Prisoner escrita por bitterends


Capítulo 29
E se eu fosse nada?


Notas iniciais do capítulo

Eu estava ouvindo a música "What if I was nothing?", All that Remains (acho que a banda é essa), quando comecei a escrever esse capítulo e achei o nome dela muito apropriada para o que eu queria transmitir. Obrigada a quem teve alguma paciência ao longo desses anos. Esse é o penúltimo capítulo e espero que goste!
Beijos e boa leitura.



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Hathor estava aos seis meses, um bebê encantador e sorridente, fazia graças para Khalil, derretendo-o a ponto dele esquecer da existência de Alice.

O menino não estava sendo amamentado por ela, rejeitava o leite materno assim como rejeitava seu colo, o que afundou ainda mais a mulher numa angustiante depressão. Como o filho podia amar mais ao homem que a fez sofrer do que a ela mesma? Como ele ousou ter cabelos negros e os olhos azuis escuros? Como ele ousou ser nada parecido com seu verdadeiro pai? E por que ela não sentia tudo o que deveria sentir pelo bebê?

As horas longas de reflexão a estavam enlouquecendo e ela precisava fazer algo que mantivesse um fio de sanidade em sua mente, para que fosse capaz de realizar o que vinha planejando desde a última semana de gravidez.

Levantou-se da pedra em que estava sentada próxima ao desfiladeiro que dava para o mar e quando virou em direção ao interior da casa, assustou-se ao dar de cara com Khalil segurando a criança nos braços.

— Você me parece muito doente, Alice. Está pálida. - disse ele ao vê-la e finalmente reparar em sua aparência.

— Foi apenas o susto que levei agora.

— Tem certeza? Você precisa de um médico, ou uma internação…

— Internação? Você só pode estar brincando comigo! Não basta meu filho preferir seu colo e seu amor? Você o quer só para você me internando? Só me falta… me internar, assinar o divórcio e roubar a guarda do meu filho por alegar que sou mentalmente incapaz de cuidar dele! - Gritou a moça.

— Não pensei em nenhuma dessas coisas, não precisa se alterar e gritar na frente dele. Estou pensando no seu bem.

— Meu bem? É tarde para se preocupar.

— Você dramatiza tanto as coisas, eu me questiono sempre o porquê de me importar com você ainda.

— Não sei se algum dia se importou de verdade, mas não quero discutir mais. Nunca mais.

— Eu também não quero mais discutir, quero que Hathor cresça com tranquilidade… Quero que ele seja criado como você foi, cercada de amor. Ele não vai crescer como eu cresci, em meio de internatos e brigas. Não vamos pensar em nós dois, te peço para pensar em nosso filho.

— Ele não é seu filho. - Alice respondeu tomando a criança abruptamente em seus braços, deixando Khalil furioso para trás.

Entrou em seu quarto com o bebê nos braços, ele estava inquieto, porém sem chorar como fazia sempre que ela o segurava. 

Sentou na beirada da cama e desabotoou a camisa, rezando para amamentar um pouco porque os seios estavam doendo muito e ela não aguentava mais retirar o leite através de "ordenha", como estava fazendo nos últimos três meses. Como quem compreendia o apelo, o bebê a olhou nos olhos e assim fez.

Alice finalmente estava amamentando. As lágrimas foram caindo, ela chorava de dor e uma outra coisa que não sabia o que era. Hathor foi amamentado por duas horas e meia. Alívio.

Os dois dormiram.

Khalil observou os dois momentos antes de adormecerem e a esposa pareceu não notar que ele estava ali. Quando ela suspirou profundamente, ele se juntou aos dois na cama, acariciou os cabelos dela e sentiu o aroma dos fios que pareciam ter sido lavados naquele mesmo dia. Khalil ainda gostava de sentir o cheiro dela e depois que se tornou mãe, Alice parecia tão sagrada para ele que não sentiu vontade de tocá-la, nem a qualquer outra mulher. Não até aquele momento em que sentiu o cheiro da pele dela e de seus cabelos.

Relembrou como estavam ardentes no início do casamento e também pouco antes dela anunciar a gravidez. Passou a mão pelo corpo da mulher adormecida e ela não se mexeu. Começou a beijar a nuca e os lábios dela, até que a acordou.

Alice não lutou contra ele, nada falou. Quando percebeu que ele estava pronto para invadir seu corpo após todo aquele tempo, apenas assentiu com a cabeça, fechou os olhos e esperou que ele acabasse. Ela sabia que aquela era a última vez em que passaria por aquela situação.

Quando Khalil se satisfez, ela virou para o lado e abriu espaço para ele deitar ali. Apertou o filho contra o peito e também foi envolvida por um abraço.

Os três adormeceram juntos, pela última vez.

 

***

Por volta de 2h da madrugada, Alice despertou e levantou-se com pouco ruído enquanto deixava na cama marido e filho, ambos dormindo feito pedra. 

Encaminhou-se ao banheiro para um banho quente e demorado, ensaboando e esfoliando com força a pele. Lavou os cabelos que eram longos e sem brilho agora. Alice não tinha mais brilho algum, da pele ao olhar, parecia um enorme vazio dentro daquele corpo.

Vestiu uma camisola bonita e um robe de seda por cima, trançou os cabelos ainda molhados e passou batom nos lábios, sabendo que não precisava fazer aquela cerimônia toda.

Acariciou o rosto do filho e um misto de culpa a invadiu, por deixá-lo com seu agressor. Ao mesmo tempo, sentia que ele seria bem cuidado e amado por aquele homem dormindo ao lado dele.

Pousou um bilhete com algumas palavras na penteadeira:

"Preciso descansar. Não afaste Hathor de meus pais, ele é tudo o que restou de mim para eles. Se você tiver algo bom dentro de você, por favor, dê a ele. Adeus."

No escuro da casa encontrou o caminho para fora, andou pelas pedras até chegar na beirada do precipício para o mar, sentindo o vento forte que prenunciava a tempestade por vir dentro de algumas horas chacoalhar seu corpo. Sorriu, estava sentindo algo, finalmente alguma emoção.

Alice abriu os braços, o tecido do robe esvoaçando deu a ela uma imagem belíssima, como se fosse uma criatura divina a levantar vôo.

A imagem de Lorenzo veio à mente da moça e ela sorriu mais uma vez.

"Estou indo te encontrar, meu amor."

Pegou impulso e saltou.

O frio e em seguida, nada.

Mergulhou na imensidão do fim da existência.

Um profundo, mas reconfortante, nada.

Não existia mais dor.

Não existia mais desânimo.

Não existia mais vontade de sumir.

Não existia mais prisão nem prisioneira.

Não existia mais Alice.

 

Alice estava morta.





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