Os anjos Amam... escrita por Sandrinha


Capítulo 12
Amor...


Notas iniciais do capítulo

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Os dias apenas se arrastaram pra mim. talvez eu tenha culpa. Não deveria ter me envolvida tanto. Marina virou um ser intocável pra mim. Ela não está mais indo as aulas, não aparece em meus sonhos, sei que ela deve esta mais confusa do que eu, aliás eu sou humana e erro é algo comum para nós.

Durante essas duas semanas eu não consegui parar de pensar nela e em todos os esforços que ela deve está fazendo para me proteger longe de mim.

***

Natal está chegando. Depois que mamãe se foi, o meu entusiasmo com o Natal esmoreceu, mas não se extinguiu. A família é o que tenho de mais importante e eu sempre tive muita consciência disso. O presépio simboliza a família. Os outros personagens encarregam-se de recriar o contexto bíblico e histórico, mas a família é o âmago de tudo, da existência do ser humano.

Nestes últimos meses deixei-me invadir por sentimentos obscuros de medo, dúvida e insegurança, que estavam me impedindo de ver que neste ano surgiu um novo ânimo, além daquele que me estimulou em todos os anos anteriores. A família na manjedoura é observada por um personagem que sempre me passou despercebido e o qual, a partir de agora, admirarei de modo mais apurado: o anjo do presépio. Ele não é apenas uma figura simbólica. Hoje, mais do que nunca, acredito em anjos e isso mudou a minha vida.

***

Marina_ Como me encontrou aqui?

Ju_ Informações.

Ju_ Tem algo acontecendo com a Clara, sei la... ela ta abatida.

Marina_ Sinto muito.

Ju_ Sinto muito? Sério?

Marina_ Não posso fazer nada.

Ju_ Nossa! E eu cheguei a elogiar você.

Marina_ Não posso. Não posso. Acha que isso não me machuca também?

Ju_ Faz algo. Vocês são namorada, ficantes...sei la. Ela gosta demais de você.

Marina_ Eu também.

Ju_ Então faz algo.

Marina_ Ela não quer me ver.

Ju_ Ok. Não quer falar tudo bem... mas tem algo que você possa fazer sim...

****

Clara...

Eu não estava afim de vir pra essa festa, mas é noite de natal e Maria foi visitar sua mãe. Então ficamos eu e a Ju. E ela ama festas.

O salão está cheio e bem animado. Menos eu com meu pensamento longe, la no céu.

***

Vejo algo se mexer rápido tenho a impressão que vi um vulto. Preciso confirmar se tive uma alucinação ou se o que vi era real. Já há algum tempo não sei distinguir o sonho da realidade. Mas, como sentada não tenho a mínima chance de descobrir, sob os olhares admirados de Jéssica e Marcus, deixo o salão em direção ao jardim. Passa das sete horas e em alguns minutos o último sol desta primavera estará se pondo. Seguindo o aroma perfumado do entardecer, atravesso o gramado até a pequena cascata nos fundos da casa de festas.

A música já se ouve longínqua e o coaxar das rãs, cada vez mais alto. Agacho-me à beira do pequeno lago para procurá-las quando me apercebo de um reflexo turvo na superfície da água. A imagem se move ao ritmo da corrente, confundindo-se com a minha. Quando me viro ele tem a mão estendida. Wotan.

― O que está fazendo aqui? Você não foi convidado. Recuso sua mão e levanto-me sozinha, meio desajeitada por causa do vestido. ― Eu não preciso de convite. ― Claro que não. Não posso me esquecer que a sua missão é bisbilhotar a vida alheia. ― Por que está tão arredia, Clara? Nem agradeceu as flores que deixei em sua cama.

Olho em torno de mim, mas aqui está escuro e não consigo ver nenhuma movimentação, além dos vultos no salão iluminado. ― É melhor você ir embora. ― Eu vim buscar você. Vou levá-la a um lugar. ― Eu não vou a lugar nenhum com você. ― Não estou te reconhecendo ― ele encolhe os olhos. ― Você é assim tão insensível, Clara? ― Não adianta insistir ― digo pausadamente, maquiando meu nervosismo. ― Se Ju vier, você vem? Eu sei que vocês são quase inseparáveis. ― Não... não meta a minha amiga nisso.

― Acho que ela é mais esperta que você. ― Vai embora! ― exaspero. ― Ou melhor, vai pro inferno! Ele tem um sorriso cínico no canto dos lábios e uma expressão insana no olhar. ― Estarei lá fora a sua espera. Você tem toda a festa para refletir se quer que a Ju venha conosco ― ele faz intenção de ir embora e volta atrás. ― Ah, sim! Acho bom que guarde o nosso segredo. Se alguém da legião souber, Clara... ― ele limpa a garganta. ― Será triste. Tenho certeza que nossa colega Ju prefere a coluna social ao... obituário do jornal.

Mas, um nephilim vigilante? Eu nunca me dobraria a Wotan. Ele representa o mal. E conseguiu me ameaçar de todas as formas. Por que não deixei Marina invadir a minha memória? Agora não posso lhe contar nada. E eu sei que ela está aqui em algum lugar. Talvez fosse melhor partir agora, antes que me encontre.

Me levanto e caminho até a sacada, preciso pensar. Marina poderia ter pelo menos me avisado que me abandonaria agora. Cheguei na sacada, vejo alguns bêbados e outros se pegando. Me encosto no limite e ainda tremendo me apoio na grade de vidro.

_ Linda!..

Clara_ Mari...na

Marina_ Oi?

Clara_ Como você entrou? Você não foi convidada quer dizer...você sumiu.

Marina_Você tem uma ótima amiga, Clara.

Clara_ Ah Ju! Como não pensei nisso.

Marina_Talvez por que estava pensando em mim?

Nessa hora eu reparo o que ela está vestindo, um vestido preto de matar. Nossa ela poderia ganhar todos os Miss mundo do mundo. Ela está agressivamente linda. Como não me apaixonar por essa mulher? Como?

Ela sorrir, esse sorriso me desarma covardemente. Então ela segura minha mão e eu ainda não respondi.

Clara_ Talvez.

É complicado inventar quando a sua vida sempre foi um livro aberto e ultimamente tem sido uma sucessão de acontecimentos que não se encaixam. Ela me encara com ar resignado. Provavelmente sabe que não vale a pena protestar, então sorri, revelando duas covinhas em seu rosto. A cada novo traço que descubro nela, mais intensas ficam as minhas sensações. Neste momento meu coração, que já está um verdadeiro bate-estacas, é ainda mais estimulado por essas covinhas.

Marina― Definitivamente, toda a minha existência secular não foi tempo suficiente para entender o ser humano― refere ela, inconformada. ― Vocês são muito criativos!

Marina me desperta de uma expressão vidrada quando segura novamente em minha mão. Ela a envolve delicadamente com seus dedos macios e posso sentir a energia fluindo de seu corpo para o meu. À medida que nos aproximamos do burburinho da festa, a sensação de frio na barriga aumenta. A poucos metros do átrio, Marina praticamente me leva arrastada pelo gramado.

Ela faz uma pausa para me observar. O castanho dos seus olhos se intensifica e eu lamento não poder desfrutar deles tanto quanto gostaria. ― Clara Fernandes, me concede a honra de ser o seu par esta noite? ― ela me estende a mão... E derruba todas as minhas defesas. Justamente hoje, quando nunca me senti tão indefesa.

Esta pode ser a última vez em que estou com ela. Esta pode ser a minha última noite. Não sei para onde Wotan vai me levar ou o que quer exatamente que eu faça. Mas mesmo que eu não morra, o que quer que me obrigue a fazer, certamente afastará Marina de mim para sempre.

Respiro fundo e imagino que esta noite posso ser qualquer donzela de um romance clássico; Julieta, Eurídice, Isolda, Iracema, Odette, cujas vidas valeram pelo amor que sentiram. Esta noite eu vou em busca do lugar comum de qualquer conto trágico de amor. Vou viver a noite mais feliz da minha vida sem pensar no amanhã.

Seguro a sua mão estendida como se me resgatasse do início da história e deixo que ela me conduza até um final feliz.

Cada pessoa naquele salão tem um anjo da guarda, só que nenhuma tem a seu lado um que veste vestido. Mesmo que ninguém ali conheça Marina como eu, o fato é que um anjo está prestes a cruzar o átrio de mãos dadas comigo. Como é possível agir com naturalidade numa situação assim? Embora eu seja a única que saiba a sua extraordinária identidade ― o que supostamente deveria me colocar numa posição privilegiada ― o fato de estar segurando a sua mão ― de carne e osso ― me faz querer acreditar que o que está acontecendo agora não é realidade, mas um sonho. Quem está a meu lado, afinal: Uma humana ou um anjo?

Nunca estive tão perto da realidade e do sonho como agora. Assumir Marina em minha vida, diante da minha pequena família e dos meus amigos, é assumir também um anjo. Posso até inventar que a conheci nas aulas de natação, mas com essa indisfarçável expressão de apaixonada não conseguirei convencer ninguém de que Marina é apenas uma amiga. Minha sorte é que eu não quero convencer ninguém.

***

De repente percebo que estamos bem no centro da pista, a pelo menos quatro metros de deixá-la. O apresentador dá pela nossa presença e, do alto do tablado, com o microfone em punho, aponta para nós. Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação, ele anuncia impondo sua voz potente de locutor das Casas Bahia:

Locutor― Aproveitando o jovem casal aqui na pista, vamos dar início à nossa apresentação musical, com o grupo: Back to the Future! A cor fúcsia do vestido reflete-se nas maçãs do meu rosto que, juntamente com os holofotes coloridos, fazem de mim um caleidoscópio ambulante. Ao violão, o vocalista introduz Don´t be Scared de Andrew Bird. Se o tema musical tivesse sido proposital, não seria tão adequado.

Tento arrastar Marina pela mão mas é ela que me puxa para junto de si, enlaçando minha cintura com os braços. Estremeço no mesmo instante. ― O que está fazendo? Sua respiração alimenta a minha e sinto meus pés se elevarem do chão, quando ela pronuncia, devagar, acariciando o meu ouvido: ― Dance comigo, ― ela sussurra: ― Meu amor.

As palavras fogem e eu simplesmente me rendo com um olhar. Ela me conduz com delicadeza pela pista, onde estamos só nos duas. Com os braços deitados em seus ombros, torno-me leve e sinto como se levitasse. O simples toque de sua pele na minha me faz corar. Desta vez, eu não me importo.

Alguns assobios rompem o som abafado do ambiente a nossa volta. Entre as luzes e as sombras, as figuras coadjuvantes desaparecem. Por mais incomodada que esteja com os olhares de Ju e de meus amigos, não consigo desviar meus olhos dos dela. Eu sei que todos percebem o que está acontecendo comigo, mas quero que Marina saiba que eu não me importo com isso.

Meus olhos estacionam nos seus lábios. ― O que está fazendo? ― agora é ela quem pergunta.

Clara― Me beija.

Minha impressão é de que sua hesitação se torna perene no espaço do nosso olhar e que o beijo dura o tempo de um suspiro. Quase não toca, mas estremece. Os lábios de Marina nos meus são suaves e beijam-me com delicadeza o suficiente para me lembrar de que estou beijando um anjo, e também com desejo, para que eu possa acreditar que nada é impossível.

Marina― Eu vou cair por você, Clara. Aliás... ― ela afaga meu rosto ― ...eu caí no momento em que o Sol cruzou a linha do Equador celeste.

É como se o mundo parasse de girar com minha cabeça pousada em seu peito. Só nós giramos. Ela nunca esteve tão perto e eu quero aproveitar cada segundo. Então, ajusto a palma da minha mão nas suas costas, e me deixo levar pelo sentimento extraordinário que me invade.

Marina_ Amo você.

Nessa hora uma lágrima desce devagar, como se cruzasse o extremo de sentimento que estou sentindo. Hoje eu conheci a felicidade.


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