Mistérios de São Lúcifer escrita por Abyss


Capítulo 2
1. Como as coisas acabaram assim?


Notas iniciais do capítulo

Capítulo um. /o/
Gostaria de ressaltar que um "***", expressa "mudanças bruscas de cenário".



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Ainda com aquela sensação horrível, Dana caminhou até o fundo da sala onde costumava sentar. Passou por Clara já sentada em seu lugar, tinha a cabeça baixa, entre os braços. Reparou, quase estranhou a atitude incomum da comportada e bela colega de turma, mas nem se falavam. No entando, assim que chegou perto do seu melhor amigo, ele apontou o queixo em direção a ela e deu uma risadinha.

– Vai babar nela até dormindo? – Cochichou, já estava acostumada a ouvir Pablo falando da loira desde o primeiro ano em que estudaram juntos.

– Só achei estranho! – Riu, porém logo cruzou os braços, mudando totalmente para uma expressão desconfiada. – O que acha que ela ficou fazendo até tarde?

Dana apenas fez um gesto obsceno com o dedo médio e anelar, movendo-os para cima e para baixo.

– Nossa, não me faz imaginar isso – Pablo estava agora com a cabeça apoiada nas mãos, fazendo a outra rir

– Tô esperando até hoje você chegar nela, sorte sua que parece que ela tá mais interessada em números do que em gente, daí ninguém pegou ainda.

– Justamente, ela não dá bola pra ninguém, como quer que eu chegue assim?

– Nem pra tentar ser amiguinho?

– Não existe amizade entre homem e mulher. Ela sacaria na hora, faria papel de palhaço.

Ela lançou o olhar de canto mais cético que sua face suportava.

– Dana, você é homem.

– Vou lembrar disso na próxima vez que for ao banheiro.

Mais a frente, sem fazer ideia da conversa dos colegas, Clara queria se descabelar. Melhor, queria jogar a mochila na janela, quebrando o vidro, para pular e fazer uma fuga emocionante. Sorriu com a ideia. Logo voltou ao seu desespero, racionalmente sabia dizer que não era grande coisa, mesmo que ela perdesse o bimestre, conseguiria recuperar com o resto. Acontece que, para ela, a sensação de decepcionar era completamente nova. Imaginava a professora dizendo aos seus pais que ela já não era a mesma e que logo viraria uma delinquente, então seria morta e deserdada, provavelmente não nessa ordem.

Não havia mais tempo para corrigir, Regina já estava na sala e dizia o que ela menos queria ouvir:

– Vocês tem até o fim da aula para deixar a linha do tempo do Brasil na minha mesa. Quem não tiver feito e não justificar, ficará com o bimestre zerado.

Zerado, zerado, zerado, essa palavra ecoou em sua mente. Tinha quarenta minutos para pensar em algo melhor que “urina de gato submergiu todo o governo de Vargas”.

***

“Então era isso” Dana pensou, enfim aliviada por ser lembrada do que causava sua sensação de esquecimento.

– Você fez? – Pablo perguntou, mesmo já sabendo a resposta.

– Esqueci total.

– Infelizmente esse é individual, nem posso te ajudar.

– Você podia ter me lembrado.

– Eu o fiz, quatro vezes. Tenho os prints, quer ver? – Levantou o celular que segurava na mão direita.

– Você é desprezível. – Riu, derrotada.

***

Clara e Dana estavam de pé em frente a mesa de Regina, que as olhava por cima do óculos, com as mãos juntas embaixo do queixo.

– Então, quais são as justificativas?

– Esqueci.

– Eu também – Clara disse de forma automática, não havia pensado em nada, pelo menos não estava sozinha.

Ambas olharam pra ela, perplexas.

– O que foi? – levantou as mãos de forma questionadora.

– Daiana esquece três a cada cinco trabalhos, eu já esperava que ela dissesse isso. Quanto a você, bem, sua nota mais baixa foi nove e meio – explicou como se fosse a coisa mais óbvia.

– Então se eu dissesse que meu gato acabou com todo meu trabalho, você acreditaria? – O desespero a deixou cega, a ponto de tê-la feito esquecer a simpatia da professora quanto a ela.

– Sim, mas agora você já mentiu. – Dana não conseguiu segurar o riso.

– Então, ganhamos nosso zero? – Mesmo ansiosa, já não estava mais tão preocupada, agora teria de estudar três vezes mais para limpar sua consciência.

Regina as fitou, com um sorrisinho quase assustador, que as fez pensar que o zero parecia boa ideia.

– Na realidade, não – seus olhos pareciam brilhar. – Tenho algo para vocês. Só preciso verificar com a diretora antes – a professora retrucou de forma misteriosa, girando para o lado em sua cadeira.

– Qual delas? – O tom debochado de Daiana fez Regina perder a pose por uma fração de segundo.

– Só existe uma. Me encontrem na coordenação quando acabarem as aulas da manhã.

Ambas estavam curiosas, se entreolharam algumas vezes durante a aula, como se procurassem respostas uma na outra, mas estavam muito longe para que pudessem conversar sobre. Uma bolinha de papel voou no fundo da sala.

– Tá rolando um romance? – Pablo certamente reparou nos olhares.

– Engraçadinho – tacou a bolinha de volta. – A professora meio que agiu de forma estranha, mais bizarro ainda, a sua deusa da perfeição aí, também – fez aspas com as mãos. – Esqueceu o trabalho.

Impossibile. – Endireitou-se na cadeira. – Mesmo no começo do ano, quando ela teve intoxicação alimentar, deu um jeito de entregar o trabalho.

– Você é muito creepy, cacete!

– Apaixonado, apenas. – Balançou a cabeça mostrando que não existia nada que pudesse fazer quanto a isso.

– Enfim, agora nós duas temos que aparecer na coordenação depois das aulas, só isso.

– Melhor mesmo.

– Fala sério né, Pablo. Até parece que eu trocaria minha namorada, linda e maravilhosa, formada e independente, por uma nerd da minha turma.

– Ui, desculpa. Esqueci que a Alice era tudo isso. – Rendeu-se.

***

Pouco depois de meio dia, estavam as duas novamente em frente a Regina, na mesma posição, apenas em uma sala diferente.

– Meninas, Serei direta. – Sorriu ao perceber que as alunas a encaravam sem sequer piscar. – Queria que você prestasse atenção em mim assim na aula, Daiana – a aluna revirou os olhos e a professora riu brevemente. – Como já é de conhecimento das senhoritas, ano passado abrimos um horario durante a noite. Porém, de alguma forma, começaram a surgir vários boatos, coisas absurdas. Todas vindas da turma da noite.

– Que tipo de boato?

– Coisas te todo tipo, Clarinha. Da mulher do banheiro até uma criança gritando na capela ao lado de fora.

– E o que isso tem a ver com a gente? – Dana indagou por não entender o rumo daquela conversa.

– Vou chegar lá. – Meneou a cabeça e voltou a falar. – Como uma instituição cristã, estamos sendo amplamente difamados. Vários amigos de alunos estão chamando a São Miguel de São Lúcifer.

Daiana começou a gargalhar e Clara colocou a mão na boca, segurando o riso, ambas receberam um olhar desaprovador de Regina. Apenas uma delas se controlou.

– Então, o trabalho de vocês que não valerá apenas esse bimestre, como o próximo, será – fez uma pequena pausa,formulando a frase a seguir. – Superstições humanas e sua sobrevivência através do tempo. – Abriu o maior sorriso que as alunas já viram. – Quero resumos de superstições antigas, novas também.

– Não sei se entend...

– Ela quer que nós investiguemos – Clara interrompeu Dana.

– Exatamente. – Regina levantou as mãos, como se anunciasse a vencedora do show do milhão. – Darei permissões especiais para vocês no turno da noite.

– Especiais?

– Corredores, alguma autoridade, acesso. Que seja. Se minha mãe escutar alguém chamar essa escola de São Lúcifer de novo, ela fará alguma loucura. Isso virará o inferno.

O silêncio pairou na sala. A loira se sentia, de certa forma, excitada com a ideia de fazer algo diferente. Dana não parava de pensar em como explicaria para a namorada que durante a noite estaria caçando assombrações. Seus pais certamente ligariam para a escola, garantindo saber se era verdade. Apesar de com o tempo aceitarem-na como era, a davam pouquíssima liberdade.

– A primeira coisa que gostaria que vocês averiguassem, é a que me parece mais grave. – Regina abriu a gaveta e tirou alguns documentos de lá. – Essas foram reclamações abertas, conseguimos fazer com que as mães recuassem,mas não sabemos quando vai acontecer de novo.

– Reclamações sobre?

– Alunos caindo das escadas do terceiro andar. Quatro no total, duas meninas ano passado e um menino e uma menina esse ano. Todos eles relataram ter visto uma mulher assustadora e rolar escadas abaixo, como se algo os movesse.

– Você tá dizendo que temos, tipo, um fantasma da Nazaré Tedesco aqui? – Dana indagou de forma irônica.

A professora a mirou indignada e Clara começou a rir, dessa vez, sem se controlar.

– Nunca diga nada perto dos seus colegas. Conseguimos abafar os casos, não quero boatos nos outros turnos também. A taxa de alunos ingressando chegou a cair esse ano.

– É mais sério do que pensei..

– Sim, Clara. – Recostou-se em sua enorme cadeira marrom. – Bem, dispensadas, vocês começam amanhã. Não se esqueçam, isso é segredo para os demais alunos.

***

Fora da sala da coordenação, as duas andavam em passos iguais sem perceber. Até Dana notar e começar a andar mais rápido.

– Ei. – Clara chamou ao perceber que ela se afastava.

Dana apenas parou e virou a cabeça em direção a ela, pela primeira vez notou que sua nova parceira investigativa tinha peitos enormes. Depois de tanto ouvir Pablo falar dela, estava enjoada, evitava até mesmo olhar pra ela durante todo seu tempo como colegas de classe. Mas conversando diretamente agora, viu que seu amigo estava certo em alguns pontos, ela era realmente bonita. Dana podia ser mais alta, mas ao olhar pra baixo ficou óbvio para onde seus olhos miravam.

Hello? – Clara estalava os dedos na altura dos olhos, mesmo sendo óbvio, não reparou.

Dana levantou a cabeça pro rosto dela, ficou corada até ver que a outra não tinha notado, comprimiu os lábios antes de virar o rosto.

– O que foi?

– Qual será o nosso primeiro tema histórico?

– O que? – Os pensamentos de Daiana já estavam muito, muito longe do assunto naquela sala.

– Você prestou, sei lá, dois minutos de atenção na Regina? – Colocou as mãos na cintura, possuía uma expressão incrédula.

– Claro, me distraí agora – voltou ao foco. – Me passa o seu número? Eu vou pensar em algo.

– Você não parece ser do tipo que pensa em algo, Daiana. – Apesar das palavras estava com o celular na mão.

– Pelo menos eu sei o número do meu próprio celular – ao perceber que Clara, surpresa após sua afirmação, a encarara, continuou. – Se bem que você nunca deve tê-lo passado pra alguém, entao é compreensível.

Dana não parou para pensar no quão maldosa estava sendo, ficou realmente ofendida com a frase da outra. Também queria recuperar sua antiga postura, diante a descoberta de que estava se sentindo atraída.

– Você está certa, anota aí. – Clara apenas pareceu um pouco mais séria, disse seu número e passou por Dana.

Se sentindo muito pouco culpada, Daiana seguiu calada atrás dela. Alguns passos depois um garoto alto da turma delas apareceu do nada, como se tivesse pulado de uma moita.

– Oi Clarinhaaa! – Ele tinha os braços abertos e um sorriso largo, parecia estar tentando ser cômico.

– Que susto João! – Ela colocou a mão no peito fazendo-o cair na gargalhada, estava muito distraída pensando no que sua colega de classe acabara de dizer, antes do garoto brotar do nada.

– Iiiiiih, tá devendo, é? – Piscou de lado.

– Você que surge do nada! – Riu, apesar do que diziam sobre ela, ria com a maior facilidade.

– Aquela ajudinha em química ainda está de pé hoje?

– Está sim, não esqueci. Você vai lá em casa, né? Minha mãe está começando a achar que a gente namora.

– Não namora porque você não quer! – Sorriu malicioso.

– Você já não tem umas quatro outras namoradas? – A conversa dos dois poderia parecer estranha de fora, porém ela já estava acostumada com esse comportamento da parte dele.

– E daí? A semana tem sete dias!

Ambos riram e João logo se despediu, Clara só notou que Dana ainda estava ali porque o garoto também se despediu dela. A própria também não sabia exatamente o porquê, mas também havia parado de andar quando ele surgiu e ficou ali esperando.

– As pessoas realmente vivem de aparências.

– Como assim?

– Aquele garoto não precisa ser nada, só bonito. Com isso garotas como você deixam as notas dele lá no alto, fazem os trabalhos. – Riu com certo escárnio. – Ele pode zoar e dormir a aula toda, tem um exército de meninas nerds em várias turmas.

Clara começou a rir, rir mesmo, como Dana nunca havia visto.

– Acha que estou afim dele? – Ainda ria. – Aquele garoto não lê um livro desde a quinta série.

Daiana estava boquiaberta enquanto a observava se aproximar, pararando bem perto do seu rosto. Dava pra sentir sua respiração, chegou a ser um pouco desconfortável.

– Eu ajudo qualquer um que precise, Daiana, as pessoas apenas têm vergonha ou receio de pedir, na maioria das vezes. Não precisa ser bonito, nem amigo meu. Aliás, você estava certa, não tenho amigos. – Enfim, se afastou. – Porque as pessoas são assim como você.

Clara enfim sumiu de vista e a outra ficou ali, se sentindo muito ridícula. Queria muito se sentir apenas ridícula, algo havia se agitado dentro dela. Não via a hora de mandar uma mensagem pedindo desculpas, já estava ansiosa para encontrar com a loira novamente e essa, havia acabado de virar em um corredor.


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Notas finais do capítulo

Não sou muito de estabelecer prazos, mas já tenho parte da história encaminhada e não devo demorar mais que uns, dez dias talvez? Depende da necessidade. Haha.
Até.