Era para ser você escrita por Tamires Rodrigues
— Se a sua nova secretária entrar aqui e nos ver... – interrompi o beijo e me levantei indo até a janela.
— Ela não tem nada com isso – ele disse com cuidado.
Soprei o ar fitando o movimento do lado de fora da janela. Como sempre Nova York estava inquieta. Já tinha me acostumando com o ritmo da cidade, mas às vezes tudo ainda era desconcertante para mim.
Dei de ombros limpando o batom borrado. Pelo reflexo do vidro eu o vi se aproximando.
— Tão confusa – ele sussurrou balançando a cabeça e tocando meu ombro.
— Posso dizer o mesmo de você – devolvi no mesmo tom baixo.
Ficamos em silêncio. Um silêncio bom, porque nenhum de nós sabia o que falar ou o que fazer, e ficarmos quietos parecia melhor do que dizer alguma bobagem (embora fôssemos conhecidos por isso).
— Seus pais estão felizes por sua volta? – perguntou. Sua mão brincando com meu cabelo.
Balancei a cabeça.
— Estão. Quase toda vez que nos falamos citam o fato de eu estar voltando pra casa.
Sua mão continuou apertando meus cachos entre os dedos, mas o diálogo morreu por pelo menos uma batida.
— Você está feliz por estar voltando?
Fechei os olhos e encostei a testa no vidro.
— Sim. Não. Às vezes sim, pois estou morrendo de saudades. Mas os meus amigos estão aqui, minha casa e... – hesitei sobre o que dizer em seguida. – Muita coisa está aqui – completei.
Mabuchi deixou sua mão cair ao lado de suas coxas e assentiu. Nós dois permanecemos num silêncio desconfortável outra vez.
— Como está Ellie? – perguntei.
— Bem, deixei que ficasse em casa hoje. Mas amanhã voltará a sua rotina normal.
Balancei a cabeça concordando.
— Ela gosta de ficar perto de você – falei me virando pra ele. – Assim como eu gostava de ficar com meu pai quando era pequena, seguindo-o por toda parte.
Ele me encarou surpreso como se até então não tivesse percebido isso.
Tão perspicaz sobre negócios e tão cego para coisas óbvias.
— Ela me mostrou as bonecas que comprou para ela. Ela sente sua falta – continuei quando ele não disse nada.
Gregory se afastou de mim e voltou a se sentar em sua cadeira. Suspirei temendo ter ido longe demais.
— Você nunca tira férias? – minha curiosidade aflorou. – Dias de folga? – insisti.
— A empresa...
— Ellie precisa de você mais do que a empresa precisa – murmurei com cautela.
Seu punho apertou em cima da mesa e ele suspirou.
— Eu trabalho duro para que Ellie tenha um bom futuro e não precise depender de ninguém.
Era um bom ponto, mas eu tinha um ainda melhor.
— Você tem o bastante em sua conta bancária para que ela não precise depender de ninguém.
— Por que você está me dizendo tudo isso?
— Ela sente sua falta – repeti indo me sentar na cadeira em frente a ele. – Muita.
Antes que ele pudesse me dizer alguma coisa, meu telefone tocou. Talvez um sinal do universo para que eu calasse minha boca e parasse de me meter em assuntos que não eram meus. Eu sequer sabia o porquê estava falando aquilo, mas de qualquer maneira sabia que me importava.
Fiz uma careta quando vi que era Brent ligando. Provavelmente para falar do apartamento.
— Preciso atender – falei e ele deu de ombros. – Alô?
— Ei! Oi, Jas – Brent me saudou. – Tenho boas e más notícias. Quais você quer primeiro?
Senti meu estômago pesar. Más notícias?
— Notícia boa – pedi.
— Bem, talvez não seja tão boa assim para você.
Bom Jesus.
— Não enrole – ri nervosa. – Me fala logo.
— Lembra da interessada no apartamento?
Balancei a cabeça mesmo sabendo que ele não podia me ver.
— Lembro.
— Ela realmente está disposta a alugar.
— Oh! – tentei esconder meu desânimo. – Isso é muito bom, Brent. Mas qual a notícia ruim?
— Ela quer se mudar tão rápido quanto possível.
— Tão rápido quanto? – minha voz esganiçou. – Tipo, daqui duas semanas?
– Tipo, nessa semana.
— Você tá brincando, né? – Soei tão esperançosa que quase quis rir.
— Mas eu disse que não seria possível ser tão rápido assim.
Soltei o ar, aliviada.
— Mas talvez na próxima semana? – quis saber. – Eu sinto muito Jas, mas estou supondo que você já tenha se formado até lá.
— Ainda não sei o resultado do meu TCC – falei me sentindo miserável. – Nem das provas finais. Uma semana Brent?
Não queria ser injusta com ele. Brent tinha sido além de legal comigo e nosso contrato já tinha oficialmente expirado, mas uma semana? Era muito pouco tempo para achar um lugar para ficar.
— Vou dar um jeito, não se preocupe.
— Você é demais, Jas. Obrigado!
Afastei o telefone do ouvido com uma sensação amarga na ponta da língua. Arrastei meu olhar para Mabuchi e sem muita surpresa notei que ele estava me olhando.
— Desculpe eu ter atendido à ligação, mas era o proprietário do apartamento – limpei a garganta. – Para acertar... – balancei a cabeça sem querer completar a frase. Parecia bobo, mas o simples pensamento de ir embora estava me deixando muito emotiva. – É realmente real agora – dei de ombros.
Meu Deus, o que havia de errado comigo? Até pouco tempo atrás estaria saltitante com a possibilidade de voltar para minha casa e matar a saudade dos meus pais. Mas... O que tinha mudado tão rápido assim?
Gregory.
Oh, não! O destino seria assim tão zombeteiro? De repente minha cabeça girou e eu quis correr.
Será... Será que...?
Precisava desocupar meu apartamento em no máximo uma semana e tudo que estou pensava era nele. Minha cabeça parecia prestes a dar pane.
— Por que eu estou aqui? – sussurrei baixinho para mim mesma.
— Por que você está aqui? – ele repetiu confuso.
— Às vezes eu não me entendo – falei, porque se guardasse para mim iria muito provavelmente explodir. – Sábado foi meu aniversário, e...
— Sábado foi seu aniversário?
— Foi e tudo que eu pensava era “seria legal se o Gregory estivesse aqui”. Meu aniversário... Eu nem suportava você – continuei agitando as mãos no ar. – E agora penso essas coisas. Eu estou indo embora, Gregory! Eu não posso ficar pensando coisas assim, porque eu... – me calei desistindo. Eu não queria admitir em voz alta, principalmente para ele.
— Por que você o quê? – ele insistiu frustrado. – Por que é tão difícil ser honesta comigo?
Eu ri. Não um riso normal, uma risada histérica e maníaca.
— Porque eu não quero que você entre na minha pele!
Mas ele já entrou. Ele já entrou.
Com horror percebi que meus olhos arderam em lágrimas e cerrei os punhos.
— Eu não podia ter me deixado apaixonar por você.
— Jasmim...
— Não, – eu interrompi – assim como eu você sabe que isso vai acabar mal.
— Eu não me importo – ele rosnou quando me levantei e joguei minha bolsa por cima do ombro. – Eu não quero fugir disso.
— Eu sim – comecei a caminhar até a porta, mas saltando da cadeira ele me alcançou no instante em que toquei a fechadura e entreabri a porta.
— Não seja covarde – ele grunhiu. Não havia calma, toda a sua postura dura e profissional havia sumido. E eu nunca tinha visto seus olhos tão ferozes.
— Eu estou me protegendo – retorqui balançando a cabeça. – Eu não devia ter vindo. Eu... Desculpe.
Olhei pelo vão da porta e vi a estagiária nos observando. Seu olhar rapidamente baixou para o teclado quando me pegou olhando. Ótimo, amanhã a empresa toda saberia da nossa discussão.
Pegando-me de surpresa, Mabuchi encostou a testa na minha. Senti meu corpo amolecer com sua respiração na minha bochecha.
— Nós não precisamos falar disso agora. Nós dois concordamos que iríamos aproveitar o tempo que ainda lhe resta em Nova York e...
— E nós aproveitamos – interrompi. Você só está dificultando as coisas.
Por um segundo esqueci que tínhamos plateia, esqueci tudo, menos o homem na minha frente.
— É tempo de recuar – suspirei tocando seu peito.
E eu realmente estava disposta a recuar, voltar a agir apenas com secretária. Mas quando ele encostou os lábios nos meus, cada terminação nervosa do meu corpo acordou para vida e eu não consegui mais pensar. Empurrei a porta com o quadril e retribui o beijo.
— Essa é a nossa última vez – forcei minha boca a falar.
— Última vez – ele confirmou sem parar de me beijar.
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