Um sonho possível escrita por Jude Melody


Capítulo 1
Capítulo único




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Enquanto tocava o piano, a Hunter sentia sua própria alma dançar ao seu redor. Seus dedos ligeiros moviam-se pelas teclas, criando a música que falava sobre seus sentimentos mais profundos e secretos.

O gato pulou para uma prateleira próxima e lhe lançou um olhar amarelo. Gostava de ouvir as músicas que sua mestra tocava. Até movia sua cauda negra de um lado para o outro, como se também estivesse tocando um piano.

Senritsu abriu um sorriso. Não eram todas as pessoas que enxergavam as almas dos gatos. A maioria limitava-se a chamá-los de traiçoeiros e passava horas rolando pela grama com um cachorro.

Mas ela era diferente. Ela ouvia o coração dos gatos. Literalmente. As batidas suaves dos corações deles era como música para seus ouvidos. Uma música calma e apaixonante, completamente diferente do eterno rock n’ roll que ouvia nos cachorros.

Senritsu era... diferente.

Ela conseguia escutar o que ninguém ouvia e enxergar além do que as outras pessoas conseguiam ver. Quando o som da batida dos corações dos gatos chegava a seus ouvidos, era a alma deles que ela enxergava.

E Senritsu gostava do que via.

A música do piano fluía por seus dedos como a pintura de um artista inspirado. Seus sentimentos cantavam cada vez mais alto, preenchendo o pequeno cômodo com verdades não ditas.

Sem que ela quisesse, seus pensamentos voaram dos olhos amarelos do gato para os olhos vermelhos de um jovem que conhecera algumas luas cheias atrás.

Lembrava-se dele perfeitamente.

Os cabelos dourados. A voz sedutora. O coração quase felino. A corrente que a prendera sem qualquer aviso e não a soltara mais.

Senritsu estava apaixonada.

E sua paixão era o maestro que regia aquela música inusitada e íntima. Uma música que ela não queria dividir com ninguém. Exceto o gato.

Ah, o gato! Como ele lhe lembrava o jovem! Sempre quieto e distante, mas incapaz de esconder seus sentimentos. Pois esses sentimentos escapavam pelas batidas de seu coração.

Era assim que Senritsu sabia, sem que nada precisasse ser dito ou feito, que o gato a amava. Não era necessário que ele demonstrasse seu amor, que ele se esfregasse em suas pernas e brincasse de morder seus dedos.

A Hunter simplesmente sabia que o gato a amava.

Mas será que o jovem a amava também? Isso ela não sabia. Até mesmo o coração é incapaz de revelar tudo. Alguns segredos simplesmente não podiam ser ditos.

Por isso a Hunter tocava. A dúvida permeava seus caminhos, a corrente apertava-a cada vez mais forte. Era difícil não saber o que o jovem sentia por ela. Era difícil não saber se ele a amava quando ela sabia que o amava.

E Senritsu tocava sem parar. Todas as noites. A mesma música. Porque o coração sincero é sempre fiel ao cantar sua canção.

Quando a própria noite começava a desaparecer do céu, e a luz do sol dava seus primeiros sinais de vida, Senritsu esfregava os olhos, espantada por ter passado a madrugada em claro.

Cambaleante de sono, apoiava-se nos móveis e paredes, seguindo pelos corredores da casa até encontrar o caminho para sua cama. Caía sobre o colchão em vez de se deitar, e mergulhava em sonhos ao som das últimas notas da música.

O mundo dos sonhos era mágico, quase tão mágico quanto as canções que Senritsu compunha em suas noites solitárias. Não. Os sonhos eram mais mágicos do que as canções. Porque, neles, o jovem podia ser seu.

O som de um vaso quebrando-se em centenas de pedaços despertou a Hunter de seus devaneios. Senritsu parou de tocar, assustada, e voltou sua atenção para o gato sobre a prateleira.

Ele desviou o olhar do vaso e disse em silêncio que o objeto caíra sozinho. A mestra limitou-se a sorrir. Gostava do gato, mas seria bom se ele parasse de quebrar seus vasos.

Aquela foi a primeira noite em que Senritsu deitou-se em sua cama antes do crepúsculo. Estava cansada, e passar a madrugada inteira ao piano poderia fazer bem para sua alma, mas não reanimaria seu corpo.

Ela fechou os olhos e dormiu em menos de um minuto.

Logo estava em seu mundo maravilhoso de sonhos, cercada por gatos, pianos e harpas e... Ele. Seu novo objeto de desejo. A música que ela mais ansiava por interpretar.

Aproximou-se, tímida, e estendeu um braço. Ele sorriu no mesmo instante e segurou sua mão. A pulsação que subia por seus dedos era simplesmente incrível.

Senritsu virou-se em sua cama e abriu um sorriso, embriagada pelas fantasias que sua imaginação criava. Ali, tudo era música, a música mais bela do mundo. Ali, ela podia ficar ao lado do jovem que amava.

Ela tentava dizer a si mesma que nada daquilo era real, que aqueles sonhos não a ajudariam a entender o coração do jovem. Mas como ela poderia censurar o próprio coração por sonhar?

Afinal, um sábio uma vez lhe dissera que o mundo dos sonhos é o mais perfeito e encantador de todos. Não há como não sucumbir a seus feitiços. Ao piano, Senritsu era capaz de compor belíssimas canções sobre seus sentimentos mais profundos e sinceros, mas nos sonhos... Nos sonhos, tudo era possível.


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