R.C

Acordei pela manhã exausto. Como o combinado era cumprir o expediente já na minha chegada, não consegui pregar os olhos por um segundo. O colchão é duro e nem parece um colchão, está mais para tabua de passar roupas. Levantei relutante e com uma cara de poucos amigos, eu tinha que melhora-la, se não acabaria por espantar a clientela. Sempre gostava de me espreguiçar antes de entrar no banheiro. Ainda não tinha entrado quando cheguei, e a coisa estava bem feia. Eu realmente queria matar meu irmãozinho querido, o cara me fala de mudança e tal, e me deixa jogado nessa porcaria. Depois de tanto reclamar mentalmente, fui direto a loja e a abri, o nome e tão curioso “QG”. Tentei um conter o riso idiota, enquanto abria a porta. Olhei antes nas frestas dos potes de suplementos, e vi a pracinha. Foquei os olhos numa senhora cadeirante e em um rapaz com pinta de lutador. Essa era a rua na qual Ka morava, mais nem sei ao certo se ela vive aqui ainda, com certeza deve ter se mudado.

K.D

Eu realmente odiava acordar atrasada, isso raramente acontece. E quando ocorre, tinha que esperar horas esmurrando a porta com Bianca lá dentro. Nossa família e convívio é assim, uma irmã patricinha que faz horas extras, trancafiadas no banheiro. Meu pai, senhor Gael, que passa o dia me colocando ordens e dizendo “você não pode lutar” “é muita nova, e blah blah!”. Temos Dandara, que é incrível, e espera um irmão. Claro que não consigo engolir direito, pois a criança é garoto, como sabemos á poucos dias. Não pense que seja ciúmes e nem egoismo. É mais medo, medo de perder o posto de filha querida. Como sou infantil em! E o outro ser, e o João, o cara nerdizinho que vive enfiado em games, e é inteligente, e outras centenas de rótulos que os outros amam colocar nas pessoas.

Depois de horas quase quebrando a porta, a atriz me sai com a cara mais deslavada e juntando as mãos implorando pelo meu perdão:

— Caramba Bianca! Cê tava numa tour internacional no banheiro? — Disse irritada a olhando feio.

— Desculpa irmã, sabe como é nós mulheres vaidosas? — Não, eu não sabia, pelo simples fato de não dar a minima para essas coisas.

Apenas á respondi com uma careta feia e usei o banheiro. Diferente dela, não passava mil anos lá dentro. Realmente estava apressada, afinal tenho hora certa para ir treinar, e tenho que ir a escola. Sai do banheiro disparado, e com Gael me gritando a cada 5 minutos:

— Oh minha filha! esta fazendo cosplay de sua irmã agora? — Meu pai falava enquanto coçava a cabeça, irritado com minha demora.

— Desculpe, mas a princesinha estava no banheiro.

Atravessei a rua junto com meu Pai e lembrei que esqueci meus fones junto com o celular, pedi para ele me esperar. Nem demorei tanto, tinha achado tudo na mesinha de centro. Desci e voltamos á rumar nosso caminho, mas parei distraída quando vi um cara sentado nos degraus do QG. Ele mexia no celular, e estava distraído, até voltar sua visão para mim. Não sei por que, mas algo me dizia que nos conhecemos. Foi tão maluco, que perdi o rumo do meu pai, e por sinal me gritava da academia. Pedi um tempo para ele, precisava confirmar minhas desconfianças em relação ao tal cara. O mesmo também, estava confuso, sua cara duvidosa, evidenciava isso mais ainda. Tanto que ele atravessou a rua e veio a minha pessoa:

— Karina? — Sua voz saiu anasalada.

Quando ouvi aquela voz, imediatamente senti algo sair de meus olhos. E minha garganta travar, como se não conseguisse engolir. Não podia ser ele, é impossível:

— Cobra? — O perguntei embargando a voz.