Caravaneiros do Limbo escrita por GlauSimões


Capítulo 5
From Above and Beyond


Notas iniciais do capítulo

Queridos e pacientes leitores! Aqui estou para lhes trazer mais um capítulo depois de quase 3 meses:( ! Não. Essa a demora e irregularidade de postagem não me agradam. Se eu pudesse eu postaria um capítulo a cada 15 dias, porém o tempo e meu cérebro não me permitem fazer isso!

Trouxe uma capa nova! :P Me digam qual das duas vocês preferem, a nova ou a antiga?

Vou aproveitar este espaço para avisar que não irei abandonar a fanfic pelos seguintes motivos:

1) É um compromisso que estabeleci comigo mesma e com meus leitores.
2) Eu amo Supernatural/Sobrenatural e toda sua complexidade. É um grande prazer e alegria escrever “Caravaneiros do Limbo”, que além de ser uma atividade de lazer, também é um exercício de amadurecimento de escrita.

Recados dados, eu desejo a todos um Feliz Natal e um Magnífico Ano Novo!

Boa leitura!



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Logo após o sumiço de Castiel, os caçadores deixaram o esconderijo secundário dos Homens das Letras com destino traçado até a estação angelical localizada no estado de Missouri. Iriam até lá em busca de possíveis esclarecimentos do ocorrido, porém, antes de pegarem a estrada, providenciaram os suprimentos básicos para o pleno funcionamento de uma máquina e do corpo humano: litros de gasolina para completar o tanque, uma calórica porção de fast food mexicano e café.

O despontar róseo da aurora no firmamento anunciava o alvorecer enquanto uma fina garoa umedecia o asfalto da rodovia Interestadual 70 E, a qual ainda refletia os faróis intensos do carro negro que somava quilômetros rodados em uma urgência incomum, apressado para chegar ao seu destino final, já visível acima do horizonte, delineado por silhuetas de prédios.

O pé pressionou o pedal da embreagem e , concomitantemente, a mão enérgica reduziu o câmbio para a segunda marcha. O motor do Impala rugiu mais suave. O cenho franzido ressaltava o semblante centrado e um tanto irritadiço do motorista, direcionado ao carro da frente que o impedia de seguir o curso com a fluidez e velocidade desejadas.

— Acelera essa merda, roda presa! — Dean vociferou ao mesmo tempo em que acionou a buzina generosamente.

O comportamento explosivo do irmão chamou a atenção de Sam que interrompeu sua leitura do jornal diário para sugerir: — Acho que é apropriado aliviar o pé do acelerador, Dean. — Sam anunciou após observar uma placa de indicação localizada no seu lado da rodovia — Estaremos com Hannah e o resto do Esquadrão angelical em cerca de meia hora. — Sam percebeu que seu comentário foi mal recebido ao perceber que rosto do irmão se contorcia em uma ligeira expressão de desagrado e de incontestável insatisfação.

— Meia hora é muito tempo, Sam. Sabe o que pode acontecer em trinta minutos? — Dean direcionou uma olhadela para o irmão e logo encarou a estrada novamente — Um time de baseball que está perdendo a partida pode virar o placar em trinta minutos, meia hora é tempo suficiente para se divertir com uma garota gostosa, uma falange do Crowley pode colar grau em trinta minutos, o Cas pode bater as botas para nunca mais voltar nesse interím, sacou?! — o motorista disparou tudo de uma vez, sem ao menos respirar. As palavras se misturaram de forma frenética, quase se enlaçando umas às outras.

O Winchester caçula não respondeu e suspirou, o ar ainda contaminado com cheiro de burritos e café preencheu seus pulmões. Ele compreendia a gravidade do que eles enfrentavam e que cada minuto era precioso. Ele não retorquiu para evitar discussões tolas com seu irmão visivelmente alterado pela privação de sono e cansaço. Sam também sentia as manifestações da exaustão pesar sobre si, porém se vigiava para não agir de forma exageradamente desproporcional.

— Sobre o Crowley, não há sinais de mutilações de gado e nem de tempestades elétricas sem sentido na região, então se presume que nenhuma falange recebeu o diploma até então. — o caçador caçula comentou simplesmente.

— Ótimo! — Dean comentou vago e engatou a terceira marcha.

Finalmente os irmãos Winchester chegaram ao seu destino final: uma unidade da inteligência angelical estacionada em um prédio que parecia ser uma antiga fábrica. O interior do estabelecimento exibia o cenário de uma empresa em plena atividade. Vários anjos caminhavam de um lado para o outro, vestidos em trajes sociais e com o típico semblante ilegível estampado em suas faces.

Em meio aos anjos apressados, Hannah desenvolvia uma conversa constante e profunda com uma suas assistentes que segurava uma prancheta acrílica com as duas mãos e consultava as informações contidas nas folhas presas ao suporte enquanto ouvia a pergunta de sua diretora: — Quando foi a última vez que o anjo tentou sintonizar na nossa frequência? — a anja questionou depositando sua atenção total ao breve relatório. Hannah visivelmente se empenhava em sua função de segunda em comando durante a ausência de Castiel com proficiência e perspicácia.

— Há cerca de duas horas, senhora. O sinal foi captado em Lincoln, Nebraska. O ponto de origem está estático desde o último registro. Seja quem for não consegue manter uma sintonia estável, por isso, não conseguimos rastreá-lo adequadamente. Ele deve estar fatalmente ferido ou debilitado. — falou a assistente.

— Elabore um mapa da região considerando o raio de abrangência do sinal. A partir disto, será designado um grupo de agentes para resgatar o anjo.— delegou Hannah

— Sim, senhora. — disse a assistente, mas antes que pudesse se retirar para desenvolver tais tarefas, algo chamou sua atenção de modo que ela olhasse fixamente para um ponto atrás de sua superior por alguns segundos. Tal comportamento incitou a diretora se virar para trás e ao fazê-lo deparou-se com uma dupla de caçadores.

— Os Winchester. — Hannah disse em um tom que soou quase um murmúrio e pouco surpreso pela presença dos irmãos. Ela estava ciente que eles recorreriam à estação mais cedo ou mais tarde depois do ocorrido com Castiel.

— Eu suponho que vocês vieram por notícias de Castiel. — a anja foi categórica e certeira. Não esperou por uma resposta e logo emendou: — Ele está bem. Isso é tudo o que eu posso dizer. — Hannah se limitou a comentar pontualmente, o que provocou um rolar de olhos dos dois irmãos.

— O que você que dizer com “bem”? Ele parecia exatamente o oposto disso. — Sam se exaustou.

— Eu sei que você pensa que não somos boa influência para o Castiel e eu entendo isso. Qual é! É sobre o Cas que estamos falando. — Dean tentou convencer a anja mais uma vez.

Apesar das feições ilegíveis e olhos dóceis, a postura e os braços cruzados de Hannah demonstravam sua decisão resoluta. — Não. Eu sei onde ele está e eu não tenho permissão para falar sobre isso. — a anja se recusou mais uma vez. A franja dançou em sua testa em harmonia com o meneio negativo de cabeça.

— Nós sabemos que os anjos expulsos do Céu ainda não foram resgatados e que ele estão, no mínimo, em uma situação vulnerável aos futuros acontecimentos. — Sam revelou e a expressão de Hannah se enrijeceu temendo por vindouras baixas de seus irmãos. O índice de mortos aumentava todos os dias e, cada número somado, intensificava os desafios que o Céu enfrentaria para estabelecer sua nova conformação após a abertura dos Portões.

— Você tem uma equipe grande, mas vocês não conseguir vencer essa batalha sozinhos. — Dean disse algo que todos concordavam, porém não pronunciavam em voz alta, por sensatez ou falta de coragem.

Hannah desviou seus olhos de um azul diluído dos irmãos Winchester e pareceu ponderar. Por fim, a anja suspirou e disse — Há um anjo muito enfraquecido em Lincoln. Se ele se tornou humano, ele provavelmente procurou ajuda em um hospital. — a anja aceitou empreender esforços conjuntos com os caçadores para conter o processo daquilo que deixou de ser apenas uma rebelião de espíritos desencarnados mais por falta de opção do que por qualquer outro motivo.

— Iremos ajudá-los a encontrá-lo. — afirmou Sam.

Localizada no mesmo endereço desde o dia de sua fundação, a livraria Quartel General conquistou vários clientes, entre estes, passageiros e leais. Incluída nos últimos, a Sra.Smith, uma idosa viúva e amante de poesia, visitava a loja da família Lavigne regradamente duas vezes por semana. Sua mente e raciocínios lúcidos conservavam boa memória, a qual alimentava conversas bem-humoradas e sorrisos fáceis. Gladys, como insistia ser chamada, adorava despender alguns minutos matinais trocando palavras com Olívia, que estava afastada das atividades de livreira naquela manhã.

Pequenas frações da conversa da Sra. Smith com Donald chegavam aos ouvidos de Olívia, que estava na pequena cozinha da livraria, onde lia alguns livros sobre anjos caídos, os quais pegou do acervo. O conteúdo registrado nas linhas incutia-lhe preocupações pertinentes às conseqüências da situação na dimensão paralela. Seus olhos turvaram-se diante das páginas e sua mente levou-a para os dias passados de sua infância, época marcada pela origem de suas indagações e curiosidades. Elas foram as principais incentivadoras de seu futuro estudo sobre o complexo mistério do assunto pós-morte.

“Um corpo infantil repousava em uma cama aquecida e aconchegante, atipicamente preparada com diversas camadas de cobertores devido à recente falha no sistema de calefação da residência. O sono pesava em suas pálpebras, porém um ruído periódico e peculiar de unhas de um animal batendo contra o chão amadeirado despertava a pequena Olívia do estágio inicial de adormecimento. Por vezes, o barulho soava suave e distante e por outras, pesado e próximo. Como se estivesse em busca de algo ou alguém.

A menina olhou para o lado e avistou seu irmão bem embrulhado nas cobertas e mergulhado em tranquilo sono, totalmente alheio ao acontecimento em curso. Olívia tremeu debaixo das cobertas, mais por medo do que por frio, pois ela sabia o que testemunhava naquela rigorosa noite invernal, era um dos fenômenos que a acompanhavam há cerca de um ano, decorrentes do afloramento de seu sexto sentido que a permitia vislumbrar vultos durante o dia e silhuetas perfeitas durante a noite.

As passadas animalescas repercutiam progressivas e cada vez mais intensas, como se o única barreira entre as crianças e o animal fosse a porta entreaberta do quarto.

— Vincent! — a voz infantil soou fraca e trêmula, quase inaudível. Por tanto, seu chamado embriagado de medo não surtiu o mínimo efeito no irmão, que apenas abriu a boca e ressonou.

A porta do quarto dos gêmeos rangeu e Olívia fechou os olhos com força por instinto, porém tal ato não impediu que a menina visse a aproximação da silhueta escura quadrúpede de traços caninos, pois tal sensibilidade estava além das restrições físicas.

— Vince, acorde! — Olívia tentou novamente. Sua voz soou com um pouco mais de vigor, porém igualmente insuficiente para despertar o irmão adormecido.

A menina de cabelos cor de chocolate se encolheu e cobriu a cabeça com as cobertas numa tentativa de formar uma barreira protetora contra aquela criatura misteriosa que pulou em cima de sua cama. Olívia sentiu seu coração bater desenfreado, indicando que seu organismo funcionava sob uma dose extra de adrenalina, porém, o perigo eminente lhe havia paralisado, a privando de qualquer reação instantânea e instintiva.

Patas grandes afundavam no colchão enquanto a silhueta marchava em direção à menina e uma boca repleta de dentes afiados puxou as cobertas, revelando uma garota encolhida e apavorada. Olívia despendeu o ar conservado em seus pulmões num grito estridente de intenso pavor ao vislumbrar as feições bestiais da criatura tenebrosa”.

O toque macio de algo se enroscando em suas pernas a resgatou da traumatizante e inolvidável lembrança de infância. Meia noite, a gata da Mulher das Letras, fitava sua dona com seus redondos olhos amarelos. Olívia pegou a felina de pelos longos e negros do chão e a aninhou em seus braços massageando a parte de trás do pescoço da gata, que logo agradeceu o afago com um contínuo e sonoro ronrono.

Meia noite era uma gata comum, porém sua conexão felina com a dimensão sobrenatural auxiliava o trabalho de seus donos, os quais ficavam atentos a qualquer comportamento atípico da felina. Olívia tinha seu sono velado pela gata todas as noites, mesmo após sua mediunidade abrandar e se reduzir a meras ondas de arrepios.

Vincent entrou na cozinha e anunciou: — Os Winchester ligaram para cá e avisaram que estão na cidade. Eles devem estar aqui em breve. É melhor você se apressar e me ajudar a preparar os trabalhos. — sugeriu o Homem das Letras.

Olívia largou a gata no chão e pegou um punhado de livros e Vincent apanhou outro. Meia noite seguiu os gêmeos até parte do caminho e subiu a escada rumando à residência enquanto Olívia e Vincent se dirigiram a base subterrânea.

Houve tempo suficiente para Olívia reler seu último relatório e Vincent preparar as doses individuais do soro de sálvia divinorum antes de Donald entrar no recinto acompanhado pelos irmãos Winchester, que conversavam sobre a viagem até o estado de Missouri : — Foram quase 16 horas de estrada e não tivemos nenhuma informação concreta sobre o Cas. Ele pode estar em qualquer lugar, Westeros ou Essos — reclamou Dean.

— Conseguimos convencer Hannah de nos permitir ajudá-los a resgatar os anjos caídos. Alguns deles testemunharam o feitiço, portanto, talvez, eles tenham alguma informação sobre a reversão. — ponderou Sam.

— Há alguma informação atualizada sobre os anjos caídos além da internação hospitalar de alguns deles? — questionou Donald equilibrando os óculos sobre o nariz.

— Sim. A estação angelical rastreou um dos anjos caídos. Ele está em Lincoln, Nebraska. São quase três horas de viagem. — comentou Dean.

— Não é seguro ir pessoalmente lá. Ficaríamos expostos demais às ações dos espíritos e irmos munidos de sal e ferro não é uma opção muito prudente. Seria uma declaração de guerra! Precisamos chamar o mínimo de atenção possível! — Vincent explicou em tom solícito enquanto sua mente vagueava nas múltiplas possibilidades estratégicas.

— Além disso, é mais fácil identificar um anjo debilitado em viagem astral. — complementou Olívia.

— Eles estão certos. No entanto, inspecionar todos os hospitais da cidade requer muito tempo e isso é o que temos de menos. — disse Donald caminhando rumo ao computador a passos sustentados pela bengala. — Iniciar a busca nos hospitais de pronto socorro seria uma escolha conveniente. — ele falou prestes a iniciar uma pesquisa na internet.

O patriarca da família Lavigne elencou todos os hospitais de pronto-socorro de Nebraska e investigou as plantas arquitetônicas da maioria deles para o grupo estudá-las a fim de pré-estabelecer rotas.

— Precisamos definir rotas para qualquer situação. — disse Donald com a convicção de um profundo conhecedor da área.

— Elas são eficazes para poupar tempo e úteis para possíveis evasões. — disse Olívia.

Após um breve diálogo, alcançou-se um consenso: as principais rotas foram delineadas em verde e os trajetos emergenciais foram traçados em vermelho, considerando atalhos, porém poucos destes eram eficientes. Os caravaneiros precisavam estar preparados para toda a sorte de contingências, pois em breve estariam inseridos em meio a uma legião de espíritos desorientados ou revoltados.

●●●

O quarteto de caravaneiros passou pela recepção e prosseguiu pelo corredor que dava acesso a sala de espera do setor de emergência. Uma vez alcançado tal ponto, eles iriam se dividir nas duplas tradicionais, formadas por irmãos. Por entre as entrelinhas do chamado emergencial que soava no sistema de som do hospital e da locomoção da equipe de enfermagem do setor de emergência até a ambulância recém chegada, ressoava uma respiração cadenciada, porém ruidosa como aquela que vibra nos pulmões de uma criatura das trevas.

Um tanto temerosa, Olívia faz gesto com a mão para os demais ficarem alertas e andarem cautelosamente. Ao alcançar a esquina do corredor, a caravaneira esgueirou-se em sua extremidade e espreitou na direção originária daquele som nefasto. Lá estava ela, a criatura que a perturbou com visitas noturnas durante a infância, deitada no chão guardando uma das portas principais do hospital.

A pupila ganhou espaço na íris de um azul profundo ao reconhecer entidade a que não mais era apenas uma silhueta aos olhos de Olívia. A figura animalesca de corpo maciço e musculoso ergueu a cabeça e farejou o ar, em busca de algo que atiçou seu olfato. A criatura de aspecto canino virou a cabeça vigilante em direção ao corredor. Olívia não esperou para ver e recuou, voltando a ser ocultada pela parede, mas estava ciente que dois orbes escarlates, estranhamente quase humanos, vigiavam as duas dimensões e se destacavam da pele acastanhada e grossa coberta por uma fina pelugem.

Percebendo a súbita e ligeira reação da irmã, Vincent assumiu a posição de guia. Ele sabia o que produzia aquele som, porém raríssimas foram as vezes em que ele e a irmã se depararam com tal entidade. A última havia sido há uns quatro anos. O caravaneiro não ousou espiar novamente, pois tal ato seria um chamariz e culminaria na ruína da operação antes mesmo desta começar.

— Prestem atenção. — sussurrou Vincent antes de desaparecer e surgir no corredor do outro lado da sala de espera. Logo, ele acenou para os demais fazerem o mesmo.

— Vocês irão primeiro. Se concentrem e imaginem que estão do outro lado, e assim será. — Olívia os instruiu.

O próximo a se deslocar foi Sam, que oscilou algumas vezes antes de sumir por completo. Ele demorou alguns segundos para reaparecer vacilante ao lado de Vince.

— Certamente isso é mais difícil do que parece! — comentou Dean um pouco receoso ao observar o deslocamento do irmão. O caçador mais velho experimentou a mesma dificuldade que Sam, resultante da falta de prática.

Quando Olívia os alcançou, os aprendizes de caravaneiros experimentavam um breve mal-estar ao se mover no Limbo e exercer suas faculdades devido a alta concentração de moléculas de ozônio no ambiente hospitalar e a dose generosa de soro sedativo, a qual asseguraria uma projeção mais douradora e estável.

O momento dos Lavigne se separarem dos Winchester havia chegado: estes inspecionariam o lado leste e aqueles examinariam o lado oeste do hospital. Operar uma projeção astral em um ambiente hospitalar requeria disciplina devido às vibrações mórbidas e lúgubres emanadas por espíritos aglomerados ao longo dos corredores. Uns cegos aos outros, imersos em suas próprias remotas emoções e agonia, emitindo lamúrias fantasmagóricas.

Os irmãos Lavigne percorriam os extensos corredores do hospital, entrando de quarto em quarto em busca de algum paciente que não atendesse a mera condição humana. Começou com um zumbido estridente e lamentoso, o qual aos poucos, conforme eles se aproximavam da fonte, transformava-se em um silvo contínuo e pungente, quase hipnótico.

Eles entraram no cômodo que não era um quarto, mas uma ampla sala destinada aos pacientes da Unidade de Tratamento Intensivo. Cerca de uma dúzia de camas hospitalares estavam distribuídas pelo espaço e cada uma delas era separada por uma cortina verde-clara. Os Caravaneiros seguiam o som, no entanto, evitavam olhar os doentes acamados acompanhados por médicos e por espíritos obsessores, os quais em um coro sinistro de imprecação de males, transmitiam influências abomináveis aos enfermos.

Vincent e Olívia, testemunhas daquela molesta situação e de tudo que se revelava através da audição, finalmente encontraram o emissor do misterioso silvo. Um homem repousava sobre a cama hospitalar e seu aspecto físico exaltava a fragilidade de sua saúde: uma bolsa de soro e outra de sangue pendiam do pólo de gotejamento intravenoso.

Olívia se aproximou da cama para consultar o prontuário do paciente. Joshua era seu nome. Ele sofria de anemia hemolítica e reagia bem a transfusão de sangue de acordo com a recente anotação de uma enfermeira.

— Encontramos um deles! — um sorriso ondulou nos lábios de Olívia, somente para esmorecer frente ao total entendimento da condição do anjo caído.

— Andem logo, terminem com isso. — disse o homem abrindo os olhos. As escleras azul-acinzentadas denotavam sua enfermidade. — Estou pronto para aceitar a morte. — disse o homem em um fio de voz, sereno e destemido.

— Não somos como eles. — disse Vincent.

— Nós viemos ajudá-lo, Joshua! — completou Olívia mesmo com receio do paciente não compreender o real propósito de tal afirmação.

— Não, não. Este não é o meu nome verdadeiro. — disse lucidamente e então cerrou os olhos com força, talvez em um esforço de tentar retroceder a memória para recobrar a noção de quem era. — Ambriel. — o enfermo experienciou uma estranha familiaridade com aquele nome.

— Você caiu? — questionou Olívia ansiando por uma confirmação.

— Não conseguimos impedir Metatron. — o paciente lamentou como se buscasse vestígios de compreensões anteriores a sua experiência terrena. Um vapor de respiração espiralou no ar e os pelos de seus braços se eriçaram devido à brusca queda de temperatura.

Simultaneamente, as luzes verdes e os zumbidos mecânicos dos aparelhos que monitoravam os sinais vitais do enfermo oscilaram por um segundo e, tão logo se estabilizaram. Um homem com o rosto parcialmente desfigurado devido às extensas lesões de queimaduras surgiu na frente dos irmãos Lavigne. O espírito trajava um uniforme de trabalho chamuscado pelo fogo e manchado pelo sangue.

— Vão embora! Ele é meu! — bradou o homem, seu timbre carregado de um profundo sentimento possessivo.

Os Winchester percorriam os corredores do setor de recuperação, atentos aos ocupantes de cada quarto pelos quais passavam. Eles não tiveram sucesso na minuciosa busca até o momento, porém presenciavam fenômenos que antes desconheciam: A dupla viu um enfermeiro empurrando um paciente numa cadeira de rodas, os quais estavam inscientes da macabra presença de um espírito que os seguia, alimentando-se, deliberadamente, da energia vital do enfermo. Uma fina névoa prateada fluía de todo o corpo do doente e aderia-se a entidade espectral.

— Esse lance de induzir o sexto sentido é sinistro, não acha? — comentou Dean expondo sua estranheza perante aos acontecimentos inusitados naquela dimensão.

Antes que Sam pudesse responder, ele viu algo no lado oposto do corredor e estendeu o braço em frente de seu irmão, impedindo-o de prosseguir, disparando um aviso complementar: — Pare de caminhar! — o caçador sussurrou, ainda assim, o murmúrio retumbou nas paredes do corredor e chegou aos ouvidos da figura animalesca.

O monstro canino parou cheirar o chão e ergueu a cabeça. Logo que os olhos escarlates avistaram os irmãos Winchester, a criatura assumiu uma postura rígida de ataque, inclinando-se para frente. Fitava os caçadores furiosamente e os lábios peculiares se esticavam sobre os dentes afiados, em um rosnado ameaçador. Aquela criatura não era um Cão do Inferno, no entanto, tal constatação não invalidava a possibilidade daquela figura canina ser uma entidade comandada e designada pela alta cúpula da rebelião para atuar na arena em que o Limbo se tornou.

— Recue devagar! — falou Sam puxando Dean pelo casaco para trás.

Ao mínimo movimento dos caçadores a besta ladrou e impulsionou seu gigantesco corpo em uma perseguição desigual, as quatro patas raspando no chão num ímpeto ferino. Os olhos astutos alvejavam os intrusos e a boca arreganhada ansiava por alcançá-los.

Sam e Dean corriam desenfreadamente, desprovidos de oportunas habilidades, em direção a rota de fuga previamente estipulada, e, para tanto, desviavam de médicos, pacientes e visitantes a fim de evitar e desconfortável sensação de transpassá-los. Porém, tal ação os deixava mais lentos e vulneráveis ao ataque eminente. Os caçadores ouviam o resfolegar da criatura atrás de si. Repentinamente o ruído cessou e Dean arriscou olhadela para trás: o perseguidor havia, misteriosamente, sumido.

— Onde ele está?! — os irmãos perguntaram em uníssono olhando ao redor.

Dotada de uma inteligência incomum a besta ressurgiu na frente dos Winchester, investindo em uma emboscada surpreendente e arruinando a fuga. A criatura equilibrou-se sobre as patas traseiras e jogou-se contra os caçadores, porém, sua tentativa em derrubá-los apenas lhe rendeu um sucesso mínimo: uma das patas pesadas arranhou as costas de Dean. O primogênito dos Winchester urrou, mais pela natureza de uma reação instintiva do que por qualquer outra coisa prática, pois não sentia dor alguma.

Inspirados pela urgência em fugir, os irmãos corriam desordenadamente, tentando despistar a criatura que vencia a distância entre eles com facilidade. Dean e Sam se desviaram de um idoso e desaperceberam que uma porta de ferro, a qual indicava que ali era uma área de acesso limitado, obstruía a continuidade da fuga. A criatura exibiu um sorriso tão triunfante quanto sombrio, deliciando-se com a outra oportunidade de encurralá-los no emaranhado de corredores.

Bastou um ligeiro gesto de mão do ancião e os Winchester viram labaredas súbitas abraçarem o corpo inflamado do monstro canino. Elas rodopiavam e contorciam-se em uma dança lenta e letal. As línguas laranja e vermelhas arrancaram-lhe um ganido longo e agonizante. Logo, ouviu-se apenas o rugido imponente das labaredas e os estalos dos restos da criatura. Fagulhas incandescentes erguiam-se na fumaça escura e flutuavam.

A volumosa fumaça cheirava a ozônio e subia até encontrar o teto, porém não acionava o sistema contra incêndio e tão tampouco intoxicava todos os ali presentes, alheios ao ataque da criatura. Aturdidos, os caçadores compreenderam, em plenitude, o ofício oculto dos caravaneiros: ninguém, além deles mesmos, testemunhou o acontecido, logo, ninguém lembraria. A multidão ocasional mostrava-se indiferente em ambas as dimensões. Os cativos no Limbo, imersos nas particularidades de suas vidas passadas e os demais, privados daquela cena devido ao tênue e oscilante véu da vida.

Os caçadores perceberam que o idoso de faculdades sobrenaturais também contemplava as chamas desfalecentes próximas ao o que sobrou do mastim monstruoso, apenas cinzas. A sugestão de um sorriso satisfeito despontou no rosto ancião incomum: traços octogenários modelavam a pele cinzenta adornada por rugas e realçada por olhos negros afundados em órbitas desidratadas rodeadas por intensas olheiras. Gradativamente, os traços senis regrediram e cederam espaço a traços de uma tez sazonada na quinta década humana, a qual apenas ocultava os incalculáveis anos percorridos em sua jornada existencial, marcada por eras que iam além da limitada compreensão humana.


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