Onde está você, Kiara? escrita por Rodrigo Lemes


Capítulo 1
Capítulo 1 - A ressaca da vida não sai de mim


Notas iniciais do capítulo

- Espero que gostem do primeiro capítulo, afinal é só o primeiro, então tentei deixá-lo o mais explicativo e menos chato possível. E continuem acompanhando, garanto que vão gostar.



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Quando eu era pequeno e chegava com a mãos sujas de areia da praia em casa, minha mãe gritava e falava pra eu ir lavar logo aquela sujeira. Agora, quase dez anos depois, eu chego com as mãos sujas de vermelho sangue e a única coisa que vejo são os olhos dela lacrimejando. Ela não brigaria ou gritaria comigo igual antes. Nem ao menos levantaria um dedo para tentar me machucar. Ela simplesmente permanecia com seus olhos cor de mel, de aparência quase despercebida por conta da vermelhidão do choro, me encarando.
"Desculpa... Mãe", foi a única coisa que consegui botar para fora da boca, como se um único pedido de desculpas fosse suficiente para que todas as merdas se resolvessem e voltassem ao normal.

___________________

Era uma manhã de verão como qualquer outra no litoral paulista: ar úmido, sol escaldante, buzinadas irritantes e boa parte das grandes avenidas congestionadas de carros. Geralmente, as pessoas costumavam ficar mais agitadas quando a época de natal se aproximava, já que todo mundo adora ganhar presentes e comer bem.

De qualquer forma, a minha playlist do celular já havia passado da décima música (algo nunca feito antes, já que sou inquieto demais), e o carro do meu pai continuava estático na mesma avenida, conseguindo andar poucos metros. Desde então, ele não puxou nenhum assunto de grande relevância comigo, sem ser aqueles clichês de como eu estava na escola, na vida amorosa, etc.

Chega até a ser meio insensível da parte dele perguntar isso, pois ele sabia que tudo aquilo andava mal demais. Mesmo assim, ele era um cara meio tímido e quieto, então deveria estar fazendo de tudo para parecer mais simpático.

Enquanto observava os raios solares invadirem boa parte do vidro do carro, circulou a informação no meio do trânsito que havia ocorrido uma leve batida poucos quilômetros a frente de onde estávamos, e por isso houve todo aquele congestionamento.

"Pelo menos não morreu ninguém", comentei com o velho, logo após o guarda de trânsito ter saído de perto do nosso veículo.

"É, deus as vezes é bom demais com outros Alex", limitou-se a responder meu pai, nervoso com toda aquela situação.

Depois de mais alguns segundos franzindo a sobrancelha de raiva, ele bateu a mão esquerda no volante e se dirigiu a uma rua contrária de onde estávamos, encontrado um pequeno posto de gasolina depois de percorrer alguns metros a fundo. Ele deveria estar tentando fugir de toda aquela confusão na esquina, porém, parou ao lado daquele lugar para abastecer.

"Filho, eu vou naquela padaria ali tomar uma cerveja. Pega esse dinheiro aqui e come alguma coisa na lanchonete do posto" Anunciou o coroa, entregando-me uma nota de vinte reais e alguns centavos na mão. Enquanto ele atravessava a rua para ir naquela padaria, vi algumas pessoas o cumprimentando de 'Oh Dante, tudo de boa meu brother?', o que me fez pensar que ele não era tão fracassado assim. Deveria ter alguns amigos na cidade que fossem tão bêbados e chatos como ele, mas mesmo assim, o estilo do meu pai não combinava muito com o restante daqueles caras barrigudos ou magros demais que usavam camisas de futebol. Ele permanecia com seus cabelos pretos quase intactos depois de quarenta anos de vida, se vestia bem com uma camisa de botões preta com a manga curta e uma bermuda jeans clara que deixava suas tatuagens na panturrilha expostas. Não lembro muito bem quando ele havia feito aquelas tatoos, já que ele sempre teve elas quando eu era pequeno e eu tinha a mania desenhar na minha pele para ser 'igual o papai.'

Entrei naquela lanchonete, e enquanto escolhia um x-burguer na prateleira, observei como aquele atendente era um cara estranho de visual. Tinha os cabelos pretos presos a um rabo de cavalo, um óculos de grau grosso de lentes quadradas, e dois alagadores nada discretos nas orelhas. A barba rala no queixo completava ainda mais a aparência esquisita. Bom, pelo menos ele tinha um emprego, coisa que eu não conseguiria tão cedo.

"Um x-burgue com batata frita e uma coca-cola de 350ml", pedi para o cara esquisitão, que tinha no crachá o nome de 'Bill'. Afinal, que caralhos de pessoa se chamaria Bill?

"Ok.. Cara.." Falou o garoto, anotando meu pedido. Depois de pegar o refrigerante da geladeira e me entregar o lanche, ele resolveu continuar conversando comigo. E olha que eu nem era tão legal assim conversando com as pessoas. Sempre fui meio calado e antipático. "Ah, seu boné é irado brother", complementou.

"Ah, valeu..." Respondi, ainda meio tímido, ajeitando o meu boné vermelho-vinho dos Yankees para trás do cabeça.

Enquanto Bill começava a falar ainda mais comigo sobre a cidade, as bandas de rock que ele curtia ouvir e outros assuntos anônimos de conversa entre dois desconhecidos, um homem alto, de pele branca e cabeça quase raspada entrou na lanchonete, batendo a porta com uma força desproporcional. Ele rapidamente sacou um canivete do bolso de sua calça, apontando-o na nossa direção.

"Fiquem calados e passem a porra da grana que eu não machuco ninguém", Gritou o homem, com uma voz feroz e aguda.

Obviamente, eu tinha duas certezas: Aquele canivete não mataria dois homens de uma vez, por mais que eles fossem fracos como eu e aquele atendente magricela. E ele não usaria uma arma de fraco porte para assaltar um estabelecimento se não fosse, no minimo, forte fisicamente.

De qualquer forma, o bandido adentrou a porta e estava a poucos metros de mim, caminhando na direção certa do banco onde eu sentei. Segurava a arma branca na mão direita, e se eu não fizesse nenhum movimento, ele provavelmente iria me machucar feio para conseguir abrir caminho até o caixa de dinheiro. Não pensei duas vezes e raciocinei: O que minha mãe faria numa hora dessas?

Ela era uma pessoa briguenta e nervosa e já havia machucado caras muito maiores do que ela, que sempre foi uma magricela baixinha e pequena como eu.

Sem querer, acabei sendo objetivo: Já havia me metido numa briga semana passada e minha vida estava fodida, assim como meu olho roxo. Tentar bater num ladrão duas vezes maior que eu armado com uma faca não seria tão radical assim diante daquelas circunstâncias. Sendo assim, não hesitei: peguei aquela cadeira de metal da loja e a atirei encima do rosto daquele homem antes que ele pudesse me machucar se aproximando. O bandido caiu sentado, com a testa aparentemente sangrando e a sobrancelha cortada.

Aquilo foi o suficiente para que eu e o desajeitado Bill para que podássemos sair em disparada da loja em busca de ajuda.


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