BISSONÊ ORTIZ.

Finalmente já era a hora de voltar para a minha casa, para minha família. Tenho certeza que Yvana deve estar preparando o jantar. Ah, não vejo a hora de nossa filha Amélia nascer. Vou ensina-la tudo que sei sobre a caça, ela vai ser uma garota forte, e se puxar a mãe, vai ser dona de um dos rostos mais bonitos. Não gosto de voltar para casa essa hora da noite, apesar de eu souber cuidar-me sozinho, não confio nem mesmo nessas árvores. Cortei mais um galho com meu facão, que atrapalhava minha passagem, foi quando ouvi alguns passos cautelosos vindo de trás. Eu me virei e não vi nada, mas quando fui continuar meu caminho, avistei uma mulher sentada em um tronco. Ela estava com um capuz vermelho, eu não conseguia enxergar seu rosto, apenas seus cabelos negros encaracolados que apareciam sob seus ombros, e que me fez lembrar bastante da minha mulher Yvana. Ela estava chorando, não hesitei em me aproximar.

– Minha senhora, está tudo bem? – Perguntei inquieto e incomodado por fazer Yvana me esperar por mais tempo.

– Minha... Ah, Ray... Como eu sinto sua falta. – Lamentou a mulher.

– Desculpe-me senhora, mas não me chamo Ray.

– Eu sei, eu sei. Você se parece tanto com ele...

Ela ergueu seu olhar, e retirou seu capuz. Por segundos eu pensei que era Yvana, ela tinha o aspecto físico igualzinho ao de minha mulher, se não fosse pelas rugas e pela expressão de tristeza em seu rosto, eu juraria que era Yvana. Eu recuei para trás desnorteado, apesar de não ser ela, as duas se parecem muito, e isso é assustador. Ela se levantou e veio em minha direção, desabotoando o cós de seu vestido, e arrumando seus cabelos encaracolados para o lado.

– Seja meu pela a última vez, Ray. – Suplicou a mulher. – Por favor.

– Não. – Balancei a cabeça em negação, e confuso.- Quem é você?!

– Meu nome não lhe interessa, só me de seu amor pela última vez.

Ela se jogou em meus braços e deslizou sua mão pelo meu tronco. Eu a empurrei para trás e ela caiu sobre o chão, sentada.

– Diga seu nome! – Ameacei.

– Tudo... tudo bem. – Ela mal articulou as palavras de sua boca fazendo a resposta sair em meio a um sussurro.- Meu nome é Samantha. Eu disse que isso não importava.

Ela continuou a retirar suas roupas, mesmo sentada. Eu firmei meu facão na mão, e passei por ela, correndo o mais rápido possível em direção à minha casa. Quem é essa, e o que ela queria comigo? Ela é igualzinha a Yvana, merda, o que isso significa? Assim que cheguei em casa, finquei meu punho contra a porta, batendo em desespero, Yvana atendeu logo em seguida.

– Querido, o que foi?

Ela não pode dizer mais nada, uma rajada de fogo cobriu em volta de nossa casa, em nossa volta. Suas chamas queimavam a palha no chão que gerava uma enorme quantidade de fumaça. A mesma mulher, Samantha, apareceu em meio as chamas, com seu vestido e seu capuz cobrindo seu rosto. Yvana segurou meu braço, ordenando para eu me aproximar mais dela.

– Yvana... Mulher de sorte. Conseguiu um dos gêmeos Ortiz. E ainda por cima, conseguiu viver mais uns aninhos. E você, já se perguntou como ela sabe de tantas coisas? – Ela indagou para mim. Não respondi nada, fiquei quieto.

– Samantha, o que você quer por aqui? – Retrucou Yvana.

– Eu quero o que é meu por direito. A vida da sua filha.

Forcei-me para não avançar para a frente, minha mulher percebeu e se colocou na minha frente. Como ela consegue ser tão forte e firme assim?

– Você não tem direito a nada aqui. A sua vida já acabou, Samantha.

– Você sabe que isso não é verdade. Você também não é inocente, minha irmã. – Aquelas duas últimas palavras assombraram-me por todas as minhas lembranças do que já vivi com Yvana, e ela nunca tinha me contado que tinha uma irmã. – Você também fez o juramento pela juventude da geração Ortiz.

– Isso já faz décadas, Samantha. Essa é minha última vida, e você não vai tirar a da minha filha!

Eu não consegui ver mais nada, apenas alguns raios, fumaças e relâmpagos. E aquilo se prolongou em torno de setenta segundos. Quem era Samantha? O que ela queria com minha filha? O que significa a juventude dos Ortiz? O que estava acontecendo? Foi aí que ouvi um grito de dor e lamentação, os relâmpagos se cessaram e a fumaça abaixou. Yvana estava deitada no chão sob as palhas. Minha primeira reação foi correr para socorre-la, mas hesitei quando vi Samantha agachada no chão, ao lado da irmã, segurando uma adaga que estava fincada na barriga da minha mulher. Na minha criança.

– Anos mais tarde, Yvana ficou grávida de um garoto, seu avô Heitor. Sua bisa era uma mulher muito sábia, querido. E ela sabia que Samantha voltaria em outras vidas, para buscar a juventude dos Ortiz. Ou seja, a juventude de sua irmã. Ela então criou um ritual, o Game of Trangerbark. E passou todas as regras e os acontecimentos para seu avô.

“Ele então me alertou diversas vezes, que quando isso acontecesse, e se ele não estivesse vivo, eu teria que jogar, para salvar a vida de quem tivesse a juventude, e matar Samantha de uma vez por todas. E essa hora chegou. Samantha levou sua irmã. Ela sabia que não poderia matá-la ainda, então a prendeu no submundo de sua bisa, ou seja, ela prendeu sua irmã no Game of Trangerbark. Querido, eu o faria, mas minha idade não me permite. Você precisa salvar Catarina. “.