Era para ser você escrita por Tamires Rodrigues


Capítulo 29
Devaneios de Jasmim


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, foi culpa do Enem dessa vez. Boa leitura ♥



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Quando o sábado chegou, eu estava tão cansada da rotina que não queria nem levantar da cama. Virei algumas vezes de um lado para o outro, enroscando-me ainda mais nas cobertas até de fato levantar. E isso só aconteceu por causa de Thor, que tomou como missão de vida cutucar meu nariz com suas patinhas.

— Que foi? – indaguei, desviando-me de uma de suas cutucadas. – Ainda não são nem meio dia, me deixa dormir.

— Meow! – foi sua resposta, enquanto esfregava a cabeça no meu pescoço.

Era insano, mas Thor era tão esperto que, às vezes me parecia que todas as teorias sobre os gatos quererem dominar o mundo não eram assim tão inacreditáveis. Ele sabia o que fazer para que eu não conseguir ficar brava com ele por muito tempo. Bastava esfregar-se em mim e me olhar com aqueles grandes olhos redondos, que tudo ficava bem, em um passe de mágica. Olhei para o relógio, cuspindo um pelo que havia parado na minha boca. Gatos eram maravilhosos e se não perdessem tantos pelos por aí seriam ainda melhores. Com um suspiro alto, levantei-me da cama levando comigo meu celular. Como toda manhã, bati com meu dedo mindinho na quina da cama. Xinguei baixinho, enquanto gemia de dor. Thor se acomodou nas cobertas como se dissesse que não iria sair dali por um bom tempo.

— Então porque me acordou? – perguntei a mim mesma abrindo a janela do quarto. Eu ainda estava bocejando quando fiz uma xícara grande de café e disquei o número de casa. Meu pai atendeu uma ligação que durou cerca de 2 minutos, pois ele e minha mãe estavam atrasados para ir ao supermercado.

Julyan e eu tínhamos marcado de ir com Jack até o parque. E até ontem esse compromisso parecia perfeito, mas agora quando cada átomo do meu corpo vibrava em preguiça e tudo que eu queria era voltar a dormir. Fora que Meredith e eu iríamos a uma exposição e eu ainda precisava terminar de limpar o apartamento. Olhei para os meus pés cheios de bolhas, em decorrência de usar tanto salto alto nos últimos tempos. e suspirei. Sapatilha era uma boa pedida para a noite. Tomei o restante do meu café, olhando para as fotos colocadas desajeitadamente na minha geladeira e para os desenhos que Jack fez na primeira vez que esteve aqui. Os desenhos me lembraram Ellie e do almoço que tive com Mabuchi.

Quando saímos da empresa senti os olhos de todos em mim. Talvez por paranoia, mas Ellie falava tão animadamente meu nome que era impossível não olharem para todos nós. Fomos para um restaurante indiano com um nome tão estranho que esqueci assim que o li. Uma coisa difícil de perder, no entanto eram os preços. Tudo era caro, e extravagante o que me deixava desconfortável.

Peguei o cardápio e engoli em seco com o valor da água. Onde já se viu água custar tão caro?

Com um timer perfeito, um garçom parou do nosso lado.

— No que posso ajudá-los? – perguntou, com um meio sorriso cansado.

Olhei dele para o cardápio e dei um sorriso tenso. Na minha bolsa havia a maravilhosa quantia de 12 dólares, e com os preços expressivos do restaurante, o máximo que eu comeria seria o ar.

Fechei o cardápio com indiferença, e o coloquei em cima da mesa.

— Nada para mim, estou sem fome.

Mabuchi ergueu a sobrancelha. Repeti o mesmo movimento.

— Papai diz que almoçar é importante! – Ellie disse, afastando o cabelo dos olhos. – Né pai?

Mabuchi riu em concordância, e eu balancei a cabeça sorrindo.

— Minha mãe diz a mesma coisa – e de fato ela me ligava em momentos aleatórios só para dizer isso. – Mas hoje eu não estou com fome.

Ellie olhou para o pai com um dar de ombros.

— Pai, diz pra ela o que sempre me diz que é importante comer direito pra não ficar doente.

Mabuchi passou as mãos pelo rosto tentando não rir, enquanto o garçom pigarreou tentando chamar nossa atenção.

— O que recomenda? – Mabuchi perguntou. – Qual o especial do dia?

Aliviado por finalmente receber atenção o garçom sorriu genuinamente.  Mabuchi e ele engataram numa rápida conversa sobre comida. Resolvi me manter distante até o momento em que três pedidos foram feitos.

— Não! – eu disse. – Estou sem fome.

E sem dinheiro para pagar.

— Por favor! – Mabuchi pegou minha mão em cima da mesa. – Me deixe fazer algo gentil.

Sua voz estava suave, mas o simples contato entre nossas mãos fez cada parte do meu corpo ficar alerta.

—Tudo b-bem! – gaguejei e então limpei a garganta afastando minha mão abruptamente.

Odiava ceder, mas era apenas uma refeição. Não era tão ruim como eu estava pensando e além do mais eu estava com fome.

No tempo em que demorou para nossos pedidos chegarem, fiquei olhando fascinada para a arquitetura e decoração do restaurante. Era tão linda e impecável que suspirei uma ou duas vezes. O restante do almoço foi estranho e tenso. Talvez por minha culpa e minha necessidade de querer distância de Mabuchi. Ele não tentou falar comigo muitas vezes, mas quando o fazia era com perguntas rápidas, do tipo: gostou da comida? E minha resposta oscilava entre aham, sim e não. Ellie, por outro lado, adorava falar – mesmo com comida na boca.

 

***

 

Depois de tomar meu café, arrumei meu apartamento deixando tudo impecável. Mais tarde Brent traria possíveis interessados em alugar o apartamento e eu queria deixar tudo perfeito. Soprei o cabelo para cima e estiquei mais o lençol da minha cama. Dei um passo para o lado verificando se tudo estava no lugar.

Tudo estava limpo e cheiroso. Cada cômodo da casa cheirava a purificador de limão. Tudo estava perfumado, exceto eu.

Thor se esfregou em meus calcanhares, balançou a cauda e pulou na cama me fazendo soltar um grito.

— Não! Acabei de arrumar – usei minha melhor voz de sermão. – Caia fora daí!

 

***

 

Levou cinco minutos para ele entender que não poderia mais ficar ali, e mais cinco para deixá-lo na vizinha. Brent viria mais tarde, e Thor não poderia ficar no apartamento. Quando isso finalmente terminou, fui tomar banho para encontrar com Jack e Julyan no parque.

— Jack não corra tanto! – Julyan gritou assustando alguns pombos.

— Senhor! – eu ri – não seja exagerada – falei olhando para Jack que jogava bola com dois colegas de aula. – Ele mal está correndo.

Julyan deu de ombros e tomou um gole do seu café.

— É força do hábito.

— Relaxe. Aliás, há quanto tempo você não sai?

— Como assim? O que quer dizer?

— Se divertir! – falei comendo um pouco da pipoca que tinha comprado para mim e para ela. – Há quanto tempo não sai sem se preocupar com Jack?

— Eu não sei! – ela deu de ombros novamente, olhando Jack correr. – Há algum tempo, eu acho. Não é algo importante.

 

Meu queixo caiu.

— Como não?

— Eu amo Jack, mas não é um grande negócio ficar em casa com ele – respondeu defensiva.

Ergui a sobrancelha. A conversa estava indo para um novo rumo.

— Não foi o que eu falei.

— Eu sei! – suspirou ela. – Eu é que não sei o que estou querendo dizer – disse sem humor. – Acho que ando cansada ultimamente e estar cansada me deixa na defensiva.

— Me explica – pedi.

— Jack sofre com a falta do pai, mas se fosse apenas isso seria muito mais fácil. Quando eu e ele saímos de Chicago por um tempo achei que seria menos complicado. Sabe por que eu vim para Nova York?

— Por quê?

— Estudar.

Eu não sabia disso, na verdade Julyan era tão fechada que a cada nova brecha que ela me dava, eu aproveitava com unhas e dentes.

— Quando Katrina morreu, Jack mudou tão drasticamente que por muito tempo eu não soube que fazer. Nos primeiros meses, ele mal parecia ele mesmo. Ele ficou ainda mais apegado a mim, uma das razões pela qual eu não hesitei em adotá-lo como meu. Eu o amo – ela disse como se sentisse a necessidade de se justificar. – Amá-lo é a coisa mais pura que já senti. Quando eu decidi estudar aqui, Katrina ainda estava... Viva. John, seu pai ainda estava vivo... Parece que se passaram anos desde que eu quis isso. Eu nunca soube o que fazer depois do ensino médio, então ajudei meus pais em sua oficina de carros, até escolher o melhor caminho para mim. E por um longo tempo estava tudo bem, até que eu comecei a me interessar por novas coisas, e bem, Nova York começou a surgir na minha mente de uma hora para outra. Mas então houve o acidente e eu adiei a faculdade por mais algum tempo. Jack tinha cinco anos quando voltei a pensar nisso. Levou mais alguns meses para eu ter coragem de falar para os meus pais, e um tempo ainda maior para eu me mudar. Era pressuposto que Nova York fosse a cidade dos sonhos, certo? Mas eu desisti da faculdade logo no segundo trimestre. A rotina começou a ficar pesada demais, Jack precisava da minha atenção, dentre tantas outras coisas e problemas que se multiplicavam. Eu sei lá – deu de ombros amassando seu copo de café agora vazio. – Só deixei para lá. Quando se é mãe solteira, prioridades como sair simplesmente deixam de ser prioridades entende? E além do mais, você sabe o que dizem por aí sobre mães solteiras, não é?

Balancei a cabeça entendendo onde ela queria chegar.

— Uma vez uma vizinha me disse: ‘’fez, agora assume’’ – ela riu. – Mulher insuportável. E eu só pedi para ela tocar conta de Jack por cinco minutos enquanto eu ia até farmácia. As pessoas são injustas e acho que estou tão acostumada em me importar com elas que simplesmente comecei a me privar de várias coisas para evitar falatório.

— Você se arrepende de algo?

— Não! – foi sua resposta e foi tão sincera que me surpreendi. – Faria tudo de novo.

— No seu lugar, eu não sei se conseguiria segurar a barra. Acho que as pessoas romantizam a maternidade demais, sabe? Fazem tudo parecer incrível e brilhante quando na verdade não é bem assim. Olha o que sua vizinha disse, ela sequer se preocupou em saber quem era o pai do Jack ou o porquê que ele estava longe. Eu realmente acho que ser mãe é bonito e pretendo ter filhos, mas não consigo ver beleza que todos parecem ver em acordar a cada duas horas com o choro de um bebê. A sociedade tem essa mania em querer romantizar tudo o tempo todo. Você é uma mãe incrível, mas não é só isso. Também precisa ser a Julyan mulher, pelo amor de Deus! Precisa sair um pouco, ter encontros com caras legais, comer fora. Precisa cuidar de si.

— Não é tão fácil. Sabe quanto custa uma babá? Elas cobram por hora.

Rolei meus olhos.

— Ah, qual é? Eu cuido de Jack de graça para você se quiser.

— Eu até já me esqueci como se diverte – ela brincou.

Dei um tapa em sua perna torcendo os lábios.

— Eu ajudo você a lembrar.


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