Terceira Lua escrita por Maria Capitu


Capítulo 3
Capítulo III - Tentação


Notas iniciais do capítulo

Aviso rápido: escrevi a maior parte na madrugada, então pode conter erros. Boa leitura :3



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— O quê... O que você quer aqui? – disse a garota num sussurro desesperado.
 Ela adiantou-se alguns passos, mas se deteve quando o rapaz recuou de imediato, porém graciosamente, como se estivesse receoso de seu toque. Logo se recompôs com o seu sorriso irônico. A claridade do sol poente das enormes janelas tocava-lhe a face destacando ainda mais seu olhar malicioso.
— Parece que os efeitos colaterais já estão se fazendo visíveis – disse ele contornando a garota com os olhos.
 Agnes corou e cruzou os braços tentando disfarçar se desconforto.
— Como assim, efeitos colaterais? – perguntou.
— Ora, você está fazendo dezesseis, algumas mudanças são muito comuns para pessoas como você nessa idade.
— De onde tirou isso, de um texto sobre puberdade? O que quer dizer com pessoas como eu?
— Bem, parte da nossa espécie, como eu já disse, se transforma em noturno ao sobreviver a um ataque de lua cheia, sucedendo-se a algumas mudanças como adquirir habilidades distintas, ficar fisicamente mais atraente para seduzir a sua preza e, é claro, a sede por sangue.
— E a outra parte...?
O sorriso dele vacilou.
— A outra parte, muito rara por assim dizer... Já nasce assim, e a sua transformação começa no décimo sexto ano de vida. E creio eu que você não sofreu nenhum ataque, sofreu?
— Ah, não, eu teria me lembrado com certeza – disse ela em um tom teatral – Mas, que engraçado, eu também não me lembro de ter tido uma fada madrinha do mal que me amaldiçoou.
— Você não teve, realmente. Todos os nascidos noturnos são filhos de outros nascidos noturnos. Regra sem exceção.
Agnes tentou rir, mas saiu mais como um suspiro de descrença.
— Você está me dizendo que os meus pais, que vivi por toda minha infância...
Ela se interrompeu quando uma frase voltou à sua cabeça: "Não seja tola garota, aqueles não eram seus pais".
 O garoto pareceu adivinhar o que ela estava pensando, mas antes que pudesse falar, os passos na escada voltaram a atenção de Agnes para os degraus.
— O que está fazendo? – Perguntou Eric inclinando-se para ver além dela.
 Ela se voltou para o mesmo, mas não havia mais ninguém ali, então ouviram um barulho vindo da primeira porta no final do corredor.
— Quem está na biblioteca? – questionou o irmão.
 Agnes deu de ombros, confusa. Eric caminhou calmamente até a porta, a irmã o seguiu até parar diante da mesinha em que o garoto havia deixado o pacote. Na embalagem não havia o nome do remetente, apenas um envelope com um endereço que a garota desconhecia e uma frase, "Para Meu Anjo". Sua primeira reação foi revirar os olhos, e então depois lhe ocorreu quem poderia estar na biblioteca.
— Eric! – ela chamou quando o irmão estava há centímetros da maçaneta.
Ele se virou para a irmã, mas era tarde, a porta se abriu. A garota suspirou aliviada ao ver que era apenas mais um funcionário.
— Como diabos eu cheguei aqui tão rápido? – Perguntou o homem lentamente com total confusão.
 Agnes viu a oportunidade perfeita para fugir do questionamento do irmão e o fez sem muito esforço correndo mais uma vez para o seu refúgio, mais conhecido como quarto.
 Ao examinar a encomenda, notou que não se tratava exatamente de uma caixa, mas sim de um pequeno baú. Abriu o envelope e leu o bilhete em uma caligrafia delicada e perfeita.

 Sei que a minha recepção não foi vista como uma das melhores, mas aceite este presente como uma forma de me redimir. Creio que lhe será muito útil e até ouso aconselhar-lhe a mante-lo consigo a partir de agora. Há coisas de que precisa saber e se por ventura se recusar a me ouvir, terei que interferir de modo inconvenientemente desagradável, para o bem de todos. Quando puder, me procure no endereço do remetente.

P.S.: Esta noite evite usar muito de seus novos sentidos e principalmente ficar à sós com alguém, isso pode leva-la a fazer coisas que certamente não quer.

Com toda sinceridade, seu Garoto Pesadelo.

Garoto Pesadelo?!, Agnes leu perplexa. Como ele poderia saber desse tratamento se nem sequer havia mencionado em voz alta? Logo outra coisa lhe atiçou a curiosidade - Além, é claro, do P.S. de todo modo, muito esquisito -, o objeto cor de cobre, envolto numa capinha, dentro do baú. Agnes o desembainhou e o punhal em bronze brilhou contra a luz do ambiente. Tinha aproximadamente o tamanho de seu antebraço, muito leve, ela achou, mas mortalmente afiado. Testou em seu dedo indicador esquerdo, mal pressionou a lâmina e conseguiu um corte muito digno. Não fazia ideia de como poderia usar aquilo, mas achou incrível. Se levantou até uma gaveta da escrivaninha para pegar um curativo, porém não precisou usar, já que o seu dedo havia milagrosamente se curado.
— Tudo bem... Isso foi estranho.
 Agnes se voltou para o punhal e admirou-o por mais alguns instantes, resolveu guarda-lo por fim. Preparou a banheira de hidromassagem e se demorou por um bom tempo no banho refletindo sobre cada palavra do seu Garoto Pesadelo. Não conseguiu nem de longe chegar a uma clara conclusão, a única coisa de que sabia era de uma história sobre anjos, que nunca tinha ouvido falar e que ela possivelmente era uma espécie de sanguessuga assassina, tirando o fato de que nunca matara ninguém. Ok. Ela se tocou de que não sabia absolutamente nada sobre o Garoto Pesadelo e decidiu qual seria seu próximo objetivo: descobrir algo, caso o encontrasse novamente. Por fim, vestiu o seu roupão e logo ao sair do banheiro, ela atendeu a porta em que uma das empregadas, Selina, batia para entregar o vestido que Agnes escolhera no dia anterior. Agnes agradeceu e assim que ela se foi, Marta apareceu para cuidar do seu penteado.
— E então, o que quer que eu faça hoje? - Disse Marta com a sua costumeira voz mansa.
— Confio em você - afirmou Agnes se sentando em frente ao espelho da penteadeira - muito mais do que em mim, para ser franca.
Marta deixou escapar uma doce risada.
— Tudo bem.
Ela se aproximou e começou a secar o cabelo da menina.
— Marta...
— Sim?
Agnes deu uma pausa, pensando em como poderia começar.
— Eu sei que você está com a nossa família a bastante tempo e sabe sobre muita coisa desta casa e tudo mais... Bom, o que eu quero perguntar é se os meus pais... Se eles não tiveram a oportunidade de me contar alguma coisa importante que eu deveria saber.
 Agnes observou a reação da cabeleireira através do espelho. Primeiro pareceu surpresa, talvez por ela ter tocado no assunto depois de tanto tempo, em seguida suavizou sua expressão e repondeu calmamente.
— Nada que me passe pela cabeça.
Ela estava sendo sincera, porém Agnes não se deu por satisfeita. Mas como diabos alguém em seu estado de sensatez poderia dizer a uma garota órfã que é adotada no dia do seu aniversário?
— Tem certeza? - tentou mais uma vez.
— Claro, querida. Mas por que a pergunta? - perguntou Marta desconfortável.
— Não é nada, não se preocupe com isso.
Marta imediatamente assumiu uma expressão preocupada. Ótimo, Agnes, pensou a garota, Agora você tem alguém desconfiada, e com razão!
— Então - ela limpou a garganta mudando de assunto - Como está o Léo?
— Ah, você o verá mais logo, ele está aqui - disse ela animando-se - Pobrezinho, meu filho anda tão ocupado com os estudos que mal consegue se divertir, hoje será ótimo para ele se descontrair um pouco.
 Agnes não pôde conter o sorriso.
— Fico feliz que ele tenha vindo.
 Leonardo sempre foi tratado como um irmão por Eric e Agnes, eles praticamente foram criados juntos, mas a sua entrada para a faculdade os afastaram um pouco.
— Prontinho - disse Marta de repente.
Agnes mal percebera o que ela estava fazendo em seu cabelo. Uma trança única envolvia o topo da sua cabeça como uma coroa e as madeixas caiam-se soltas em ondulações.
— Marta! - admirou-se a garota - Está lindo, muito melhor do que qualquer coisa que eu poderia pensar, muito obrigada.
Levantou-se e deu-lhe um beijo no rosto.
— Não foi nada - respondeu Marta sorridente - Precisa de mais alguma ajuda, querida?
— Acho que estou bem.
A mulher se retirou satisfeita, deixando Agnes sozinha. Ela se voltou para o espelho e de repente lhe bateu um arrependimento de não ter pedido a Marta que fizesse também a maquiagem.
— Okay, vejamos...
Ela avaliou o seu reflexo e percebeu que não precisava de muita coisa. Desde que acordara sua pele parecia ótima e não havia uma mancha sequer no rosto. Se demorou um pouco na sombra por falta de prática, usou uma máscara de cílios preta e batom de cor quente e suave. Gostou do resultado, nada muito chamativo.
 Vestiu-se por fim, então notou o que, de todas as coisas, não havia imaginado: a roupa estava mais justa. Maldita hora. Resolveu deixar de lado o fato de que o vestido encolhera para quase a metade da coxa e calçou o seu confortável coturnos. Sara com certeza reprovaria, ela havia escolhido um "lindo" salto especialmente para a ocasião, mas já bastava o vestido, Agnes tinha o direito de ser feliz pelo menos na escolha dos sapatos. Admirou por alguns instantes seu reflexo no espelho e ficou satisfeita, decidiu então descer.
 Já nas escadas, ouviu a música ecoar pela casa. Ao passar os olhos pela sala, percebeu que havia chegado mais convidados do que ela imaginara, não se surpreenderia em saber que estava atrasada, já era de seu hábito. Ao notarem a aniversariante, absolutamente todos os olhares se viraram para ela. Agnes imediatamente procurou o de Sara e a encontrou balançando a cabeça com um sorriso que ela entendeu como um "Essa garota não tem jeito". Ela sorriu de volta e continuou a descer sem pressa. Ana e Leonardo a aguardavam fascinados, nos últimos degraus. Ela abraçou o amigo que ficou meio sem jeito com o gesto repentino da garota. O rapaz mais parecia ter dezesseis anos do que dezenove e apesar da camisa social lhe dar um ar de mais sério, os cachinhos castanhos que espalhavam-se pela sua testa diziam a Agnes que ele continuava o mesmo desde a última vez que o vira, há dois anos.
— Agnes! Como você está... Crescida - disse Léo enrubescendo por trás dos óculos.
— Que papo é esse, vovô? - brincou ela risonha - Estava com saudades.
— Amiga, você arrasou! - Ana elogiou com um gritinho histérico - Não me lembro de ter te visto de vestido antes.
Ana usava uma blusa jeans sobre uma saia branca numa combinação magnífica com o seu All Star de cano médio. Agnes, particularmente, amava o estilo de Ana.
— Eu fui meio que obrigada a usar - respondeu ela - Sabe como é.
— Sara?
— Sara.
— E por falar nela...
Sara se aproximava dos três com o seu deslumbrante vestido preto no comprimento dos joelhos, com detalhes de renda e mangas longas, boca de sino. Ela dirigiu um olhar acusatório para os coturnos e depois para a barra do vestido de Agnes, certamente medindo seu comprimento com os olhos. Agnes levantou as mãos rendidas com cara de inocente.
— Não sei de nada - disse em sua defesa e correu junto com Ana para o outro lado da sala cumprimentando os convidados por quem passava. Então viu Marco se aproximando com um sorriso largo no rosto. Agnes estremeceu com a visão do garoto. Ele vestia exatamente a mesma roupa que o Garoto Pesadelo usava na sua primeira visita à Agnes depois do episódio na loja, e o pior era que os dois tinham quase as mesmas proporções, apenas o que os distinguiam eram os traços de origem italiana de Marco. Cabelos castanhos, olhos verdes e rosto anguloso. Mas logo o arrepio estranho se dissipou quando Marco pegou a sua mão calorosamente, levou-a até a boca e beijou-a.
— Se me permite dizer, Senhorita - disse ele admirado - Você está inacreditável.
— É o adjetivo perfeito para o que eu poderia dizer sobre você hoje - Agnes sorriu com a coincidência.
— Ei, Ana!
— E aí, Catalano...
 Ana e Marco cumprimentaram-se com um soquinho de mãos. Essa intimidade era comum entre os três. Estudavam na mesma escola e partilhavam da mesma herança. Os três eram filhos dos três primeiros sócios da multinacional que o pai deixara para Eric após a sua morte, tornando-o o sócio mais jovem da empresa, com vinte e seis anos, e com a maior parte das ações. O trio já tinha mais de cinco anos de convivência.
— Eu acho que vou pegar um coquetel para mim - Ana disse se afastando - Até mais, pombinhos.
 Agnes riu balançando a cabeça.
 Uma nova música começou e ao notar, Marco não perdeu um segundo.
— Me daria a honra? - Ele pediu estendendo a mão.
Agnes deu uma olhada nos outros convidados e ninguém estava dançando em par, ficou meio hesitante, mas acabou aceitando ao olhar para sorriso esperançoso do seu parceiro.

 Ela dançou duas músicas inteiras com Marco. Não conversaram nada de muito interessante, apenas alguns comentários sobre a festa ou as férias, passaram a maior parte do tempo admirando um ao outro. Eric olhava algumas vezes para a direção dos dois inspecionando, mas Sara logo chamava sua atenção para outra coisa. Agnes conversou com alguns convidados, dançou um pouco com Léo e perguntou sobre a faculdade, Ana estava entretendo alguns dos convidados com o seu papo bem humorado. Tudo corria muito bem... Até Marco levar Agnes para o passeio no jardim.
— Eu acho que nunca me diverti tanto em uma só noite - começou ele.
— Eu aposto que você diz isso em todas as festas - respondeu a garota - Você mesmo disse na última que fomos juntos.
— É sim, eu digo...
— Eu sabia.
— ...Mas só quando estou com você - Ele segurou em sua mão e ficaram de frente um para o outro.
 Agnes sentiu sua pupila dilatar imediatamente ao olhar para o garoto, a boca secou completamente, os ouvidos podiam escutar claramente cada palpitação do coração de Marco que batiam num ritmo acelerado e dançavam junto com o sangue jovem que circulava pelas suas veias. Agnes sentia a vida. Não a dela, mas a de Marco. E o desejo por toma-la só aumentava a cada segundo perto dele, era quase impossível de controlar. Ele se aproximou e Agnes apertou o antebraço do garoto, receosa de que ele fugisse. Tão tolinha, não sabia ela que ele estava hipnotizado pela predadora e nem cogitava em sair do lugar? O que estava acontecendo com ela? Por que queria desesperadamente enfiar as suas presas nas veias do garoto e sugá-lo até a alma? A tentação era enorme, ela mal podia raciocinar, mas então sua visão aguçada captou um movimento estranhamente rápido em algum ponto atrás do garoto e ela voltou a si por milésimos de segundos. Foi o que bastou para que sua lucidez a informasse que havia algo de errado e então foi a deixa para ela correr cega e desesperadamente com um único destino: qualquer lugar bem longe de Marco.


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Notas finais do capítulo

Fase tortura: mode on. Obrigada por ler :3



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