Capítulo 20

David olhava para Kate desacordada na cama, pensando nos riscos que ela correu por sua causa. Pela primeira vez, em anos, ele começou a se importar com alguém que não fosse ele mesmo.

Sebastian, seu pai, nunca deu atenção, carinho... Qualquer outro tipo de afeto para ele. David se lembrava de ir ao mundo humano para olhar suas irmãs a distância.

Ele se lembrava de uma tarde de novembro, onde Emma e Kate corriam pelo quintal aos gritos. Ele queria ir até elas. Mas não poderia se mostrar a elas, ele estava proibido e fadado a crescer sem carinho ou amigos. Era só ele e corredores sombrios do casarão.

Ele passava horas as olhando brincar, às vezes, até se arriscava e esbarrar nas meninas pelas ruas só para poder olhá-las de perto, até que nunca mais pode voltar ao mundo humano. Era só ele, o conselho e mais ordens vinda de seu pai.

Kate pareceu se mexer, ele chamou por ela.

Kate tentava abrir os olhos, no entanto, ao tentar abri-los, ela sentia dor pela luz que entrava no local, qualquer que fosse ele.

— Katherine? Está se sentindo bem? – David perguntou tocando-lhe o rosto.

Kate levantou, tentando tampar os olhos.

— Minha cabeça vai estourar. Pode fechar as cortinas, por favor?

— Claro, como quiser.

David fechou as cortinas. Voltou a se sentar ao lado de Kate na cama.

— Está tudo bem? Quer alguma coisa?

— Onde está Jamie? Só me lembro de... não sei... está tudo embaralhado em minha mente. Ele não podia vir comigo... Ele foi por outro caminho.

— Ele está bem, ele acordou faz algumas horas. Você dormiu por vinte e quatro horas seguidas.

— Nossa... Acho que em vez de bruxa, sou um urso! – Tentou fazer piada.

David riu e levantou caminhando de um lado para o outro.

— Kate... O que aconteceu lá... Você simplesmente sumiu. – Ele tinha o semblante sério enquanto falava com ela.

Kate não sabia responder.

Ela era um mistério para si mesma. A cada segundo, ela descobria algo de si mesma, coisas boas e ruins. Mas também sabia, que teria muitas lutas pela frente.

— Eu não sei, Dav. Eu só sei que voltei no tempo, vi a morte de Amara Lookwood... Presenciei a morte de Matt e Seth... E isto está doendo feito o inferno. Eu senti... O fogo consumia o corpo dela, era como se eu estivesse lá... Mas ela foi forte, eu fui forte. – Ela olhava para um abajur acesso ao lado de sua cama, lembrando-se de cada cena que viu. – Mesmo que todos estes canalhas tenha destruído tudo, feito isso comigo, com ela... Com todos os seres sobrenaturais, sinto que posso fazer a diferença.

— Kate, o conselho quer matar o mal pela raiz. – Ele a olhou nos olhos. – Eles a acham poderosa demais para viver neste plano. Eles a veneram, mas também a temem.

— O que quer dizer com... Cortar o mal pela raiz?

— Quando você sumiu, eles cogitaram de matá-la... Eu a protegerei, Kate. Você é sangue do meu sangue, e eu te prometo, eles não vão fazer o mesmo com você, o mesmo que fizeram a ela.

— Eles não vão me matar, Dav. Eu posso ajudar eles. Eu sei que posso mudar a ideia deles sobre viver escondidos aqui, mesmo que tudo seja bonito. Este povo merece ter escolhas. Humanos são feitos de escravos... Isso é desumano.

— Eles não querem mudança, Kate. Eles querem controle... Querem uma arma maleável para controlar e persuadir o povo.

Kate levantou da cama.

Ela não sabia como a conversa havia chegado a tal ponto.

Era como se fosse uma mentira. Ela estava ali por que foi trazida a força, porque a queriam ali. Não era?

— Porque estou aqui, David? Qual foi o verdadeiro motivo de me trazer até aqui?

— Eles queriam treiná-la, trazê-la para o nosso lado. Você foi feita para isso, Kate. Uma arma para nossa proteção e por ganância dos anciões.

— Então, caso eu não fosse boa o suficiente eu seria morta?

Ele não disse nada.

— Vocês são cruéis... Depois você vem me dizer que eu estarei protegida ao seu lado, David. – Kate sentiu os dedos de sua mão ficarem quentes. Seu corpo esquentava pouco a pouco. – Quando cheguei aqui, pensei que estivesse encontrado um lar, mas encontrei uma prisão. Fugi de uma para entrar numa pior, onde só querem minha presença pelo que eu tenho a oferecer. – Kate não se importava pelo tom alterado que usava. – Todos vocês não passam de vermes.

— Não eu, Kate. O conselho que dita as regras... Será que você não ver que é isso que eles temem... O seu poder.

— Eu não queria isso... David! – A cortina começou a pegar fogo atrás de David. Ele se virou encarando as chamas assustado. – Eu não pedi para nascer assim... Não sei como vocês me veem, uma arma, uma abominação... Eu já não sei quem sou, o que esperam de mim... Sinto-me um bicho de laboratório, em testes... Sendo observado. Eu não quero isso.

— Me desculpe, irmã... Eu não queria isso. Eu sinto muito.

— Não, não sente. Eles só querem me usar. Não aceitarei ser usada. Por favor, me deixe sozinha. Por mais que tenha me contado tudo, não sei se devo confiar em você, Dav.

David saiu do quarto a deixando sozinha.

Kate não queria ficar ali.

Ela queria sair, ir atrás de Matt.

Katy levantou de sua cama, indo até a janela, vendo o terreno vazio e as árvores balançando contra o vento. Ela fechou os olhos contendo lágrimas, lembrando-se de usar magia para fazê-lo esquecer de sua existência. Isto a queimava por dentro.

— Eu vou voltar, Matt. Eu prometo, meu amor. Eu voltarei. – Ela tocou o vidro da janela abaixando a cabeça sentindo o peito aperta-se, como se algo o esmagasse aos poucos.

Aquilo era saudade.

* * *

Jamie estava acordado há tempos, ele só pensava na mulher que vira naquela maldita fonte.

Ele não se envergonhava por chorar no fundo de seu quarto. Ele não se envergonhava por seu choro. Ele só conseguia pensar naqueles lábios, naqueles olhos... Tudo era diferente de Tessa, mas o brilho daqueles olhos eram o mesmo.

A dor era cessante... Seu lobo estava agitado. Ele queria correr, uivar... Ele queria amar, tomar aquela estranha para si mesmo... Ser completo.

Algo estava faltando e ele sabia que era a mulher que abrigava a alma de Tessa. Ele teria que a proteger de alguma coisa, mas do que?

Ele daria a vida por ela, daria o mundo... Tudo por Tessa Lester.

Mesmo com a puta dor de cabeça, ele levantou da cama e foi até ao closet, pegando uma de suas mochilas e arrumou o básico. Ele não era um homem de grandes posses, nem de muitas riquezas, mas tinha tudo o que precisava para ir atrás da mulher do Arizona, aquela que mais uma vez o faria ver a luz.

Ele se sentia como um menino olhando para uma vitrine de revistas em quadrinhos, como foi há anos.

Jamie tomou um banho e voltou a se deitar, assim que o outro dia nascesse, ele partiria atrás daquela que sempre amou e sempre amará.

Ele se lembrava das palavras da ninfa... Aquele não era um fardo. Era um presente... E nada tiraria aquele amor dele outra vez.

Jamie fechou os olhos caindo num sono profundo.

Ele sonhou com Tessa naquela noite. Era como se fosse uma despedida de velhas lembranças, para novas se formarem.

Ele estava num bar, ela estava lá junto a algumas amigas. Ela o encarava e ele não conseguia tirar os olhos daquela mulher. Se existisse realmente, Afrodite, aquela mulher era a reencarnação da deusa.

Era como admirar uma flor exótica, única, perfeita... Doce e real demais para ser realidade.

Uma desconhecida cantava algo lento, e ele sem ter coragem de chegar até a moça, tomou um gole de Rum¹ ,levantou-se da cadeira e deu alguns passos até a moça. As outras que estavam junto a ela, pararam de conversar e ficaram o olhando chegar até ela. Tessa parecia atrapalhada e nervosa com a chegada de Jamie. Ele sorriu olhando nos olhos expressivos de Tessa.

— Aceita dançar comigo, bella dama?

A moça sorriu, faz um breve sinal de 'sim' e pegou a mão que Jamie estendeu para ela. Eles andaram até onde outros casais dançavam. As amigas de Tessa a olhavam e riam de algo que falavam entre si.

— Posso saber seu nome, Bella dama?

— Tessa Lester, e o seu?

— Jamie Mittchel... É um prazer conhecê-la.

Então eles dançaram sem perceber que a música estava quase chegando ao fim. Eles só sabiam se encarar. Jamie contava algumas piadas e ela sorria contra seu ombro entre uma música ou outra. Era só eles dois, como se todos não existissem. Somente eles.

Ainda dormindo, Jamie suspirou e deu um sorriso como se estivesse vivendo tudo novamente.

Logo, duas almas separadas pela morte, estariam juntas novamente.