Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 22
"Sete, um, doze, vinte e quatro, vinte e cinco..."




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Pensamentos tristes flutuam sobre sua mente. Culpa abraçava a criatura, ameaçando encher seus olhos de lágrimas. Sentia dor. Uma dor interna, não física. A pior das dores, porque ardia mais do que qualquer queimadura, estraçalhando a alma lentamente, como se a própria dor gostasse de ser sentida. Nada conseguia dizer. Os lábios finos e quase invisíveis da criatura estavam amaldiçoados a apenas dizer cinco números.

— Sete, um, doze, vinte e quatro, vinte e cinco... — repetia, incessantemente.

Aquele Medo Superior era muito diferente dos outros. Ficava dentro de um gigante cálice de mármore, protegido por um "teto" oval que ia até a metade do cálice, fazendo parecer uma espécie de cadeira para bebê. O teto era pintado de azul escuro por dentro, e nele estavam penduradas várias estrelas brilhantes, e uma lua minguante logo acima da cabeça da criatura.

O cenário amigável e um pouco escuro fazia contraste com a pele da criatura, a qual era branca como leite, exatamente o contrário de seus "colegas". Seus olhos eram totalmente escuros, mas nem por isso assustadores. Exalavam suavidade, tranquilidade e neutralidade. Mas nesse momento, carregavam tristeza consigo.

...

Adler foge. "Graças a Deus que eu não confiei no meu Medo desde o início" ele pensa. Hugo, ainda cego, corre mais rápido. Está quase alcançando Adler, quando o mesmo desvia e vai até o Palácio Medonho, deduzindo que lá estariam Loch e Devit, que com certeza iriam ser capazes de parar Hugo naquele estado.

Subiu as escadas como nunca tinha subido, e chegou até o portão. Descobrindo que tudo estava trancado, usou a espada e cortou todo aquele "plástico medonho" que o impedia de entrar, e invadiu o palácio. Devit ouviu de longe a porta abrindo com força e correu até lá, dizendo pra Loch que alcançava ele depois. Quando o homem chegou lá, a primeira coisa que Adler fez foi apontar para trás de si, mostrando que estava sendo perseguido. Devit, como um bom samaritano, carregou a dor do amigo para si, e se desafiou a derrotar Hugo naquele estado. Sussurrou algumas palavras em latim para Ostugua e começou a correr, pronto para enfrentar Hugo de frente. Num movimento inesperado, o Medo fez Hugo correr até a parede e escalar a mesma, até conseguir segurar um lustre, tudo isso numa velocidade assustadora. Otsugua seguiu os dois, se preparando para agarrar o Medo. Quando Devit pensou em subir também, Adler começou a gritar, colocando as mãos na cabeça. Gritava para que algo se calasse, e logo Devit percebeu que se tratava de um Surto forçado.

Otsugua, tueri mentem Adler! — ordena o homem.

Ele manda Otsugua proteger Adler de entrar em Surto, e então Devit decide ir atrás de Hugo, que agora está se pendurando nos lustres, rindo como um maluco. As habilidades de escalada de Devit são péssimas, por isso ele decide pedir um 'pézinho' pra Otsugua. Quando chega até o lugar onde Hugo está, o Medo manda Hugo pra baixo, fazendo com que todo o esforço de Devit tenha sido em vão. Devit, pela primeira vez naquela viagem, começa a ficar irritado. Conta até três e desce do teto, e sente que o impacto da queda quase quebra suas pernas. Enquanto agoniza agachado no chão, vê Hugo novamente subindo na parede. Logo percebe a armadilha:

Caso Devit tenha mais quedas agonizantes, Otsugua, de alguma maneira, vai sentir a mesma dor. Assim, ele não conseguiria proteger a mente de Adler.

— Você realmente vai me subestimar, homem? — Devit vira o rosto para Hugo cego.

— Sim. — Hugo sorriu. — Os Intrépidos são fracos, porque eles não pensam que podem ser derrotados.

— Eu já sei a sua estratégia, e não vou cair nela!

— A estratégia de Hugo sim, mas a minha você não sabe. — disse o Medo.

Hugo parou de escalar as paredes e aterrissou no parapeito de uma das janelas. Devit atacou com a espada e Hugo desviou com um pulo, acabando por pisar na arma, impossibilitando de Devit a pegar de novo.

— Ei, ei, o que você é sem essa espada? — perguntou o Medo. Hugo esfrega as botas na arma, fazendo com que a lâmina fria comece a aquecer, e consequentemente desfazer-se. Hugo aponta a sua espada contra Devit. — Hein, hein?

A lâmina da espada diminui, ficando a metade do tamanho anterior. O ponto fraco da arma contra os Medos era sua fragilidade diante de qualquer aquecimento, já que no fim das contas era apenas um gás nobre congelado, unido a uma empunhadura. Quando a lâmina se esvaiu por completo, o Medo fez com que Hugo descesse do parapeito da janela e começasse a atacar Devit com a espada dele, que havia permanecido intacta até ali. O duelo é interrompido por um berro de Adler.

— Por que tu estás lutando contra o nosso criador, seu imbecil?!

Hugo se vira, então o Medo de Hugo sai da cabeça do rapaz e encara Adler, que começa a se levantar. Seus olhos soltam uma fraca luz branca, evidenciando que o Surto havia dado certo. Não há sinais de Otsugua.

— Do que você está falando? — pergunta o Medo de Hugo.

— Tu tens amnésia? Olhe para o rosto dele. Não lhe é familiar? — pergunta o Medo de Adler.

O Medo de Hugo encara o rosto de Devit por um longo período. Devit não tem reação, e continua parado.

— Oh... Há quanto tempo. — o Medo sorri, levantando os braços.

Devit está confuso. Ele observa o Medo com cautela, e então levanta as sobrancelhas, como se lembrasse de algo que não poderia ter esquecido.

— A cirurgia apagou suas memórias, não é? — o Medo de Adler encarou Devit. — Quem diria que tu te esquecerias das tuas criações e de teus colegas, e os abandonaria nesta ilha, ignorando tudo o que eles haveriam de passar. Quem diria que tu foste o que pensou que os humanos não precisavam temer a nada nem ninguém. Quem diria que você era um Medroso esse tempo inteiro e tinha esquecido disso.

— Eu não sou um...

Então o que é Otsugua? — o Medo de Adler corta a fala dele, furioso. — Uma alma que nasceu ligada a você?! Faça-me um favor, pare de mentir a todos. Esta história foi a mais ridícula que tu inventaste para nos esconder. Você, Devit, mentiu para um mundo inteiro de pessoas. Mentiu para César, mentiu para Loch, mentiu para Ronald, mentiu para Agatha, e mentiu até mesmo para o seu melhor amigo, o covarde que eu estou controlando agora. Seu Medo do Invisível, nomeado de Otsugua, é o único Medo da espécie. Psico-físico, nível nove. Tem autoridade para comandar e força para segurar qualquer Medo, menos de nível dez. O detalhe do latim foi uma ótima maneira de esconder isso, mas você foi irônico quando perguntou à Otsugua aonde Agatha estava, na sua língua mãe, e ele o guiou, como se tivesse entendido tudo por completo.

— Como você...

— Acha mesmo que a segurança desse palácio é precária ao ponto de deixarmos três engraçadinhos entrarem apenas possuindo um dos doze guardas?

O homem ficou sem palavras. Começou a olhar para o chão, como uma criança envergonhada.

— Isso é verdade?! — uma voz ecoou pela sala.

Loch andou para fora do corredor e parou. Seu rosto carregava uma expressão desolada. Ele encarou Devit, que continuava com o rosto virado para o chão. O Medo de Hugo (da Dupla Personalidade) suspirou de tédio. Criou uma rajada de "plástico medonho" nas janelas e na porta e conseguiu as trancar. O Medo de Adler saiu da cabeça de seu dono e ao aterrissar no chão, deu uns leves tapinhas no ombro do rapaz, o consolando.

Hugo começou a se mover em direção ao corredor, seguindo seu Medo. No caminho estava Adler, que havia caído de joelhos e olhava para o chão, totalmente desiludido. Ignorando tudo o que seu Medo havia tido antes contra o homem, Hugo se abaixou e começou a amarrar o cadarço da bota, enquanto sussurrava:

Controle sua vontade de gritar e de cortar. Isso não vai te livrar dos Medos nem apagar tudo o que aconteceu antes. Por essa razão, vá ao porão e acabe logo com isso. Eu sei que soa muito contraditório, já que eu tecnicamente estou do lado medonho, mas você percebe que não se trata mais de sentimentos, e sim de criaturas inteligentes. Pelo amor de Deus, deixe pra resolver essas coisas depois de tudo isso aqui acabar.

Levantando-se, fingiu ter dito nada, e continuou a seguir o Medo. Adler refletiu nas palavras do atrofiado. Otsugua voltou para acompanhar Devit e eles se juntaram aos Medos e Hugo. Loch e Adler ficaram na sala, digerindo tudo o que havia sido dito.

— Ei. — disse Loch, depois de algum tempo.

— Diga.

— Precisamos de um plano.

— Estava esperando você dizer isso. — Adler sorriu.

...

Agatha está presa a uma cadeira de ferro, e olha fixamente para uma tela que está posta no teto. O Medo da Morte (o Medo do Rei Medonho), ouve o que acontecera através de mensagens enviadas a sua cabeça, mas não se importa muito e continua preparando a máquina.

...

Ronald e Alex ouvem com atenção a conversa entre os atrofiados. Alex nem entende o que está acontecendo, enquanto Ronald está ajoelhado no chão, decepcionado com o mago que tanto admirava. Mas depois de alguns minutos ele volta ao normal, apenas entristecido.

...

A culpa do Medo Superior branco diminui, fazendo com que seja capaz de ao menos parar de chorar. Se apoia no cálice, e olha para a caverna onde está preso. Imagina se alguém irá encontrá-lo. Enquanto isso não acontecia, ele apenas repete:

"Sete, um, doze, vinte quatro e vinte e cinco..."


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