Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 46
46. Mau pressentimento


Notas iniciais do capítulo

Ei pessoal, como vão? Espero não ter demorado!

O capítulo atual foi bem tranquilo de escrever, apesar de o próximo ter basicamente arrancado a minha alma do corpo (sim, o capítulo 47 já está pronto, JURO!). Gostei de detalhar um pouco mais essa nova relação da Emma e do Dean, e espero que vocês também curtam.

Anúncios dados, boa leitura a todos! (:



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/615585/chapter/46

HORAS MAIS TARDE, acordei com a voz barulhenta do Axl Rose martelando na minha cabeça. O som do carro era alto, e, apesar da sonolência que acometia meu corpo, fui capaz de encontrar forças para dizer qualquer coisa em um tom razoavelmente normal.

— Pode, por favor, abaixar essa coisa? — resmunguei para Dean, que estava tão distraído murmurando a música no ritmo que não notara que eu havia despertado.

Quando percebeu que eu falava com ele, me encarou de soslaio, franzindo o rosto.

— Guns N' Roses é uma religião, demonstre algum respeito — disse o Winchester.

— Demonstre algum respeito pelo meu momento de descanso, isso é que é sagrado.

— Já estamos em Rock Springs, a caminho do hotel mencionado pelo grande amor da sua vida, Justin Blake, o próprio. A hora da soneca acabou, querida.

Meus olhos quase saltaram das órbitas enquanto eu os revirava.

— Diga algo assim de novo e eu farei você comer a própria língua.

Naturalmente, fora um dar de ombros e uma risada despreocupada, a ameaça não pareceu surtir muito efeito em Dean. O homem levou a mão livre até o painel de rádio do impala, exibindo um pequeno sorriso enquanto abaixava o volume e permitia que a minha cabeça finalmente parasse de zunir.

Aproveitei a oportunidade para dar uma olhada na aparência do loiro. Apesar de eu achar que ele devia estar esgotado, sua expressão dizia basicamente o contrário; não havia sinal algum de cansaço ali — as olheiras em seu rosto, escuras demais para serem superficiais, não pareciam afetá-lo significativamente, além da postura ereta e firme de alguém que não daria o braço a torcer tão facilmente. Pude notar, também, que todas as latas de refrigerante e energético que tínhamos guardadas no banco de trás horas antes haviam desaparecido misteriosamente.

Suspirei, cansada demais para discutir, embora ainda indignada o bastante para não ignorar a situação.

— Você poderia ter dormido um bocado, sabia? Ainda pode — comentei, olhando-o com uma expressão severa que, eu esperava, pudesse passar a irritação que eu sentia naquele momento. — Foram dez horas de viagem, Dean. Por favor, descanse um pouco.

O caçador deu de ombros, como se o fato não fosse tão relevante. E para ele, talvez, realmente não fosse, mas eu já estava começando a ficar seriamente preocupada com o bem estar mental de Dean.

— Não temos tempo pra isso. Já te disse que estamos chegando, não disse? — ele revirou os olhos para minha atitude, negando, mas eu sabia que o loiro estava pior do que deixava transparecer. — Ainda tem alguns pacotes de salgadinho e doces ali no banco de trás, então vê se come algo até lá. Você tem quinze minutos.

Eu apenas deixei que meus ombros caíssem, soltando o ar que prendia e negando em um gesto derrotado. Convencer Dean a colocar a própria saúde antes de um caso sempre fora uma causa perdida — e o Caso Adam, em particular, parecia a maior de todas elas.

— Você, pelo menos, comeu alguma coisa? — perguntei, suplicante.

O loiro exibiu um sorriso gentil, assentindo minimamente.

— Sim, não se preocupe. — Ele disse isso tentando soar sincero, mas eu conseguia enxergar em seus olhos que aquilo não era verdade. — Eu estou bem, M, sério, não esquenta.

Eu sabia que poderia passar horas discutindo com ele dentro daquele impala antes que Dean sequer admitisse o cansaço e a fome que o rondavam. Aquele caso parecia ter se tornado um tanto pessoal para o Winchester, e eu tinha a impressão de que ele não descansaria até tê-lo inteiramente resolvido. Assim sendo, não me restava outra alternativa exceto a de concordar com suas ações extremas por hora e simplesmente torcer para ter argumentos mais convincentes contra ele mais tarde.

Distraída em meus pensamentos, não notei quando o pequeno objeto pousou em meu colo subitamente. Eu ergui os olhos para Dean, em dúvida, e o Winchester me ofereceu outro de seus sorrisos como resposta.

— Você ainda parece acabada — justificou ele, apontando com o queixo para a garrafa de água que eu agora segurava. — Isso deve melhorar um pouco as coisas.

— Talvez eu estivesse melhor se tivesse sido acordada da maneira apropriada — acusei, semicerrando os olhos para a expressão presunçosa que o loiro exibia como um troféu.

Tomei alguns goles, mesmo que meu orgulho me instruísse a morrer de sede. O líquido desceu morno em minha garganta, mas meu corpo não pareceu se importar com aquilo e agradeceu mesmo assim — água era água, afinal, e refrescava de todos os jeitos. Aproveitei a oportunidade para pegar um pacote de chips do banco de trás, oferecendo alguns a Dean, que só aceitou porque sabia que era a maneira mais simples de evitar outra discussão.

— Você sabe ser irritante quando quer — murmurou ele, levemente irritado. — E eu te acordeisim, delicadamente. Quer melhor forma de despertar do que ao som de November Rain? — de repente, seu olhar se guiou até mim com uma expressão perversa, anunciando que não vinha coisa boa pela frente. — Talvez fosse preferir um beijo delicado, hein? Ou talv...

— Vá para o inferno, Dean Winchester.

Dean riu e deu de ombros.

— Já estive lá, se quer saber. E não acho que valha a pena repetir a tour.

Ergui uma sobrancelha, encarando o loiro de soslaio enquanto acabava com os salgadinhos no meu colo.

— Faz sentido que tenha voltado. Eu não imagino o Diabo suportando alguém como você na casa dele, de todas as formas.

— Eu chutei Satã da própria casa, pra ser bem claro — ele sorriu para mim com um olhar convencido. — E pro seu conhecimento, vocês dois não seriam exatamente melhores amigos, sabia?

Eu revirei os olhos enquanto Dean me direcionava um olhar afiado, quase cúmplice, salvo o fato de que eu não entendia muito bem aquela história entre ele e Sam e, naturalmente, o loiro não estava muito disposto a esclarecê-la para mim além do necessário.

O que me restou foi dar de ombros, torcendo para que um dia eu pudesse me sentar ao redor de uma fogueira e ouvir atentamente a todas as histórias mirabolantes dos irmãos Winchester; desde a caçada a John, o pai, até o momento em que salvaram o mundo de literalmente morrer em um confronto entre os poderosos arcanjos, Miguel e Lúcifer. 

Eles eram heróis, mesmo que o restante da humanidade não fizesse ideia disso, e eu tinha plena intenção de saber mais sobre aquilo.

— O que você quer? — indagou Dean, desconfiado, notando que eu o encarava.

Eu sorri e desviei o olhar.

— Vai me contar tudo algum dia?

Dean suspirou, encarando a estrada fixamente, sabendo que eu não cederia ao silêncio — sua história era interessante demais para que eu simplesmente a ignorasse. É claro, eu poderia fazer meu dever de casa pesquisando outras fontes ao redor dos Estados Unidos; o país estava repleto de caçadores que sabiam mais sobre os Winchester do que eles mesmos gostariam. Mas por que eu faria algo assim, tendo ao meu lado a melhor fonte de todas?

O loiro pareceu entender que ir contra a minha vontade era uma causa perdida, pois bufou de frustração. E, mesmo sabendo que poderia se arrepender daquilo mais tarde, Dean cedeu ao meu pedido.

— Um dia, M. — Concordou ele, dando um pequeno sorrio. — Você saberá de tudo.

Eu apenas acenei positivamente, assentindo, completamente satisfeita. 

Um dia, Winchester, imaginei, sorrindo internamente.

[...]

Como Dean havia dito, alcançamos o motel em poucos minutos. Por precaução, o loiro decidiu estacionar algumas quadras antes, depois de eu finalmente convencê-lo de que um modelo de carro de vinte anos atrás em pleno século XXI definitivamente chamaria a atenção de quem quer que estivesse vigiando o lugar.

— É um clássico! Não tem nada de errado com ela! — protestou o Winchester, indignado.

— É um carro, Dean, não ela. E é do século passado! Ninguém usa uma coisa desse tipo hoje em dia.

Dean me encarou como se eu o tivesse apunhalado pelas costas.

— Você é um monstro sem coração — disse em choque.

Eu revirei os olhos para o drama, decidindo seguir em silêncio a partir dali. Algumas ruas depois, estávamos apoiados em um prédio velho na esquina da rua pouco movimentada em que o motel se encontrava, procurando, de forma discreta, por quaisquer câmeras ou olheiros que pudessem deixar os cabelos da nossa nuca em pé.

O lugar não era nada luxuoso, apesar de não poder ser considerado de todo ruim. As paredes, apesar de descascadas, revelavam uma pintura cor de ameixa repleta de manchas por toda a sua extensão. O chão da entrada era sujo, como se as camareiras dali estivessem de folga há umas boas semanas, e podia-se notar três carros ocupando o estacionamento, sem sinal algum de seus donos por perto. 

— Não está vazio — observou Dean, encarando as janelas de fora. — Também não notei nada de estranho nas proximidades. Acha que ainda estão aqui? — perguntou depois de examinar toda a entrada. — Não quero ser um pé no saco, mas eles podem já ter ido embora.

— Justin disse que estão se movendo devagar, alternando entre a estrada e as estadias. Se a informação conferir, só devem deixar esse lugar pela madrugada — afirmei, sabendo que confiar em Justin era uma péssima opção, mas era a única que tínhamos.

— Por que fariam isso? — perguntou Dean, perpetuando a mesma dúvida que martelara a minha cabeça nas últimas horas. — Por que deixariam de ir direto para a própria base, nos dando a chance de alcançá-los?

Eu encarei o loiro com os braços cruzados sobre o peito e uma expressão de pesar. Havia uma hipótese, mas ela não era boa para nenhum de nós.

— Acho que estão deixando que a gente os alcance — eu disse.

Dean respirou fundo. Ele se virou para o prédio, observando-o por um tempo, absorvendo a informação. Por fim, assentiu, sabendo que aquela era a ideia mais plausível, e também a pior de todas.

— Então estamos caminhando direto pra uma armadilha — concluiu ele. — Por livre e espontânea estupidez.

— Possivelmente.

— E você quer continuar.

— Sim. 

— Mesmo sabendo que uma organização sobrenatural sabe que está indo, e que vai te matar por isso? — Dean parecia um tanto desacreditado.

Eu sorri, sabendo que ele me achava louca, mas também que concordava com o meu ponto de vista. 

— É isso aí.

— Você é maluca, garota. — Eu não podia discordar, afinal. — Mas, enfim, vamos nessa.

Contive uma risada, me limitando a assentir enquanto ele segurava meu ombro e me arrastava até a entrada do lugar.

— Lembre-se do plano — sussurrou Dean no meu ouvido, rodeando meus ombros de uma forma protetora, mas que isolava nossa conversa do restante do mundo. — Somos apenas mais um casal apaixonado, desesperado por algum tempo a sós, procurando por uma oportunidade de...

— Espera aí.

Dean parou de falar, erguendo uma sobrancelha para mim. Não diminuiu o ritmo, no entanto, de forma que precisei forçá-lo a parar quando nos aproximamos da fachada. Meus ombros tremeram, e isso não passou desapercebido aos olhos do Winchester.

Ele levou uma das mãos ao cós da calça, onde geralmente guardava sua arma.

— Emma, o que foi?

Eu o encarei, surpresa que logo ele não havia notado o óbvio ainda. Como eu não havia notado?

— Cadê o Sam?

Dean de um passo para trás. Pude ver a dúvida cruzar seus olhos, rapidamente sendo substituída por medo e, então, angústia. Sam prometera ficar de prontidão antes que chegássemos, apenas algumas horas antes. Pelas contas, ele ainda devia estar ali. 

Então, onde diabos estava o Winchester?

— Ligue pra ele — ordenou Dean, o tom de voz agora extremamente sério. — Pode ser que tenha se hospedado. Não sabemos ainda.

Eu concordei, pegando meu telefone do bolso e discando o número memorizado do celular de Sam. Foram vários toques até que a chamada atingisse a caixa postal com um barulho que pareceu ensurdecedor.

Eu encarei Dean, balançando a cabeça negativamente. O loiro fechou os olhos, respirando fundo por um momento, parecendo reunir forças para se manter calmo.

— Não significa necessariamente o pior, pode ser só uma falta de carga ou área — eu disse, tentando soar esperançosa, embora soubesse que, no fundo, nenhum de nós acreditava em minhas palavras.

O loiro, por outro lado, buscava manter a calma apesar da raiva e ansiedade que queimavam em seus olhos.

— Vamos continuar com o plano. — Dean parecia irado, quase fora de si, mas eu podia notar que ele tentava ao máximo manter a cabeça no lugar. — Nos instalamos, separamos e procuramos. O primeiro que achar algo, sendo a Sara, o Sam ou um filhote de cachorro filho da mãe, avisa o outro, está bem? 

Eu concordei silenciosamente. Em um impulso, estendi as mãos em direção ao seu rosto, tocando-o como se pudesse alcançá-lo dentro do próprio tormento. Dean respirou fundo quando o fiz, abaixando a cabeça; puxei-o para mais perto, deixando que o Winchester descansasse o rosto em meu ombro por alguns segundos. 

— Vai ficar tudo bem — eu disse, tentando confortá-lo. — Sam sabe se cuidar.

Dean não se moveu, tampouco recusou meu gesto, de forma que ficamos daquele jeito por um curto tempo, suficiente para tranquilizar ambos, mesmo que por apenas um momento.

— Precisamos ir — ele disse após um tempo.

Seu tom era relutante, mas eu sabia que ele estava apreensivo pelo irmão, assim como eu estava. A segurança de Sam era muito importante para Dean, e mesmo que ele soubesse que o irmão sabia se cuidar, aquilo não o impedia de agir como seu protetor na maioria dos casos.

Eu ainda tinha minhas dúvidas a respeito daquilo, é claro, mas Dean estava certo; mesmo que fosse uma armadilha, era tarde demais para pensar em recuar agora. Sara já estava nas mãos daqueles caras e não sabíamos ainda por quanto tempo planejavam deixá-la viva — céus, sabíamos sequer se ela ainda estava viva. Voltar atrás não era uma escolha, não mais, e, apesar de termos a vaga noção do mau que nos aguardava adiante, não podíamos ficar ali parados para sempre.

Precisávamos seguir em frente e concluir aquela missão, não importava o preço.

Adentramos o motel e em poucos minutos, com a ajuda de identidades e cartões de crédito falsificados, alugamos um quarto por uma noite sem muita dificuldade. A recepcionista, que não parecia ter mais de vinte e poucos anos, com seus cabelos loiros e curtos caindo em cachos volumosos sobre os ombros e os olhos castanhos brilhantes grandes demais para o meu gosto, pareceu extremamente feliz em providenciar aos pombinhos — como ela chamara e eu quase perdera a postura por isso, então Dean teve de intervir e ajudar no disfarce — um dos melhores quartos dali. Não devia ser muito coisa, considerando a estrutura daquele lugar, mas me senti tocada pelo esforço.

— Quarto 86. Ala B. Marie irá acompanhá-los até lá, se não se incomodarem.

Ela nos entregou a chave com um sorriso gentil no rosto, parecia verdadeiramente satisfeita em ajudar. Dean deu de ombros, agradecendo enquanto eu pegava a mala — repleta de armas e objetos cortantes e venenosos, ao invés de roupas — e a conduzia sem muito esforço atrás da garota de postura silenciosa que deduzi ser Marie.

Quando ela nos deixou a sós, após anunciar o serviço de quarto e telefonia, eu e Dean imediatamente pusemos nosso plano em prática. Reunimos nossas armas — todas sob medida para que pudessem ser escondidas sob as roupas e sapatos — e conferimos a munição, certificando-nos de que tudo estava perfeitamente planejado para qualquer imprevisto, desde balas de prata a, inclusive, sangue do morto — de fato, qualquer imprevisto. A única coisa para a qual não tínhamos arma alguma era anjos, e eu torcia para que os Remanescentes não estivessem metidos com aquela espécie, ou estaríamos com sérios e piores problemas.

Dean me garantiu que os anjos preferiam entrar em extinção a se aliar aos monstros da Terra, mas não me convenceu muito. Quando se tratava daquela gente, eu não duvidava de nada.

— Muito bem, vejamos — dizia o loiro enquanto limpava uma pistola em suas mãos, esta repleta de balas banhadas em ambos; sangue do morto e prata. Veneno puro e letal a pelo menos um terço de todas as criaturas vivas. — Esse lugar tem três alas: A, B e C. Estamos alocados na B, que é no segundo andar, portanto, sugiro que um de nós fique aqui e vasculhe essa ala, enquanto o outro vai para a A ou C. Quem acabar o serviço primeiro, fica com a última ala.

— Certo. Eu fico com essa, você pode ir para uma das outras duas.

O Winchester deu de ombros, terminando de remontar sua arma e guardando-a no cós da calça, virando-se para mim.

— Alguma notícia do Sammy?

Eu balancei a cabeça negativamente e o loiro suspirou.

— O celular só dá caixa postal e ele não responde as minhas mensagens, nem os emails. 

Dean apenas assentiu, se virando para ir em direção à porta do quarto. Ele ainda parecia abalado pelo desaparecimento do irmão, o que era normal, mas, além disso, parecia também mais que disposto a encontrar naquela busca a calma e concentração que precisava para obter novamente o foco. Poderia ser só impressão, mas eu tinha a sensação de que o loiro estava começando a se envolver demais naquela confusão toda, quase tanto quanto eu.

Além disso, alguma coisa me dizia que Sam estava mais perto do que imaginávamos, e que Dean não precisaria se preocupar com o seu paradeiro por muito mais tempo. Aquilo, obviamente, passava longe de ser um bom pressentimento, portanto resolvi ficar quieta quanto aos meus próprios pensamentos.

O Winchester deu alguns passos em direção à saída, virando-se para trás uma outra vez antes de deixar o local.

— Vou examinar a ala A. Quando acabar por aqui, me encontre na C e vasculharemos aquela sessão juntos, está bem?

— Certo. — Foi o que eu disse. — E, Dean? — Ele se virou novamente, atento. — Tente não esquentar tanto a cabeça, sim? Vamos encontrá-los. 

O loiro apenas concordou com um fraco aceno, oferecendo um pequeno sorriso antes de abandonar o quarto.

Continuei ali até guardar todas as minhas armas comigo, então saí, trancando a porta atrás de mim. O quarto 86 era o último da ala, de modo que agora eu me encontrava parada de frente para um extenso corredor, repleto de portas, em um cenário digno de um filme de terror. Restava apenas saber de qual daquelas portas sairia o assassino; mas, desta vez, a vítima — eu — é quem estaria procurando por ele.

Em pouco mais de dez minutos, percebi que aquela seria uma longa e frustrada busca. Os primeiros cinco quartos que vasculhei estavam vazios, e o tempo que sucedeu até que eu os investigasse e encontrasse absolutamente nada se mostrou inútil e nada gratificante.

Os quartos seguintes estavam ocupados, mas não havia sinal algum de Sara ou Sam em nenhum deles. Eu batia de porta em porta, abusando da desculpa de que havia me perdido nos corredores, mesmo que nenhum dos clientes tenha comprado muito bem a minha história. Só esperava que Dean estivesse tendo um pouco mais de sorte com a ala A, mas, visto o silêncio em meu telefone durante os últimos minutos, eu só poderia deduzir que, ou ele estava fracassando tão bem quanto a minha pessoa, ou havia sido capturado também e, nesse caso, eu era a próxima. Nenhuma das opções me parecia muito positiva.

Cerca de uma hora mais tarde, a ala B estava completamente examinada e o resultado não era dos mais animadores. Decidi então que era hora que partir para a área C, onde Dean e eu havíamos combinado de nos encontrar. Não era longe, no entanto, por se encontrar nos fundos do motel, aquela ala em particular era ainda mais vazia que as outras, mantendo a mesma aparência decadente de um típico thriller hollywoodiano.

— Bem convidativo — murmurei enquanto atravessava o corredor escuro que dava acesso ao lugar. 

As luzes piscavam copiosamente por ali, denunciando que, no que dizia respeito à parte elétrica, aquela área não conhecia uma reforma há uns bons anos. Suspirei ao parar na entrada, notando que não havia presença nenhuma ali além da minha própria. Onde estaria Dean? Será que ainda andava perdido pela ala A? 

Eu achava impossível demorar tanto tempo para investigar uma área tão pequena como aquela e, portanto, saquei o celular do bolso e disquei o número memorizado de Dean Winchester na tela. O aparelho tocou algumas antes de, para a minha terrível compreensão, atingir a caixa postal com um sonoro beep.

Aquilo não podia ser uma coincidência qualquer. Algo estava errado, definitivamente.

Com um suspiro profundo, me preparei para partir em direção a ala A, disposta a encontrar Dean antes de qualquer coisa. Se ele havia sido pego, então a pessoa tinha de estar no mesmo local que o loiro, certo? E isso só poderia resultar na primeira ala, portanto, era por lá que eu começaria as minhas buscas.

Porém, no momento em que dei as costas ao local, algo chamou a minha atenção. Um barulho ligeiramente estridente à minha direita, mais ao fundo do longo corredor imerso em iluminação decadente. Segui o olhar na direção do som, notando que o lugar continuava vazio, mas agora era possível perceber que sua paisagem havia mudado ligeiramente.

Alguns metros à frente, a luz transpassava uma pequena fresta em uma das portas e invadia um dos quartos, discreta, mas notável.

— Tem alguém aí? — chamei alto, franzindo o rosto para a cena. Naturalmente, não obtive resposta alguma. 

Eu tinha certeza absoluta de que nenhuma daquelas portas estava aberta quando cheguei ali, e foi nesse momento que senti todos os meus instintos entrarem automaticamente em alerta. Havia alguém — ou algo — naquele cômodo que me convidando para entrar, e eu sentia que recusar não era uma opção.

— Certo... vamos lá.

Com um suspiro hesitante, passei a caminhar na direção da porta, sabendo que definitivamente não gostaria do que encontraria depois dela. 

Algo em meu interior não suportava aquela ideia. Eu podia sentir meu corpo recusando os comandos que meu cérebro enviava para seguir em frente. Meus pés passaram a se arrastar no chão, como que involuntariamente, e minha mão deslizou até a arma que eu guardava no cós da calça, repleta de munição envenenada.

Quando finalmente alcancei a maldita porta, meu corpo inteiro congelou. Meus dedos travaram ao redor da maçaneta fria brilhante, enquanto todos os meus sentidos entravam em alerta máximo e gritavam para que eu desse o fora o quanto antes. Eu sabia que, se entrasse ali, não poderia fugir até que tudo terminasse. 

Portanto, eu entrei.

A princípio, não reconheci nada além da rústica decoração e móveis bagunçados ao redor. O quarto se iluminava com a passagem de alguns raios lunares que escorregavam entre as frestas da janela e alcançavam a cama e o assoalho, onde eu pude notar uma verdadeira confusão de roupas espalhadas. Parecia que alguém estava com pressa para dar o fora.

Meus dedos se moveram desajeitadamente pela extensão da parede, procurando pelo interruptor. Quando finalmente encontrei o que procurava, a luz invadiu o quarto subitamente, me fazendo franzir o rosto para a recente claridade até que meus olhos se acostumassem.

Foi aí que eu vi, e quase sufoquei com um grito de pavor.

— Emma...? — a voz saiu baixa e angustiada, logo após ter reconhecido a minha figura. Franziu o rosto por um momento, buscando se adaptar à repentina iluminação, então seus olhos marejaram quando confirmou que eu estava mesmo ali. — Emma! — repetiu, e sua voz foi um eco de dor e exaustão.

Sara deixou que um soluço escapasse por entre seus lábios, em choque. As lágrimas começaram a escorrer quentes pelo rosto da menina e notei suas mãos tremerem ao lado do corpo. 

— Sara — eu proferi aquele nome com tamanho choque que sequer reconhecer a minha própria voz. — O que... o que aconteceu com você?

A garota estava um estado lamentável. Tinha escoriações por toda a pele, além de cortes e hematomas espalhados, principalmente, pelo rosto e braços. Alguns filetes de sangue escorriam de diferentes partes do seu corpo e ela, ajoelhada, parecia não conseguir se manter de pé; estava dopada. Sara usava um grosso colar de couro que não consegui reconhecer como um de seus habituais acessórios. Por baixo do mesmo era possível notar outros machucados se misturando em sua pele, cobrindo ferimentos e mais ferimentos, deixando-a em uma situação deplorável.

Mas o que realmente me surpreendeu, embora não devesse, foi que ela não estava sozinha. Havia um homem ao seu lado, observando toda a cena em silêncio. Aparentava ter pouco mais de quarenta anos. Seu rosto era barbado e marcado de cicatrizes e sua pele tinha um tom negro, assim como os cabelos escuros e os olhos de um marrom quase tão sombrio quanto a sua expressão, além do porte forte de alguém que definitivamente era um lutador. Ele estava sentado, aparentemente muito bem acomodado em uma das poltronas que estavam dispostas por ali. Sara estava de joelhos ao seu lado, no chão; os olhos se mantinham fora de foco, embora ainda fosse possível reconhecer o medo dentro deles. 

O homem sorriu quando notou que eu o observava. Seu sorriso era frio e afiado, e não havia dúvida alguma de quem era. Um remanescente legítimo, bem ali, diante de mim.

— Emma Grace. — Ele disse em um tom frio que fez todos os meus instintos gritarem em alerta. — É um prazer finalmente conhecê-la.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

No próximo capítulo: Sara foi encontrada, mas Emma agora tem um novo problema em mãos — um dos grandes, aliás. Frente a frente com um remanescente, o que nossa caçadora fará para libertar a herdeira do clã das garras dos próprios súditos? E por andam Sam e Dean? Algo sombrio está próximo de ser revelado, e Emma poderá se surpreender bastante com a notícia.

Até mais, galera!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Corações Perdidos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.