problema, mas um problema relativamente resolúvel. O coreano era uma porta humana (ou mutante, caso prefira esta denominação), no sentido literal da palavra. Sempre com uma expressão impassível, desconfiado, frio e particularmente impaciente quando se tratava da alemã. Elise já havia perdido as contas de quantas vezes tinha tido vontade de obliterá-lo dessa existência e não escondia esse desejo, tornando assim sua relação com o asiático difícil. Jasper costumava dizer que a primeira coisa que ambos fariam quando — e se — saíssem daquele inferno seria matar um ao outro.

Dagna também não era um problema em si, visto que ambas simpatizavam uma com a outra e ela não seria um incômodo propriamente dito. No entanto, seus olhares e sorrisos fúnebres, além de sua aura que exalava sociopatia, faziam com que o clima pesado da cela apenas piorasse. Quando haviam desentendimentos, a norueguesa sempre permanecia em seu canto, observando as circunstâncias que ocorriam a sua volta com um olhar totalmente desinteressado. Ela era idêntica à Elise nesse quesito, ao menos quando esta última não estava perdendo a paciência.

Henry, o último membro do quinteto, era no máximo um inconveniente. Ele se irritava facilmente com os gritos e parecia estar prestes a entrar em combustão todas as manhãs, quando Elise conseguia adormecer. No entanto, ele era, em geral, amigável em comparação com os outros. Sempre tentando puxar assunto com quem quer que seja e tratando todos como velhos amigos, ele era o mais humano do grupo. Enquanto havia um Yoongi apático, uma Dagna assustadora, um Jasper sonolento e uma Elise psicopática, Henry era o único que agia como se nada de ruim houvesse acontecido em sua vida. Algo que Elise desconfiava que era um engano.

Naquela noite em questão, o vislumbre havia sido pior do que o esperado, o que deixou Elise encucada com a situação. Ela se lembrava com clareza de cada detalhe do pesadelo, sem exceções. Começara de maneira boa e calma, apenas para alterar-se para um cenário horrendo.

Elise acordava no quintal de uma casa de madeira e concreto, perto de uma floresta intrigante. A casa em questão deveria ter 90 m², com um pé direito baixo e paredes pintadas de marrom escuro, além de ter dois andares. Era uma casa muitíssimo familiar, porém a alemã não tinha certeza de onde reconhecia aquele lugar. Andando pelo terreno e observando o cenário, a mulher chega à entrada da casa e estranha ao notar que a porta estava escancarada. Curiosa, a alemã a abre e vê a casa vazia, cercada por teias de aranha e derivados, além de que a luz é fraca demais para que ela veja as coisas com clareza. Então, do nada, Elise ouve risos vindos do andar de cima e se assusta por um milissegundo, até se lembrar que tudo aquilo era apenas uma maneira que seu inconsciente encontrava de contatá-la.

Portanto, ela começou a subir as escadas com uma espécie de angústia reprimida. O que era estranho, visto que Elise nunca fora o tipo de pessoa que tinha medo das coisas. A cada passo que dava e ouvia o ranger da escada, a alemã juntava cada vez mais coragem para subir. Ao chegar no segundo andar, ela viu uma luz vinda da porta de um dos três quartos do local, o que atiçou sua curiosidade e destruiu o medo que havia dentro de si. No entanto, antes de encarar o que estava por trás da luz do quarto, ela ouve um baixo e lento sussurro:

Das ist deine schuld, Lisbeth Zsigmond Wagner.

E então Elise acordou com o próprio grito, suando frio e ainda encarcerada no cubículo que era a cela do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Gemendo e se afastando da cama até a colocar as costas na parede, a alemã começou a analisar o lugar com um olhar cheio de confusão e medo. Ela notou a presença de alguém acordado e se acalmou ao se lembrar de onde está, logo depois relaxando os músculos e encarando Yoongi com um olhar frio, idêntico ao que ele lança à ela. No entanto, eles não trocam nenhuma palavra no frio da madrugada até o sol nascer resplandescente no horizonte, ambos sem um pingo de cansaço os impedindo de continuar a observar a parede que delimitava o lugar.

Kenai havia se acostumado com o cotidiano de um encarcerado no MIT, para sua própria infelicidade. "Pelo menos a comida daqui é boa" Ele dizia a si mesmo, todas as manhãs, quando acordava ao lado de Ninally Valdez, Mariana Laurier, Daniel White e Annabelle Raggedy. Seus parceiros de cela eram estranhos e continuavam sendo estranhos diante da visão de Kenai, principalmente Annabelle (ou Boneca Demônio, como Kenai costumava chamá-la). Irritadiço, o homem se levantara da cama sem cumprimentar os outros e já saía correndo para o refeitório assim que as portas de titânio eram abertas, às cinco e meia da manhã. Após isso, ele fazia seus exames regulares e voltava para a cela por vontade própria, passando o dia inteiro dormindo.

Ele não era como os outros, que aproveitavam o máximo possível das doze horas de recriação para usarem seus poderes. Kenai estranhamente sempre acordava cansado desde que chegara àquele local, sem vontade de fazer nada. Pensara, inicialmente, que aquilo fosse consequência dos testes que faziam em si todos os dias, porém ninguém de sua cela aparentou demonstrar tal característica bizarra de mudança de comportamento. Então, Kenai começou a desconfiar de tudo mais ainda.

Naquela tarde, ele notou a presença dos "Estranhos da Cela Doze", um quinteto de pessoas como ele que raramente participava das refeições no horário correto. Outra anomalia. Kenai estava começando a entrar aquilo ainda mais, portanto se aproximou da mesa do refeitório com um olhar de poucos amigos. Nenhum dos mutantes se dignou a olhá-lo, todos permanecendo a observar seus próprios alimentos como que ele não existisse. O homem pigarreou e a garota loira do grupo o olhou com um olhar aterrorizante, e Kenai jurou ter visto o rapaz das tatuagens desgastadas sorrir pelo canto da boca. Segurando com força a bandeja e olhando fixamente para a loira, Kenai falou, juntando toda a educação que tinha:

— Posso me sentar com vocês? — A pergunta saiu arrastada e baixa pelos lábios dele, porém fora ouvida claramente pelo grupo. Os cinco o olharam quase de imediato, fitando-o como se praticamente pudessem ver a alma dele. — Por favor?

— Quem é você? — O rapaz louro das tatuagens perguntou e Kenai sentiu que ele estava fazendo alguma piadinha interna a respeito deste, porém se controlou para não socá-lo, o que, vindo de Kenai, era um esforço enorme.

— Kenai Nimble. Cela Treze, Subsolo. Codinome, California Mountain Snake. — As palavras saem automaticamente; ele estava acostumado com aquilo.

— Jasper Wagner. Cela Doze, Subsolo. Copperhead. É um prazer conhecê-lo, sr. Nimble. — Havia uma espécie de sarcasmo omitido na voz de Jasper, o que irritou ainda mais o outro homem. — E o que acham de permitir que o sr. Nimble se junte à nossa pequena e nada importante refeição?

— Tanto faz. — A mulher de cabelos escuros disse, ao lado dele. — Meu nome é Elise Wagner, ou Cottonmouth. — Ela tinha olheiras nos olhos e parecia estar prestes a matar alguém ou, melhor dizendo, ela tinha uma cara de psicopata homicida. Porém, ela não o incomodava tanto quanto o provável irmão, embora Kenai tivesse cem por cento de certeza que não gostava dela. — O que você quer?

— Eu... — Antes que Kenai pudesse terminar sua frase, ele foi interrompido pelo sinal que dizia que o horário de recriação havia terminado ali e sua comida permanecia intocada. O quinteto de mutantes se levantou e todos, exceto o tal Jasper, foram embora sem cumprimentá-lo diretamente com palavras. Então o rapaz de tatuagens sorriu, deleitando-se ao ver a "desgraça" do outro. Para Kenai, aquilo passou dos limites.

O soco deveria ter acontecido do nada, forte como uma bala. No entanto, ao notar o ambiente, ele viu o rapaz louro a metros de distância com um sorriso maior ainda. Sua mente levou um milissegundo para perceber que Jasper havia se aproveitado do fato de estava fora da cela, portanto, ele era capaz de usar seus poderes ao seu bel prazer. Super velocidade.

E, naquele momento, Kenai soube que seria uma longa tarde de sexta-feira.


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Notas finais do capítulo

Eu não aguentei esperar para postar esse capítulo. Então, aí está o primeiro capítulo oficial. Vou apresentar os personagens a cada cinco capítulos, ok? c: Sobre os gifs, o Nyah está dando bug e eu não tô conseguindo colocar. Quando isso for concertado, vou pôr u3u Espero que gostem. Talvez algumas personalidades tenham ficado ruins, porque eu ainda estou me adaptando e tal. Enfim, até!



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