Eu acordei com a luz do sol invadindo o meu quarto. Daniel já havia saído, o que me dizia que já estava atrasado para a aula e podia ficar mais um pouco na cama. Eu havia conseguido faltar durante uma semana as aulas. Doente, foi o que disse para a secretaria. Eu só não sabia o que estava mais doente: Meu orgulho ou meu corpo. As marcas roxas estavam nas minhas costas inteiras. Eu não havia conseguido falar com América pela semana que se seguiu. Ignorei qualquer tentativa que ela fizesse de falar comigo, e como não tinha saído nenhuma vez do dormitório, eu estava executando meu plano com maestria. Mas sabia que não seria assim por muito tempo, naquele mesmo dia, ainda tinha treino de kung fu, que eu não podia faltar e com certeza na próxima semana já devia estar nas aulas.

Peguei-me encarando o teto e pensando em como eu era otário. Havia um vazio no meu peito que nada preenchia. Todas as coisas sujas que Peter havia dito... Elas não saiam da minha mente. Eu queria vomitar. Queria chorar. Queria nunca mais vê-los. Por que? Por que um cara como ele? Por que eu tinha que escutar tudo aquilo? As lagrimas quentes queimaram em minhas bochechas. Então ali estava a mensagem. Nada menos que a minha carrasca. O motivo de toda e qualquer angustia que eu pudesse ter no momento.

Uriel, cadê você?

Estou sentindo tanto a sua falta.

Eu poderia ficar feliz. Poderia. Só que não fiquei. Não devia ser a minha falta que ela sentia. E sim dele. Peter. Ela queria alguém para lhe concertar os cacos. Dessa vez ela teria que me perdoar, eu não estava conseguindo nem juntar os meus.

Eu não queria vê-la. Não queria despedaçar meu coração só de olha-la.

E depois de encharcar a porcaria do travesseiro, eu peguei no sono.

Daniel me acordou a tarde, eu queria manda-lo ao inferno por isso, mas ele era muito legal e não merecia, mas ele ficou andando de um lado para o outro, até que eu desisti de esperar.

–Fale logo.

Daniel respirou fundo.

–Sua garota está com problemas. – Ele praticamente cospe as palavras.

–O que aconteceu? – Eu estou gritando e de pé, antes que me dê conta. Então eu coro. – Ela não é minha garota...

–Certo...

–Conte logo.

–Certo. Calma, Romeu. – Ele falou e então começou a falar.

Daniel contou que nessa manhã Peter foi atrás de Alaska, fez algum comentário sobre seu peso e a humilhou na frente de todos. America, que nunca aceitaria fazer isso com algum de seus amigos na sua frente, se levantou para defender a colega. Claro que Peter não deixou isso barato. Ele havia dito pra todos na escola o que ele havia feito com ela. E de algum jeito todos os exs de América se juntaram ao coro. Resultado? Até o final do dia já tinham até pichado vadia no seu armário.

Eu não sabia o que sentir sobre isso. Apenas que eu estava atrasado para o treino.

Eu gostava de treinar. Naquele tatame eu me sentia forte e livre. Completamente concentrado e livre de pensamentos relacionados a America. Eu tinha uma faixa razoável. Anos de treino rendiam resultados. Eu também gostava das pessoas que treinavam comigo, gostava da minha dupla, Camila era brilhante, e por mais incrível que possa parecer ela, ela dizia estar apaixonada por mim. E eu, como o grande otário que era, apenas ignorava. Mas não naquele dia. Eu correspondi as brincadeiras, e não desviei meus olhos dos olhares. Do que estava me adiantando continuar tendo tal apego a uma pessoa que jamais seria minha?

A aula passou rápido, e de um jeito bom, eu estava com todos os meus músculos doloridos. Me juntei ao resto do pessoal numa pequena área cheia de bancos, ao lado dos armários onde guardávamos os sapatos e nossos pertences.

– O que houve com você, Uriel? – Perguntou Camila, batendo seus longos cílios castanhos para mim. – Eu estava preocupada.

–Eu... Não estava me sentindo bem. – Respondo, o que não era mentira. Eu me sentia um lixo.

– Você podia ter me chamado... Eu poderia cuidar de você. – Ela diz, jogando seus longos cabelos negros para trás.

Atrás de mim, meus colegas começam a rir.

–Vá lá Uriel! Deixe de viadagem e dê logo uma chance para a moça! – Disse Jonathan, um garoto uma faixa abaixo, olhos castanhos, cabelos castanhos, e quase a mesma altura que eu.

Antes que eu pudesse responder, uma voz me chama e eu sinto meu coração gelar.

– Uriel? – Ela chama, um pouco tímida, mas algo em sua expressão me diz que ela está com raiva.

Ela está tão linda que sinto vontade de puxa-la para mim e a beijar até que não possa mais.

–Oi... – Digo surpreso, ela nunca tinha vindo aqui antes.

Meus amigos param para a observar. Estou acostumado, ela sempre chama atenção. Atenção demais.

–Eu assisti seu treino hoje, será que eu poderia falar com você um pouco?

Não. Suma daqui.

Não quero secar suas lagrimas.

Não enquanto você faz as minhas surgirem.

– Claro. – É o que digo, então termino de por meus sapatos. – Até mais pessoal.

Camila me da um olhar decepcionado quando saio com America. Eu também teria me dado um olhar decepcionado, se pudesse.

– Você estava me evitando? – Ela pergunta. Direta, como sempre.

–Do que você está falando?

– Eu te mandei várias mensagens...

– Úrsula achou meu celular reserva... – Minto.

– Entendo... E Daniel não te passou nenhum dos meus recados? – Ela pergunta fazendo biquinho.

Eu me seguro para não me render aos seus encantos.

–Ele esqueceu! Com certeza eu vou arrancar a cabeça dele por isso.

–Tudo bem. – Ela diz rindo aliviada, e então se joga no meu pescoço me abraçando. – Eu só estou feliz de ver você. Você faz tanta falta Uriel.

Eu fiquei sem respirar outra vez, o cheiro dela me inundando, um perfume cítrico emanava de seus cabelos, me forcei a corresponder o abraço. Eu não queria (querer) desesperadamente aquele abraço.

– Eu sei que você está cansado, mas poderia ir até a piscina comigo? É só um pouco, você pode marcar meu tempo... Eu só... quero ficar mais um pouco perto de você.

Eu quis dizer não. Mandar ela procurar o Peter. Mas eu não queria sair de perto dela, então acenei com a cabeça e ela me puxou pela mão.

–Posso fazer uma pergunta? – Ela diz e desvia o olhar.

–Se houver algo sobre mim que você ainda queira saber.

–Eu sempre quero saber sobre você. – Ela diz me encarando mas rapidamente volta o olhar pra longe.

Eu acho que meu coração erra uma batida.

– Bem... er... Aquela garota... aquela que treinou com você... É ela sua garota misteriosa?

Eu a encaro e começo a rir.

Garota misteriosa era o apelido que America e minha irmã tinham dado para a suposta garota por quem eu devia estar apaixonado, já que jamais sairá com alguém. Mal sabia que estava dando um nome a si mesma.

–Camila? Meu deus não!

Ela abre um sorriso para mim.

–Desculpe!

– Tudo bem!

Nos andamos mais um pouco. E lá estava a área da piscina.

– Marco seu tempo?

–Lógico!

Eu, inocentemente penso que ela vai ao vestiário, mas não!

Ela tira o vestido que usa ali mesmo, bem na minha frente, exibindo as curvas bem desenhadas. Ela era como uma facada.

Eu fiquei lá, a admirando enquanto punha os óculos e a touca, mas a imagem dela com Peter não me saia da cabeça. Me fazia querer vomitar e chorar.

Eu gostava de vê-la nadar. Era tão graciosa. Se movia com tanta naturalidade, fazia parecer que a água era pare dela.

Mas ela não falava nada. Ela não puxou assunto. Não disse que estava com problemas. Não falou sobre Peter. Não me pediu que concertasse nada. E eu não sabia se isso era algo bom ou ruim.

Antes de sair da piscina ela vai até a borda onde estou e me encara.

– O que?

–Quero te fazer um convite.

–Qual? – Pergunto erguendo uma sobrancelha.

–Isobel Dara uma festa... e eu gostaria que você fosse comigo... como meu par.

Reviro os olhos.

–Seus amigos não gostam de mim.

– Mas eu gosto. – Falou com o olhar firme por trás dos óculos.

–Por favor, Uriel.

–Eu pensarei no seu caso.

Ela sorriu, radiante, já se considerando uma vencedora.

Eu me perguntei como ela ainda era convidada para festas. Na verdade me perguntei varias coisas, mas ela não me deu respostas.