Jennifer

Era quase duas horas da tarde. Não havia tido treino essa manhã, provavelmente por causa do surto inesperado do Eric, toda a confusão que havia sido gerada e o fato de nós todos termos ido dormir muito tarde.

— Jenn? — Ouvi a voz de Drew me chamando — Vamos. É hora de ir pro Centro de Treinamento — Eu olhei em volta. Os outros já estavam de pé, prontos para mais um dia de treinamento.

O refeitório estava praticamente vazio. Com exceção de uns e outros, nós eramos os únicos fazendo hora por aqui. Me levantei da cadeira pensativa, olhando em volta mais uma vez, para confirmar meus pensamentos.

— Ei, tá olhando o quê? — James perguntou, brincando comigo.

— Vocês repararam que nem Tris e Quatro, nem os líderes apareceram hoje para o almoço? — Perguntei, achando estranho. Max e os outros líderes adoravam fazer graça nos horários de refeição.

— Eric provavelmente está na enfermaria ainda — Drew comentou — Os líderes devem, sei lá, ter ficado em seus quartos e comido por lá mesmo. Com certeza eles têm esse tipo de regalia — Drew deu de ombros, fazendo a maioria de nós concordar com a cabeça.

— E Quatro? — Anna perguntou, abruptamente — Será que aconteceu alguma coisa com ele?

— O que teria acontecido, Anna? — Drew rebateu — Ele com certeza dormiu demais e perdeu a hora do almoço.

— E Tris? — Eu perguntei — Será que ela se complicou por ter acertado Eric? Afinal, ele é um dos líderes — Eu não tinha gostado muito de Tris a primeira vista, confesso, mas agora eu tinha uma nova opinião sobre ela. Ela me ainda me parecia alguém que eu não ia querer como inimiga, mas eu tinha a impressão que ela seria uma boa amiga.

— Não acho que ela tenha tido problemas — Drew respondeu, enquanto nós saímos do refeitório — Afinal, ela salvou a vida de Quatro. Não podem puni-la porque ela defendeu o cara do líder que provavelmente estava chapado e perdeu a noção das coisas.

— É, e outra — James acrescentou — Eric tá vivo, não tá? Sem perdas. Isso aqui é Audácia. Coisas assim acontecem.

Eu andava na frente do resto do pessoal. Subitamente, lembrei que amanhã era o dia de visita. E consequentemente, o dia que alguns deixariam a Audácia e passariam a viver como sem facção. Gelei por dentro, ficando ansiosa. Eu não achava que estava indo muito mal, mas estava com medo. Principalmente depois do que tinha acontecido no meu teste.

Eu me lembrava perfeitamente da mulher que havia me aplicado o teste dizer “Você não pode contar esse resultado para ninguém, nunca”. Eu ainda não entendia o risco de ser Divergente, mas tinha levado o conselho dela a sério, e desde então vinha carregando esse fardo.

Que ameaça eu podia oferecer para o mundo por ter aptidão para a Audácia e para a Amizade, minha antiga facção? Bem, eu sabia que supostamente, essas duas facções eram uma combinação esquisita, mas eu sabia exatamente porque eu tinha ambas as caracteristicas.

Eu sempre tive um senso de justiça e de lutar pelo que eu acredito muito forte, mas sempre fui a pessoa que escolheu uma conversa ao invés de resolver as coisas na violência. Eu acreditava na paz, e achava que a melhor maneira de mantê-la era sendo audacioso o bastante para fazer as escolhas certas e não as fáceis.

Me obriguei a prestar atenção no que eu estava fazendo no memento em que abri a porta da sala de treinamentos. A melhor coisa que eu podia fazer agora era esquecer esse assunto de divergência, escolher que a eliminação de alguns estava próxima e esquecer o dia de visitas.

Quatro e Tris estavam na sala. Ela estava sentada em cima de uma mesa, de costas para nós e ele estava parado em frente a ela. Eles conversavam sobre alguma coisa que parecia séria.

Reparei em algumas das tatuagens dela, que apareciam por causa da blusa cavada. O simbolo da Abnegação no ombro direito e o da Audácia no esquerdo. Erudição, Amizade e Franqueza completavam a linha, mas estavam tatuadas um pouco menores do que as outras duas. Eu estremeci. Como ela tinha coragem de tatuar o simbolo de outra fação? Isso me fez pensar em quais tatuagens Quatro teria.

Quatro deu um breve toque no joelho de Tris quando nos viu e ela desceu da mesa, se virando para nos encarar. Os Iniciados nascidos na Audácia chegaram em seguida. Os dois nos cumprimentaram brevemente.

— Bom, espero que tenham descansado — Tris disse, me parecendo inquieta — Hoje a atividade vai ser um pouco diferente.

Ela e Quatro trocaram um olhar e depois saíram da sala, nos fazendo segui-los. Eu não tinha certeza, mas eles pareciam preocupados com alguma coisa. Eu só esperava que Tris não estivesse com problemas por conta do que havia acontecido com Eric.

Pegamos o trem. A turma conversava em voz baixa. Percebi que Quatro passou quase todo o tempo prestando atenção em Tris, como se esperasse que ela fizesse alguma coisa inesperada.

Quando descemos do trem, quem falou foi Quatro.

— Essa é a cerca — Ele informou, enquanto nós olhávamos em volta — Alguns membros da Audácia são destinados a vigia-la — Ele fez uma pausa — A posição de vocês dentro do complexo vai depender da posição de cada um no final da Iniciação. Melhores posições, melhores cargos.

— Amanhã é o dia em que alguns de vocês vão nos deixar — Tris tomou a palavra. Ela e Quatro trocaram um olhar — Para os que ficarem, a segunda fase tem um peso maior do que a primeira, e a terceira, maior do que a segunda. Nessa nova fase, vocês vão enfrentar seus medos.

— Desejamos boa sorte a vocês — Quatro finalizou, antes de se afastar com Tris. O resto do grupo se dispersou pelo local. Eu olhava para a Fazenda enquanto andava.

A saudade de casa, da família e dos meus antigos amigos apertou meu peito por alguns instantes. Mas eu não tinha saudade do trabalho no campo, nem da colheita.

Me vi andando perto de Tris e Quatro.

— Você, eu e Uriah — Tris falava — Ser que podemos contar com Christina, Will, Al, Lynn e Marlene. Tori, com certeza — Ela fez uma pausa — Tori é influente, assim como você. E você sabe quem são os outros — Uma pausa, antes de ela dizer a palavra que vinha me assombrando — Divergentes. Você pode avisá-los.

— Tenho como trazê-los para o nosso lado — Quatro respondeu, e eu disfarcei, fingindo olhar alguma coisa. Eu precisava saber o que estava acontecendo. Eu precisava saber porque eles estavam falando dos Divergentes — Mas tenho medo por essa turma de Iniciados. Max me avisou que ele vai aplicar os testes da segunda fase. Eu reconheci você e mais alguns sem estar nem procurando. Ele vai procurar. E vai achar.

Minha mão tremia descontroladamente. Minha visão estava embaçada e eu sentia medo.

— Nós temos que dar um jeito nisso — Tris respondeu. Uma ideia passou pela minha cabeça. Tris era Divergente, então ela podia me ajudar, de alguma forma. Ela tinha que me ajudar. Eu agora tinha certeza do perigo e sabia que, como eu desconfiava a tempos, Max não era bonzinho.

— Tris — Eu chamei, fazendo com que ela e Quatro me olhassem — Posso falar com você um instante? — Eu perguntei. Eu ia pedir ajuda. Supostamente, eu não podia falar disso com ninguém, mas se eu não confiasse em Tris, eu estava perdida. Tris confirmou com a cabeça — É um assunto sério, será que…

Eu podia ter falado na frente de Quatro, mas eu estava assustada e com medo.

— Me companhe — Ela disse para mim. Nós andamos de volta aos trilhos, onde não tinha ninguém para escutar a conversa. Vi Quatro nos observando de longe, talvez tentando entender o que eu tinha de tão importante para falar com ela — Pode falar.

— Eu… Não pude deixar de ouvir você e Quatro conversando sobre os Divergentes — Ela empalideceu, mas fez sinal para que eu continuasse a falar — Principalmente porque vocês disseram que eles correm perigo na segunda fase da Iniciação — Fiz uma pausa, respirando fundo — Eu… Eu sou Divergente.