Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 23
Absolvição




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Devit, Otsugua, os dois Medos e Hugo chegam nas escadas para o porão. O mago continua cabisbaixo, e Hugo parece determinado. Seu Medo desce as escadas glorioso, acenando para as celas onde os Scrupulum estão presos. Enquanto descem, os atrofiados e os Medos vaiam e começam a rir de Devit, o chamando de "criador" e "mentiroso". Ronald encara o mago passando pelas escadas, e sente vontade de chorar.

— Por que você teve de criar esse inferno?! — berra o rapaz, indo contra as grades da cela. — Me diga, Devit! Apenas diga a razão de você criar toda essa merda!

O homem nada responde, e continua a ouvir tudo. A descida na escada parece um inferno de vozes, tanto humanas quanto medonhas. Mas por algum motivo, Devit não parece esboçar nenhum tipo de sentimento dentro de si. Não havia culpa para o corroer.

Ao passarem as escadas, eles entram no pátio de um grande bunker, então os dois Medos ordenam que os dois humanos entrem em uma sala. Hugo e Devit obedecem. Ela aparenta ser uma sala hospitalar, e há quatro cadeiras de ferro no centro, esperando para serem ocupadas. Perto de cada cadeira há uma máquina estranha, onde está um lugar para colocar uma bolsa de sangue. Medos estão a mexer em mais máquinas estranhas ao redor, e ignoram a chegada dos visitantes. O Medo de Hugo aponta para as cadeiras e Hugo e Devit se sentam nelas.

— Irá demorar até que as máquinas estejam prontas, então vocês terão a honra de ouvir o último discurso do Rei Medonho para a humanidade, antes de toda ela se tornar Reis e Rainhas Medonhos. — o Medo de Adler sorriu. — Aproveitem.

Os Medos saem da sala, e deixam as máquinas se preparando. Não é possível sair da cadeira, já que há algumas estruturas metálicas que prendem os pulsos e os calcanhares de Devit e Hugo nelas.

...

Um discurso parecido é dito para Agatha, e ela encosta a cabeça na cadeira, olhando para a televisão, que apenas chuvisca.

— Meu pai vai aparecer na televisão... legal. — diz ela, sem animação.

Ela está numa sala hospitalar parecida. A mesma máquina estranha da sala de Hugo e Devit está lá, ao seu lado. Logo a televisão começa a funcionar, e nela aparece o Rei Medonho, num palanque cinza.

"Irmãos, hoje eu tenho a honra de dizer que todos nós conseguimos." começa ele. "Os esforços de vinte anos hoje são recompensados. E nós devemos tudo isso ao nosso grande criador. Obrigado, sir! Se não fosse por você, nada disso existiria. Oh, e quase me esquecendo, também devemos tudo à..."

A tela da televisão começou a dar erro tanto na imagem quanto no som, e ao invés de o Rei dizer o nome, ele disse números.

"à sete, um, doze, vinte e quatro, vinte e cinco. Nosso grandalhão aqui."

Por trás do Rei Medonho uma cortina subiu. O Medo Superior do cálice estava atrás dela. Ele olhou fixamente para a câmera, procurando olhar no fundo dos olhos dos espectadores. O câmera man se assustou e voltou a focar no Rei.

"Graças a ele, temos a capacidade de sentir. Conseguimos odiar, amar, sonhar e todo o resto! Não somos apenas uma parte dos humanos, somos independentes! O nosso criador teve que o prender aqui, e isso foi bem problemático. Mas ele conseguiu! Porém, a parte triste dessa história, é que nós Medos, como criaturas com memória curta, não lembramos exatamente como nosso criador é. Mas cremos que ele está aqui, conosco."

...

Devit para de olhar a televisão e observa Hugo. Um sorriso maldoso está estampado, e ele começa a cantarolar um dos manifestos dos Scrupulum. Quando ele percebe que está sendo observado, se vira para Devit, e de repente um feixe de luz sai dos seus olhos, como se ele estivesse em Surto, mesmo com nenhum Medo por perto.

Ei ei... — Hugo estranha Devit. — Eu não me lembro de ter criado você.

...

"Mas ora, deixemos isso de lado. Nosso criador está aqui e ele assistirá nossa ascensão. Depois de conquistarmos esse planeta — algo que não demorará — iremos mudar nosso nome. Os Medos que a humanidade conheceu e concebeu se tornarão Devoradores Medonhos! Se os humanos não sabem ainda, há muito mais do que esse mero planetinha de vocês." o Rei Medonho sorri e levanta um dos braços. "Eu sou o primeiro Rei Medonho de muitos! Seremos uma raça forte e assustadora. Isso eu garanto a todos vocês."

Então a câmera se afastou um pouco do Rei Medonho e gravou todos os outros milhares de Medos. Todos eram diferentes e estavam felizes, comemorando sua vitória.

"Agora, todos os Scrupulum e os mais importantes dos Intrépidos serão transformados em Reis Medonhos. Um pequeno terror para a humanidade, um grande passo vitorioso para a Sociedade Medonha." continua o Rei. "Nada nos impedirá. E se houver algo corajoso o suficiente para nos enfrentar, que ele possa sentir o peso de todo o Medo desse planeta. Vocês entendem o que eu quero dizer?" um sorriso maligno se abriu no rosto dele. Os dentes afiados riram com sarcasmo.

Todos os Medos gritaram com determinação.

"Gostaria de agradecer à malta Scrupulum, que impediram de medidas intergaláticas serem tomadas acerca de nós, Medos. Muito obrigado por tirar esse fardo das nossas costas. Por causa disso, tudo será muito mais fácil! Obrigado por tudo, pessoal. Continuem com o bom trabalho. Por hora, é só."

...

A gritaria medonha estava abafada. Hugo continuava a encarar Devit, como se esperasse uma resposta.

— Você? — perguntou Devit.

— Esperava quem? Um Intrépido?

— Talvez alguém mais... sei lá. Carismático? Forte? Inteligente?

— Ah, era só pensar de forma lógica.

—...Ok, faz sentido. Como criou coragem de anunciar e incentivar esse plano?

— Ninguém se perguntou até agora porque meu Medo se chama "Medo da Dupla Personalidade"?

— Deixa eu ver se eu entendi. Você tem duas personalidades, uma medrosa e inútil e outra mais ousada, né?

— Sim... — ele começou a encarar o nada. — Nem mesmo a líder dos Scrupulum sabe disso. Antes de começar a vir pra cá, eu exalava confiança e orgulho. Com o tempo, todos perceberam o quão inútil eu posso ser. Um distúrbio simples de personalidade, que acarreta no que você vê agora.

— Interessante... Você sabe que essas informações são inúteis agora que vamos todos nos tornar Reis Medonhos, não é?

— Talvez sejam. Tu ainda tem seu amigo invisível. Eu tenho ninguém. Aproveite.

O silêncio ficou brincando na sala, esperando ser interrompido. Brincou por um longo tempo, até que Hugo fez questão de acabar com a brincadeira.

— Ei, Devit.

— Hum?

— Poderia fazer um favor pra mim?

—... Diga.

— Se sair, eles não vão atrás de você, já que acham que você é o criador deles. Procure os Scrupulum e reúna todas as capas deles. Depois disso, leve-as até aquela criatura que apareceu na transmissão. Entendeu?

— Pra que?

— Você vai saber. Faz esse favor pra mim?

— Sim, senhor.

— Boa sorte.

Os Medos entraram na sala naquele mesmo instante. Voltaram a mexer nas máquinas, e a luz dos olhos de Hugo parou de brilhar. Devit estava curioso de saber como o homem fazia aquilo, mas deixou a curiosidade de lado.

— Huh... eu posso ir no banheiro? — perguntou Devit, tentando achar uma maneira de sair daquela sala.

— Não tem banheiros aqui. — respondeu um dos Medos.

— Sério isso?

— Infelizmente, sim. Caso queira fazer suas necessidades, vai ter que procurar um vaso de planta ou algo do tipo.

— Bom, se é o único jeito... Posso procurar?

— À vontade, criador medonho. — o Medo soltou Devit da cadeira, e o deixou livre.

"Tão fácil." comentou Devit consigo mesmo. Sentia que alguma coisa ia dar errado. De forma sutil, Otsugua e Devit saíram da sala.

...

Agatha continuou encarando a tela, mesmo depois da transmissão ter acabado. Só havia um Medo na sua sala, e logo ele terminou de preparar as máquinas. Ele cortou a pele da fossa cubital da moça e por cima dele grudou um dispositivo ligado a um tubo que dava para uma bolsa de sangue escuro, com fita adesiva. O corte não sangrava.

Lentamente, a máquina ao lado de Agatha começou a mover a bolsa de um lado para o outro, e então a achatou com leveza. O sangue escuro e medonho passou pelo tubo, entrando nas veias da moça. Sua primeira reação foi gritar. A reação do seu sangue com o sangue medonho foi hostil. Uma batalha feroz se instalou no braço da moça. E todos os golpes daquela luta se desferiam primeiro em Agatha. O Medo da sala não teve reação. Continuou quieto e sério, sem se importar com os berros da moça. Parecia algo no qual estava acostumado.

— Gritar não alivia a dor, mas pode continuar se quiser. — disse ele, quando a voz de Agatha começou a enfraquecer.

Rangendo os dentes, ela tentou suportar o máximo que era capaz. A dor era intensa, não dando intervalos ou fraquezas. Ela queria sair daquela cadeira, interromper o processo, mas ela estava presa ali. Desespero começou a dominar a mente da moça, e ela tentava forçar as barras que a prendiam, mudando em nada seu estado, apenas piorando.

— Não mereço ficar ouvindo essa gritaria. — o Medo bufou e se preparou para sair da sala. — Quando terminar a dor, pare de gritar.

E saindo, ele fechou a porta atrás de si, abandonando Agatha com a dor. Berrou mais vezes, e começou a chorar. Gritos e lágrimas se misturavam, enquanto a dor se deliciava deles.

A bolsa de sangue medonho se esvaziou, e depois de mais alguns minutos dolorosos, tudo parou de repente. Sem dor, Agatha parou de gritar, e ficou confusa com o sumiço inesperado. O Medo entrou na sala, sussurrando um "finalmente!" e conferiu o rosto da moça. Seus olhos estranharam a visão. Ele começou a pensar, e deu um giro ao redor da moça, enquanto gesticulava coisas que Agatha não entendia, então parou em frente a ela.

— Moça, você é Intrépida ou Medrosa?

— 'Comum".

— O que?! Por que eles não me disseram isso? — o Medo saiu empurrando a porta com violência e, enquanto a porta voltava a fechar, a humana ouviu o Medo gritar com os colegas. — O que vocês têm na cabeça pra mandar uma comum pra transfusão?!...

Sozinha novamente, Agatha tentou escapar da cadeira outra vez. Mais sangue corria pelas suas veias, porém, não era medonho. O sangue continuava vermelho, e parecia refrescar e encher seus músculos de energia. Quem vencera a batalha no braço de Agatha havia sido seu próprio sangue, que consumiu o sangue medonho, o corroendo, transformando-o no sangue da própria moça. Na situação de comum, era possível corromper o sangue medonho, ao invés de ser corrompido. Mas claro, ela não sabia disso, e apenas comemorou a falta da dor.

...

A cela de Ronald abriu-se. Um Medo, depois de ouvir uma ordem de Devit, entrara e ordenara que todos os Scrupulum dessem suas capas, já que não a utilizariam mais. Todos obedeceram, e Devit se foi com as capas. Pouco depois, os atrofiados foram algemados e mandados para salas hospitalares, e Ronald foi também. Enquanto era encaminhado, ele ouviu a gritaria de Agatha. Certificando-se de que era a voz dela, Ronald rapidamente bolou um plano e o pôs em prática segundos depois.

O Medo que o guiava abriu a sala hospitalar, que era em frente à de Agatha. A moça parou de gritar segundos depois de Ronald ser guiado para dentro. O Medo da sala de Agatha saiu e o rapaz sentiu que era agora ou nunca. Encorajado, o rapaz empurra o Medo e foge para a outra sala. Ele tranca a porta e passa algum tempo encostado na porta, para impedir que o Medo a arrombe. Quando o Medo desiste, ele volta sua atenção para a moça.

— Agatha?! — ele se aproxima da cadeira, a qual está de costas para a porta.

— Ronald? — a cabeça dela se levanta. — Me tira daqui!

Apressado, o rapaz vai até a cadeira e começa a abrir as barras de ferro acopladas aos braços da cadeira e livra a moça do sofrimento. Num ataque de desespero e alegria, Agatha abraça Ronald com força. Ele recebe o abraço e o retribui com dificuldade por causa das algemas, acariciando os cabelos azuis dela, enquanto a mesma chora de esperança.

— A gente precisa encontrar Devit. — disse ela, sem largar do abraço.

— Mas ele é o criador dos Medos. Procurar ele faz sentido nenhum!

— Confia em mim, ele não é. Eu não acreditaria nem se ele mesmo me dissesse.

— Por quê?

— O Rei ordenou à Devit que destruísse o coração medonho.

— ... Agatha... é você mesmo? — Ronald se assustou.

— O que?!

— ...Seus olhos...! — ele sai do abraço e se afasta alguns passos.

Agatha procura ver seu reflexo nas máquinas polidas. Quando ela se viu, soltou um grito. Várias perguntas afloraram em sua mente, a deixando estática na sala. Os olhos que a fitaram de volta eram diferentes. Um continuava com sua cor comum: preto. Mas o outro estava branco, igual ao olho de um Medo.


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