João levantou, fez sua higiene diária e sentou-se a mesa, próximo á Karina.

— Bom dia, maninha!

— Bom dia! E maninha nada, porque você é adotado! — Disse Karina, no tom de ironia, o qual sempre costumava usar.

— Olha quem fala, quem vê pensa que você é filha legítima do Lobão. — O irmão revidou, no mesmo tom de brincadeira. Os dois riram e mantiveram uma conversa sobre coisas do cotidiano, como sempre.

***

Lobão era "quase" o pai deles. Na verdade, ele dizia a todos, inclusive aos jovens, que os tirou das ruas para uma vida melhor. Jorge Lobo era dono de uma academia de Muay Thai da cidade, e não era um sujeito muito amigável. Criara os jovens com ele por que achava que poderia ter vantagens com isso. Principalmente com Karina, ao perceber que, em uma briga de criança com João, a menina se dava melhor e teria potencial para ser uma estrela do Muay Thai. O mestre, então, começou a treinar Karina desde cedo.

Já João, não tinha potencial algum. O menino era franzino, magrelo e medroso, desde sempre. Lobão mandava-o fazer tarefas na academia, já que não serviria para trazer prêmios para a mesma. Todas suas vidas, João e Karina passaram assim: de casa para a escola, da escola para a academia, só que por razões distinstas. A menina amava Muay Thai, sentia que era a única coisa que a fazia especial. Para o irmão era diferente: fazia todas as suas tarefas porque se sentia na obrigação, e em dívida com a pessoa que lhe havia dado um lar. Quando estava livre das atividades, o jovem passava a maior parte do tempo em video games. Achava que aquele mundo fazia mais sentido que sua realidade, onde fora abandonado pelos seus pais e agora levava uma vida monótona e triste. João também não gostava muito de pessoas, a única pessoa que tinha aprendido a ter afeto, era Karina.

***

Ainda na conversa na cozinha, Karina lembrou de algo importante:

— Nossa Jhonny, hoje é seu aniversário né? Parabéns — A menina o abraçou.

— É o que parece — Ele riu — Obrigado! Agora que eu tenho 18 anos, posso fazer o que eu quiser... — Disse ele, bastante empolgado com a ideia de liberdade.

— Vai nessa, e quem disse que o Lobão vai deixar você fazer tudo que você tá pensando? — Ponderou a irmã.

— Eu sei que ele não deixaria, mas o ponto é que agora eu não preciso mais de permissão. — Explicou para a caçula, seu olhar brilhou, parecia estar sonhando com algo. — Agora eu vou colocar a cara no mundão e viver como eu sempre quis!

— Hã? E onde você vai viver? como vai comer? Você tá maluco Johnny? — Questionou a caçula, preocupada.

— Fica tranquila Ká, por que esse tempo todo eu já tava planejando tudo. Eu consegui um emprego em um hotel, perto de uma tal "Ribalta". O bairro é bom, e eles vão me deixar ficar com um quarto lá. — O rapaz contou sobre seu "plano de fuga".

— E você vai ficar sozinho lá?

— Vou. A menos que você queira vir comigo, irmãzinha. — João sorriu e estendeu sua mão em direção a Karina, como um convite.

— E o meu sonho Johnny? Você sabe que pra eu realiza-lo eu tenho que permanecer aqui. Meu lugar é esse. Eu gostaria de ir contigo, mas eu não posso. Não agora. — Embora estivesse um pouco receosa com a partida do irmão, pensava em seu futuro. O melhor que tinha a fazer no momento era ficar na Khan.

— Tudo bem, eu te entendo. — Bagunçou os cabelos curtos da menina, que fez uma careta engraçada. — Mas o meu lugar não é aqui, e nunca foi. Vou achar onde eu pertenço. Mas eu prometo que vou dar um jeito e voltar pra te buscar, ok?

A lutadora concordou, e o irmão beijou sua testa. Eles deram um longo e apertado abraço. Depois ele pegou suas malas e partiu rumo ao seu destino.