A Policial Boa

No cômodo apenas ouvia-se um riscar de caneta. Clara finalizaria naquele momento, faltando meia hora para ter de sair de casa, o trabalho de história que valeria a nota do bimestre. “Isso, fica vendo série até de madrugada mesmo, peste.” Julgou-se na própria mente. Estava procrastinando havia mais de um mês para terminar sua tarefa. Não que isso fizesse o feitio de uma estudante exemplar, mas naquele momento já não queria ser mais nada. Sua vida se mostrava vazia e automática, estava empurrando o último ano do ensino médio de barriga e já nem tinha mais certeza se queria fazer medicina e assumir o consultório da família.

Dirigiu-se ao banheiro, onde tomou um breve banho, logo estava pronta, recolheria seu trabalho e partiria. Passando pela sala viu Padim, seu gato, em cima da mesa. Mais precisamente, em cima de seu trabalho. O sono fez com que ela demorasse alguns segundos para somar um mais um. Abruptamente pegou o chinelo mais próximo e tacou no gato que esquivou habilmente, soltando apenas um som que parecia ser um miado abafado pelo desespero, correndo para outro cômodo. Seu projétil derrubou um copo com suco de laranja, terminando a obra de arte de Padim na pilha de papéis. Antes de alcançar a mesa, já sabia o que encontraria: um monte de folhas tingidas de amarelo e laranja com um odor peculiar.

Arrumou a mesa e enfim deixou a sua casa, atrasada, derrotada.

A Policial Má

Dana não aguentava mais seu despertador. Era sua estratégia. Escolhia uma música qualquer que K-pop – que julgava ser o gênero mais irritante de todos – e deixava o celular bem longe de si antes de adormecer. Pelas manhãs não tinha opção, teria de levantar e desligar o alarme. Esfregou os olhos e olhou para mulher dormindo ao seu lado – cuja não dava sinal de que um dia acordaria, mesmo com Girls’ Generation ecoando pelo quarto – beijou sua nuca e levantou-se.

“Desde ontem, essa sensação de que estou esquecendo algo não passa.” Revirou os olhos, incomodada com a sensação que a invadia logo tão cedo.

Deixou o apartamento sorrateiramente, caminhando até sua casa que não ficava longe dali. Pulou a janela do próprio quarto e vestiu o uniforme do São Miguel. Apesar de odiar as diretoras, o corpo docente, a estrutura e os alunos, ela gostava do uniforme da instituição onde estudava. Era uma bela mistura de grená e branco, lembrava seu time. Bagunçou sua cama, pegou a bolsa e lançou um beijo no ar de “até mais” para o terrário onde estava sua serpente.