Contos do Olimpo escrita por Tina Santos


Capítulo 2
Hades e Perséfone


Notas iniciais do capítulo

Essa é a primeira parte, que diga-se de passagem ficou longa kkkk, mas eu tentei. Espero que aproveitem esse casal, que eu simplesmente amo!



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Contos do Olimpo

Hades e Perséfone

~ Ω ~

A natureza segue um ciclo deveras tedioso. O homem nasce e o homem morre. Entre esses dois pontos chaves da humanidade acontece diversos fatores que pode tornar a vida de mortais interessantes ou desinteressantes. Independente desses fatores movidos pela a escolha, o fim é sempre o mesmo: morte. Porém há mortes calmas e outras brutais, e há ainda um terceiro tipo de morte, a heroica. Mas nada disso é relevante pois todos vão para o mesmo lugar; o Submundo. E todos são julgados naquele local (caso nenhum deus olimpiano interfira por favoritismo), e esse julgamento acontece da seguinte maneira: se for mal vai para os campos da punição; se for bom para o Elísio a ilha dos abençoados e se não for nem tão cruel e nem tão heroico fica vagando pelos campos de Asfódelos. O trabalho que se era exigido no Submundo tinha que ser realizado de uma maneira sistematizada e delicada, pois lidar com almas não era um trabalho fácil, e juntando isso a governar tudo o que estava abaixo da terra, exigia uma maestria e talento.

Duas das qualidades que nenhum mortal jamais soube que Hades tinha. O trabalho em si já o classificava como um deus austero, impiedoso, temido e recluso em suas terras encobertas por uma escuridão eterna. Não que o deus não fosse tudo o que diziam, mas á muito mais além de boatos maldosos espalhados por parentes vingativos.

De fato, o rei do submundo era mais entediado do que mal. Cumpria suas tarefas mecanicamente, uma vez que já se acostumara em fazê-las por décadas. O próprio deus não sabia a quanto tempo vinha governando o submundo, e não era de seu costume contar dias, uma vez que não tinha diferenciação entre dia e noite em seu reino. Apenas sabia as estações anuais, uma vez que como governante de tudo abaixo da terra, era uma de suas responsabilidades garantir o terreno fértil para que os mortais pudessem fazer seu plantio. Mas nenhum deles tinha conhecimento disso, adoravam Deméter pela a colheita e nunca ao menos imaginaram quem é que realmente deixa a terra fértil para acontecer uma colheita. Amargurado? Hades já passara dessa fase. Talvez, rancoroso e entediado, uma combinação deveras cansativa. Ficar remoendo o passado, apenas lhe dava dores de cabeça.

No fim, se contentava com seu trabalho e sua vida eterna. Tinha algumas companhias divinas, como o deus da morte Tânatos. Como era fadado a mesma vida que Hades, os dois poderiam se considerar amigos. O deus da morte estava sempre vagando pelas terras do mundo inferior, e sempre voltando ao seu posto como guarda das portas da morte. Ás vezes ele subia ao mundo mortal para visitar pessoas e concedê-lhes a morte, outras não era necessário ele comparecer pessoalmente.

Com um suspiro cansado Hades levantou-se de seu trono e saiu da sala onde um espírito relatava os acontecimentos diário. O espírito não se importou de ser deixado falando sozinho, óbviamente Hades não estava interessado em mais nada e aprendeu que o que era importante deveria falar logo de inicio para que fosse resolvido de imediato. Embora um deus sombrio, Hades era eficaz. Mesmo com a sala vazia, o espírito fez uma reverência e sumiu.

O deus seguiu para a sacada do castelo de obsidiana que dava uma vista incrível do rio Estige e da ilha dos abençoadas a quilômetros do castelo, brilhando na escuridão com uma luz que daquela distância era um dourado fraco. O castelo, de uma difícil localização para qualquer um, ficava bem distante do tribunal e dos campos da punição e asfódelos. Hades detestava o barulho que vinha dos campos, por isso tratou de achar outro lugar para estabelecer moradia. O castelo em si, foi uma verdadeira construção real. Havia no mínimo três torres, quatro andares e um quinto que era apenas um recanto ao ar livre adornado com colunas gregas, onde o deus gostava, raramente, de ficar. No meio do palácio negro, havia um pátio grande e largo o suficiente para se fazer um jardim, porém, nada sobrevivia no mundo inferior, onde não havia a luz do sol para manter as plantas vivas. Aquele lugar então ficou ali, vazio com a terra escura o decorando, e o único motivo para ainda estar ali era por quê Hades gostava de passar e se lembrar do jardim que havia no Olimpo.

Não era um deus chegado a sentimentalismo. Mas quando se vive anos dentro do próprio pai, se desenvolve uma grande apreciação pelo ar livre; o céu azul, o calor do sol, o acariciar da brisa, as cores da terra. Por exatamente isso, que Hades revoltara-se ao ser nomeado senhor dos mortos. Porém, até ai ele ainda podia subir ao Olimpo e até mesmo andar pela a superfície, até se juntar a Hera e outros deuses para prender Zeus que estava ganancioso. Depois de liberto, Zeus foi impiedoso com ele em particular, principalmente sabendo como o irmão mais velho valorizava as belezas do mundo. Hades não se arrependia do que tinha feito e falado a Zeus, mas sentia a raiva venenosa que corria em suas veias toda vez que se lembrava que não podia mais subir a superfície.

Em algumas décadas um sentimento bateu em Hades, e demorou certo tempo até o deus descobrir o que era: Solidão. Hades sentia-se sozinho naquele lugar. Apenas tinha a companhia dos mortos, e não era nada agradável. Não gostava dos habitantes do Elísio e a maioria tinha o mesmo sentimento em relação a ele, então não andava muito por lá; era um trabalho feito mais por Hipnos. Estava faltando algo na vida dele, e ironicamente ele tinha a eternidade para descobrir, porém não achava que tinha paciência para esperar tanto tempo para a descoberta. Uma de suas alegrias era quando sua sobrinha, Atena o visitava. Ela mantinha a atenção de Hades em suas perguntas. Mas era difícil a deusa convencer Zeus a deixa-la descer ao mundo inferior, mas Hades já sentia-se feliz ao pensar que a sobrinha sempre arrumava um jeito de fazer Zeus ceder as suas vontades.

Embora Atena fosse muito parecida com Zeus em personalidade, tinha também traços do temperamento e personalidade da mãe, grande amiga de Hades, e claro a aparência. O único motivo que levara Hades a nunca pedir a mão da sobrinha, foi por causa de sua amizade com a titã e por a sobrinha decidir-se virgem para toda a eternidade. Amava Atena como uma filha e respeitava sua escolha, embora sempre se perguntasse o porquê daquela decisão.

Hades sentiu um palpitar de leve em seu ser, um deus estava chegando. Não demorou muito para que um fantasma aparecesse e relatasse que Hermes e Atena seguiam para o palácio. A menção ao nome da sobrinha, animou-se mas não demonstrou em expressão. Mandou preparar a sala onde normalmente recebia Atena e seguiu para a sala do trono. Onde seu trono de ossos carbonizados se erguia intimidador para qualquer visitante. Sua leve armadura que usava diariamente emitia leves sons quebrando o silencio do ambiente enquanto andava. Sentou-se no trono acomodando-se displicentemente para a chegada dos dois deuses.

Quando Hermes passou pela a porta, Hades recordou-se do deus mensageiro. Rosto fino, olhos perspicazes e rápidos, sorriso divertido e atrevido, esguio; usava suas sandálias com asas trançadas até metade da canela, sua toga de costume, uma bolsa com pergaminhos e seu capacete dourado com asas de ouro adornadas nos lados. Atena era fácil de analisar, não trajava armadura, usava uma toga que cobria-lhes os pés, seus cabelos dourados trançados com fios de ouro caiam por um ombro. Os olhos cinzentos o analisaram e um singelo sorriso brincou nos lábios. Ambos os deuses fizeram uma reverência diante dele.

– Qual a mensagem que traz Hermes? – Hades perguntou sem rodeios, a voz ecoando pela sala.

Com uma singela reverencia Hermes tirou um pergaminho e o abriu em sua frente, começando a lê-lo em voz alta.

– ‘Eu, Zeus, rei do Olimpo, senhor das tempestades e do céu, convoco meu irmão Hades ao Olimpo para a celebração da posse de minha querida filha Atena, sobre seu animal sagrado.’ – ao terminar de ler, o deus mensageiro incendiou o pergaminho e olhou para Hades – Esta é a mensagem que trago. A celebração acontecera hoje a noite, por favor não se atrase.

Hades maneou a cabeça afirmativamente para o deus antes que este saísse da sala de volta ao Olimpo. Atena permaneceu em seu lugar encarando o tio, analisadora.

– Parece cansado, meu senhor.

– Sem formalidades comigo. – Hades levantou-se de seu trono e caminhou até a sobrinha que abriu um largo sorriso, passou um braço pelas costas da deusa a conduzindo para fora da sala, prosseguindo em sua fala – Então, decidiu-se por seu animal símbolo?

– Sim. O senhor ajudou, claro.

Com um riso leve, Hades tirou a mão das costas da sobrinha colocando-a para trás e acenando com a outra um servo, para que este abrisse as portas da sala de recepção. Ao entrar na sala, Atena notou a sutil mudança, como a mesa no centro com frutas, nécta e ambrosia além de haver detalhes na lareira, pareciam cenas de mortes entalhadas ao redor dela que em seu interior queimava um fogo verde, dando a sala um ar sombrio.

– Fez mudanças.

– Observadora, como sempre. – Hades comentou alegremente sentando-se em uma poltrona e observando a deusa sentar-se na outra ainda analisando as cenas mórbidas. – E como tem estado sua convivência com Plutão?

– É uma ave, extremamente inteligente e sarcástica. Temos um bom relacionamento. – Atena riu de leve. – Gosto do senso de humor sádico daquele animal.

Hades não conteve a gargalhada. De fato a ave tinha seu lado sádico, talvez por ter ficado muito tempo obsevando os campos. A deusa observou o tio naquele raro estado de relaxamento. Gostava de visita-lo, pois ao seu ver seu tio era bastante sozinho, sentia uma certa familiaridade em relação a isso, em certa parte. Recentemente tinha andado muito curiosa sobre algumas coisas e, sabia que Hades poderia sanar parte da curiosidade.

– Mas, então a que devo a visita num dia em que deveria estar arrumando-se para a grande celebração?

Atena fez uma careta e rolou os olhos para o lado.

– Não sou de ficar horas numa atividade fútil assim.

– Entendo. E, então?

– Gostaria de perguntar uma coisa.

Hades tomou um pouco de néctar, analisando a deusa poderia deduzir que talvez fosse uma pergunta que ele poderia ou não respondê-la.

– Pergunte.

Incentivou-a. Atena arrumou sua postura e quando falou seus olhos estavam fixos nos de Hades.

– Minha mãe, está no Tártaro?

Atena notou o franzi das sobrancelhas do deus dos mortos enquanto pensava na pergunta. Hades inclinou-se um pouco para frente a encarando profundamente e até intimidador.

– Porque pergunta?

– Uma, curiosidade. Não sei exatamente a história, por isso quero saber.

Hades pensou por um momento. Se desse uma resposta independentemente de ser ou não satisfatória poderia gerar outras as quais ele não poderia responder por falta de conhecimento nesse assunto em particular. Porém, se não respondesse, talvez Atena poderia arranjar outras formas de descobrir. No entanto, o deus não entendeu o interesse súbito da sobrinha no assunto. Esperou que Zeus tivesse contado alguma versão a Atena que talvez Hades não ficara sabendo.

– Não sei dizer ao certo. – decidiu por falar a verdade, seria melhor que inventar uma mentira, não era fácil enganar Atena – Alguns dos titãs colocamos pessoalmente lá, outros estão presos lá ou se regenerando após morte. Mesmo sendo uma espécie de guardião que vigia a prisão, não tenho conhecimento com o que acontece em seu interior.

Atena permaneceu em silencio durante a sua fala, e por fim deixou a postura relaxar e pegou um pouco de ambrosia.

– Entendo.

Por vezes, Atena era mais misteriosa que o próprio Hades. Seu tom de voz sugeria que estava satisfeita, por hora, com a resposta. Porém, poderia estar escondendo algo, e mesmo que fosse seu dever descobrir, achou que se Atena estivesse tramando algo ele dificilmente descobriria o que. E não era da sua conta. No fim, não tivera nada haver com o que acontecerá a titã. E pelo menos sua consciência estava limpa por enfrentar o irmão por isso. E não acreditava que Atena fosse capaz de fazer algo contra Zeus, supondo que soubesse a real história, ela tinha uma admiração pelo o pai que dificilmente era abalada.

A visita prosseguiu com Atena fazendo perguntas sobre os campos, o Elísio e várias outras coisas. A deusa praticamente se alimentava de conhecimento de tudo e todos. Hades pensou que se um dia ela se rebelasse contra o Olimpo, dificilmente seria detida ou falharia. Um arrepio correu por seu ser ao pensar isso. Observando a mulher que não passava de uma jovem que estava chegando a sua fase adulta, e que discursava tão fervorosamente sobre as diversas guerras e o aumento de almas no submundo; era difícil imaginá-la como uma possível inimiga. Se bem que Hades de bom grado a apoiaria caso ela se rebelasse contra o pai.

Por hora havia de se concentrar em descobrir como aplacar o sentimento frio e crescente – e até um tanto irritante – que crescia em seu peito.

Atena notou a súbita mudança do deus. Sua atenção estava distante, e curiosa mudou sua posição observando o senhor do submundo, pensativo.

– Posso oferecer minha ajuda? – perguntou Atena sorrindo levemente.

Com um sorriso mínimo Hades recostou-se melhor na cadeira girando o néctar no taça preguiçosamente. Após pensar por um momento, decidiu que seria mais fácil confessar o que o afligia a certo tempo.

– Muito bem. Minha busca... – parou procurando palavras que explicasse porém não revelasse muita coisa a deusa da sabedoria – Busco uma mudança. Talvez, um desafio. Algo para....

– Dar sentido a sua existência? – Atena completou com a expressão neutra.

– Para dar alguma emoção. Veja, minha cara sobrinha, o submundo não é um lugar que alguém escolheria por preferência, então não alimento esperança de que encontre alguma esposa para dividir a eternidade comigo. – após uma pausa para endireitar-se, prosseguiu – Porém, seria um desafio e tanto procurar.

Atena ergueu sutilmente a sobrancelha.

– Em outras palavras, terá que fazer a tal mulher apaixonar-se por você?

– Não. Farei com que essa tal mulher se apaixone por mim e esse lugar. Eu me apaixonei, de certa forma.

Atena riu, achando interessante tudo aquilo.

– Desejo-lhe boa sorte então. Deveria oferecer-lhe ajuda, porém tiraria toda emoção de fazê-lo próprio.

Maneando a cabeça afirmativamente, Hades sorriu largamente e até sombriamente para a sobrinha.

– Agradeço-lhe.

~ Ω ~

A vila olimpiana estava iluminada e vários sons vinham de lá. As casa pareciam emitir luz própria graças a iluminação das tochas que estavam nas ruas, e nestas sátiros e ninfas dançavam juntos com os imortais. A cima da vila erguia-se o palácio dos deuses e em seu caminho os templos de cada um dos doze, a escadaria que levava ao palácio de Zeus e a sala dos tronos era incrustada de pedras preciosas que cintilavam. Hades observou tudo aquilo do alto jardim que ficava ao redor do palácio de Zeus.

Com uma taça de néctar em uma mão e a outra no queixo calvo e barbeado ele admirava as luzes e os sons, tão diferentes de seu lar. Se permitiu olhar para o horizonte observando as estrelas acima do Olimpo e as nuvens meio entreabertas ao redor do monte revelando o mundo mortal, as cidades meio iluminadas pelas diversas tochas onde o fogo queimava. Os campos encobertos pelo o manto negro da noite, os animais noturnos fazendo suas caçadas, os mortais dentro de suas casas. O vento soprando e sussurrando.

Hades tentou absorver tudo e ao mesmo tempo desligar-se de tudo. Sabia que quando voltasse para baixo da terra estaria fadado há um mau humor e raiva por ser separado dessas pequenas e insignificantes coisas. Acabando de uma vez com sua bebida, voltou-se para dentro do salão, onde toda sua família festejava. Não era muito chegado a festas e parentes, com raras exceções. O ambiente muito iluminado o incomodava, depois de eras no submundo; os aromas eram diferentes e deliciosos, instigantes; o barulho de conversas eram irritantes, afinal o senhor do submundo acostumara-se ao silencio ou aos gritos angustiados e sofridos. Atena tentara ir falar com o tio, mas Afrodite tomou sua atenção para discutir alguma coisa.

Hefesto estava sentado numa cadeira brincando com alguns objetos, alheio a tudo e todos. Ares e Apolo conversavam animadamente sobre alguma disputa. Ártemis falava calmamente com Héstia. Hera avaliava a todos com uma expressão fechada, Zeus estava a seu lado conversando com Hermes. Havia ainda Deméter que mantinha guarda ao redor de uma deusa, a qual Hades não conhecia. Por não falar com deusa fazia muito tempo, resolveu iniciar uma conversa, embora o olhar raivoso e nervoso de Deméter o alertasse para manter distancia. A deusa ao seu lado estava alheia a sua aproximação.

– Querida Deméter! – Hades fingiu um pouco de entusiasmo na voz, encarando a irmã que se colocava de modo protetor na frente da outra deusa que virou o rosto que até então estava observando os sátiros tocarem, para ele.

E Hades notou o porque da maneira protetora e agressiva de Deméter. Aquela era a filha que ela teve a partir de uma noite com Zeus, o nome da jovem imortal não foi lembrado pelo o senhor do submundo. Mas ficou interessado, pela a maneira como a deusa reagiu. Certamente o conhecia, pois seu corpo demonstrou tensão, mas seus olhos brilharam de curiosidade.

– Hades! – Deméter falou reprovadora. Mas o deus já não prestava atenção, sua atenção foi dirigida totalmente a jovem deusa.

– Lamento, mas seu nome querida? – seus lábios se repuxaram nos cantos divertido, o que atraiu os olhos da deusa que os desviou quase que imediatamente e abaixou a cabeça levemente fazendo uma reverencia a ele.

– Perséfone, meu senhor. Filha de...

– Sei de quem você é filha. – Hades a cortou mantendo seus olhos negros fixos na deusa que por desafio ou curiosidade, talvez idiotice sustentou seu olhar.

Como se repreendida ela o desviou olhando para a mãe que se mantinha entre eles. Hades não escondeu o olhar e nem disfarçou ao analisar a deusa, o que causou um grande desconforto em Deméter, que temendo qualquer interação tratou de por um fim em uma conversa que nem tinha se iniciado.

– Bom revê-lo irmão. Agora vamos! – ordenou Deméter arrastando a jovem deusa com ela.

Deméter deu as costas á Hades puxando o braço da deusa, porém Perséfone deu uma última olhada para o deus de que deveria a todo custo manter distância. Ouvira os boatos e os medos da mãe, o pai não gostava dele e outros deuses evitavam falar do rei dos mortos, Atena não parecia tão reclusa, mas mesmo ela não dava detalhes sobre aquele deus cercado por... escuridão. Realmente o ambiente ao redor de Hades parecia mais frio, menos luminoso. Porém, misterioso e interessante. Deixou-se ser levada pela mãe evitando um longo suspiro quando a deusa mais velha começou a falar sobre os perigos de se envolver com deuses como Hades... Como qualquer deus, aliais. Nunca casaria se dependesse de sua mãe.

Perséfone lamentou ter que ficar presa a mãe durante a noite inteira. Sentou-se num banco que havia ali perto enquanto a mãe e Hera conversavam, não de um modo amigável. Porém, a deusa não estava prestando atenção à conversa. Quando Ártemis se aproximou Perséfone a recebeu com um sorriso. Eram amigas, volta e meia acabavam se encontrando por Ártemis gostar de viajar e caçar pelo mundo afora, a deusa gêmea de Apolo tinha cabelos escuros selvagens, ondulados e negros; olhos atentos de um azul cintilante e a pele branca como o luar, diferente da do irmão, bronzeada. Embora vestisse uma toga como todas as deusas, Ártemis ainda conseguia parecer uma caçadora, e sua expressão um tanto selvagem lhe ajudava.

– Olá Perséfone.

– Olá senhora. – sorrindo Perséfone cedeu um espaço para que a deusa sentasse com ela.

– Acorrentada novamente? – a deusa da caça brincou, lhe incomodava Deméter rondar a filha a todo instante a mantendo afastada de todos. A beleza de Perséfone era sim, grandiosa, o que lhe proporcionava várias lisonjas dos outros deuses, assim como pedidos constantes de matrimônio; ao qual Deméter recusava.

– Meu cão de guarda é eficiente. Cinco vezes. – sorriu meio desapontada. Tentara se livrar por uns instantes da mãe, tentativas estas que foram cinco e que falharam miseravelmente graças aos outros deuses.

Perséfone gostaria de descer a vila, mas a mãe nunca a deixaria ir de bom grado e se por acaso cedesse as suas suplicas se juntaria a ela. E tudo o que Perséfone deseja era ao menos por algum tempo não ter a companhia da mãe. Ártemis lhe ajudava como podia, defendia a liberdade e detestava ficar em um lugar fixo, sempre preferindo ir e vir á apegar-se. Não foi diferente ali. Ártemis juntou-se a Hera e Deméter na conversa dando a distração perfeita para que Perséfone escapulisse dos olhos afiados e super protetores da mãe.

Ao sair do palácio pelo o jardim, pretendendo descer as escadarias ao lado do morro até a vila, deparou-se com uma figura que poderia impedir-lhe da diversão que a esperava lá embaixo. Mesmo sabendo que deveria voltar, não conseguiu mover-se, a presença ressentida e solitária invadia o jardim de tal forma que confundiu a deusa. As plantas, ela sentiu, estavam sendo afetadas pelo o humor do deus, algumas estavam perdendo a cor e as sombras tornando-se mais longas e densas.

Se prosseguisse, poderia ser perigoso. Se voltasse, seria igualmente perigoso e cansativo. E além do mais havia o jardim, que afetado pelos sentimentos intensos começava a perder a vivacidade. Não querendo que isso acontecesse, Perséfone tomada por um impulso repentino aproximou-se de Hades. A cabeça baixa, a pele arrepiada pela queda de temperatura, e o medo batendo contra o peito; prosseguiu, e a medida que se aproximava as plantas ao redor pareciam ficar mais despertas.

– Senhor...? – chamou baixinho querendo que Hades não a ouvisse, porém o deus mudou de posição e olhou de relance para trás antes de voltar sua atenção para frente.

– Ora, querida Perséfone a que devo a honra?

A voz rouca e calma fez-lhe um arrepio percorrer seu corpo. Hades era um deus do qual ela não sabia muito, a não ser seu ódio por Zeus e seu temperamento explosivo e claro, o lado sombrio, frio e egoísta. Talvez fosse melhor voltar para dentro... Antes que pudesse se virar para deixar o deus com seus pensamentos e murmurar um pedido de desculpas por atrapalha-lo, a voz de Hades soou, naquela estranha calmaria que Perséfone não conseguia associar a imagem de um deus impiedoso e frio. A aparência também não estava certa.

– Parecem divertir-se lá embaixo. Seria uma perda imensa, não ao menos observa-los mais de perto. – Hades falava mais para si do que para a deusa parada as suas costas.

E quando o deus começou a descer a escadaria que levava para a vila olimpiana, Perséfone se sentiu alivia e irritada ao mesmo tempo. Gostaria de descer e dançar com as ninfas e as deusas lá embaixo. Correr com as crianças pelas ruas atrás de algum sátiro. Hades olhou para trás a fim de confirmar que a deusa correria para dentro, aliviada; no entanto Perséfone continuava parada; meio ressentida. Com um suspiro divertido ele virou o corpo e encarou os olhos cor de mel de Perséfone que saindo de seu transe engoliu algo.

– Gostaria de fazer-me companhia querida? – Hades estendeu a mão.

Perséfone, quase recusou. Quase. Mas olhou bem para Hades e talvez aquilo fora sua perdição. A beleza pálida iluminada pelo o luar e as estrelas; os olhos negros como uma noite eterna iluminados por um brilho intenso; as linhas do rosto suaves e brandas no entanto, fortes e masculinas; e por fim um fantasma de um sorriso em seus lábios, convidando-a a dar um passo e estender-lhe a mão.

E assim o fez.

E temeu que ao toca-lo, morresse. Temeu o frio toque que o senhor do submundo tinha.

Temeu em vão.

Não morrerá. Não havia um toque frio. Muito pelo contrario, a palma de Hades era quente, macia e delicada ao se fechar minimamente sobre a sua numa caricia imperceptível. A conduziu escada abaixo, num silencio quase papável. Perséfone não sabia como reagir, estava a sós com Hades. Sua mãe não aprovaria, ficaria irritada e zangada. Porém deixou de pensar nisso quando a voz de Hades a puxou para o momento.

– Então minha cara, o que a trouxe a aceitar meu convite? – havia curiosidade na voz do deus, que embora não quisesse perguntara o que lhe atormentava.

– Estava indo para vila, rapidamente. – concluiu, para que ele soubesse que sua mãe estaria a esperando.

– Que armadilha do destino gentil.

Perséfone o olhou, não entendo o comentário. O que as Parcas teriam haver com aquilo, um arrepio subiu por seu ser ao pensar nas três velhas.

– Meu senhor?

– Digo que, os olimpianos não simpatizam muito comigo. Seria um tanto desagradável que minha presença solitária acabasse com a festança que estão fazendo. – explicou pacientemente mantendo o olhar a sua frente – E que, fora gentil de sua parte agraciar uma de minhas raras noites longe de meu reino, com sua presença encantadora.

Perséfone não sabia ao certo se o deus a estava elogiando ou a cortejando com segundas e terceiras pretensões. Não importava, estava sendo elogiada por Hades e não esperava isso vindo logo de um deus que deveria ser grosseiro e frio. Nunca pensara em Hades, pois nunca tivera qualquer contato com ele.

– Agradeço. – e acrescentou um pouco menos intimidada pela a presença de Hades – Também é uma honra ter sido convidada, não sabia que era tão... Gentil.

Perséfone riu de leve, nervosa. Hades parou e a olhou intensamente o que fez suas pernas tremerem.

– E não sou minha querida.

Aquelas palavras ditas num tom baixo e sombrio e ao mesmo tempo rouco e divertido, fazia os pelos de Perséfone arrepiarem-se. O pouco tempo que passaram na vila, fez Perséfone olhar de uma forma diferente o deus que todos classificavam como maligno e até cruel. Hades era silencioso, de poucas e elegantes palavras. Frio e quente ao mesmo tempo. E marcara uma presença forte na deusa que se pegava pensando nele enquanto, sentada no jardim sendo banhada pelo o sol, acariciava flores que mudavam de tonalidades a medida que seus pensamentos iam por cada momento que passara ao lado do senhor do submundo.

Eles passearam pela a vila, alguns pararam ao ver Hades, mas voltavam a se divertir. Ao passarem por eles, crianças sentiam arrepios e as ninfas pareciam ter um profundo e silencioso respeito pelo deus. Dançara um pouco com as outras deusas, enquanto Hades sentara-se distante da multidão observando tudo das sombras; ninguém o incomodou. E ao fim, a levara de volta ao jardim e com um breve dialogo a deixou.

– Agradeço imensamente a companhia. – ainda segurava a mão da deusa da primavera quando prosseguiu – Espero que tenha se divertido e apreciado, igual a mim. – e trazendo a mão esquerda de Perséfone até os lábios macios, onde depositou um beijo casto, acrescentou – Tenha uma ótima noite, bela Perséfone!

E adentrou o palácio de seu pai, a deixando quente e de uma maneira assustada e maravilhada, no meio do jardim com o luar dando um aspecto prateado e até fantasmagórico as plantas. Sua mãe não suspeitara de nada, pois quando voltou ela ainda conversava com Ártemis, viu Hades conversando com Atena, mas seus olhos a seguiram até juntar-se a mãe. Mas minutos depois ele desaparecera. Voltara para seu reino.

Agora, uma semana depois a deusa ainda ficava perdida em pensamentos, curiosa. Hades não parecia tudo o que diziam, muito pelo contrário, o que a deixou confusa e interessada. Levantando da relva, sentiu o vento soprar do leste e os raios de sol esquentarem sua pele morena. Andou até a beira de um riacho onde naiades brincavam, seguiu o riacho até um campo mais aberto e desprovido de flores; o mato verde cobrindo todo o campo onde animais pastavam, os mortais tranquilos, os observava e conversavam entre si. Uma cena pacifica. Tentou imaginar por um momento o submundo e depois de algumas tentativas desistiu, dando um longo suspiro e girando sobre os pés, fazendo sua toga florida balançar. Um som, distante a interrompeu.

Vinha de uma cidade próxima ali, onde seu governante era um grande amante de coisas mortas. Ouvira falar que ele matava e empalhava animais, e fazia sacrifícios constantes a Hades. Não era todo mortal que admirava o deus; Viu a comoção dos mortais quando um cavaleiro se aproximou, montado num garanhão marrom e gritou para todos ouvirem:

– Entristeçam-se, pois seu governante está à beira da morte!

E após isso saiu para espalhar a noticia a outros campos e povoados. Os mortais conversavam entre si, com opiniões diversas sobre essa trágica noticia. Alguns estavam com medo, pois o sucessor era um seguidor de Ares, e Perséfone achou que tinham toda a razão em temer. Deixando os mortais para trás, mudou de local; agora estava numa clareira onde uma cabana modesta estava alojada ao centro, e ao seu redor flores, com exceção da parte onde uma horta muito bem cuidada ficava. Sua mãe gostava de trabalhar como os mortais, apreciava cuidar de suas tarefas com as próprias mãos. E a deusa estava ali, colhendo numa cesta os frutos de seus cuidados.

– Minha mãe! – saudou-a Perséfone.

– Perséfone! Esse ano a colheita está maravilhosa! – e levantou uma linda abobora antes de coloca-la no cesto trançado.

– Sim, está.

O verão iniciava-se, e Perséfone já estava com saudades de sua estação. Porém, estava satisfeita. E mesmo assim, haviam outras tarefas a se cumprir antes que o inverno inicia-se. Naquela tarde ajudou a mãe, sem saber que no dia seguinte naquele mesmo horário não voltaria para aquela cabana do mesmo modo.


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Notas finais do capítulo

Eu revisei um monte de vezes, de qualquer modo se haver algum erro eu corrijo quando for postar a segunda parte. Espero que tenham gostado desse. ^^