Uma Atrapalhada História de Amor escrita por Gabi


Capítulo 5
Valentina sendo Valentina...




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/612217/chapter/5

JOANA  

— Eu peguei o trabalho em cima da mesa mãe! Relaxa! Tá ok! Sim! Tá ok! Sim! Não sou monossilábica mãe! O que você quer dizer com isso? Tá ok! Sim! Tá ok! Beijinhos! – E desliguei o celular.

  Minha é mãe uma batalhadora mesmo. Aliás, Batalhadora com B maiúsculo! Diante de toda a rejeição que sofreu de meus avôs na adolescência, de tudo que enfrentou para ficar com meu pai, um homem negro, ela amadureceu muito. Hoje meus pais são separados, mas minha mãe sempre levará consigo as drogas dos conflitos racistas familiares por ter se apaixonado por alguém de pele escura. De agora em diante eu, com a minha pele morena, nem branca, nem negra, na minha concepção, serei uma eterna lembrança disso, e praticamente todo o resto da minha família será um grande símbolo de estupidez e de intolerância.

  - Olha só! Acho que estou vendo uma joaninha! – Cantarolou Valentina assim que entrou no banheiro e me encontrou, logo após mais um capítulo ao vivo da novela Letícia-Beto.

  - Você está me chamando de besouro da família dos coccinelídeos, de pequeno tamanho, corpo semiesférico, cabeça escondida pelo protórax e élitros de cores vivas em desenhos variados?

  Valentina me encarou por alguns segundos e colocou a ponta no dedo do nariz pensativa.

  - Acho que pode ser isso sim... Queria saber da onde tu tira essas definições todas!

  - Wikipédia*, grande parte do meu dia é dedicado para a arte de não fazer absolutamente nada de produtivo! É um dom! Ah, e claro, também aprendi com nosso livro de biologia, sabe? Aquele que você até agora não abriu.

  - Detalhes, meros detalhes! Quem precisa de biologia quando quer seguir no fantástico e fabuloso mundo da moda?

  Valentina é o que posso chamar de... original. Não se importa muito com o que dizem sobre sua aparência, o que é bastante peculiar para alguém que quer uma carreira (como ela mesmo diz) “no fantástico e fabuloso mundo da moda”. Embora muitas pessoas zoem seu corpo, nunca foi chegada em dietas, e seu cabelo nada mais, nada menos do que azul, curto e todo repicado também é uma prova viva de que ela não está nem aí para a opinião alheia sobre como ela deve ser, desde que ela esteja satisfeita consigo mesma desfilando com seus vestidinhos coloridos por aí. Bem, infelizmente isso só vale para a aparência dela.

  Os pais de Valentina são homofóbicos. Homofóbicos mesmo! E a Valentina... bem, ela sempre foi um pouco mais do que amiga para mim, nos conhecemos tem tantos anos, e o jeitinho dela é tão... incomum... E isso faz dela tão... especial... E sinto que, sabe? É recíproco... Só que é difícil cagar pra opinião podre alheia quando a opinião alheia podre vem de quem te sustenta e te dá uma dose de afeto fantasiado de amor!

  - Penteado novo? Tudo bom Princesa Léia*? – Eu ri.

  - Isso foi um elogio? – Ela me cutucou e riu também.

  - Podemos dizer que sim para não balançar sua frágil autoestima. – De fato tinha sido um elogio, mas eu não vim ao mundo ficar alimentando ego alheio, não é mesmo?

  Antes que pudéssemos nos engajar nos afazeres de mais uma manhã naquele matadouro de entusiasmo e de criatividade, como ela mesmo sempre diz, chamado Ensino Médio, Valentina me cutucou e abriu um pouco a porta do banheiro, espiando para uma barulheira do lado de fora:

  - Não são seus amigos? – Me perguntou roendo as unhas.

  Ela facilmente fica nervosa, é engraçado. Pelo menos enquanto ela não começa a chacoalhar as pernas me irritando PROFUNDAMENTE o nervosismo dela é engraçado. Pra que balançar a perna? Pra que? Não consigo entender! Mantenham suas pernas QUIETAS e não perturbem minha sanidade mental, que já está constantemente sendo testada! Obrigada!

  - Ao que tudo indica, sim, são eles... – Respirei fundo e fui andando até o tumulto.

  Claro! Mais uma vez a confusão era com a Larissa. Mas Meu Deus! Como pode caber tanta fúria em um Smurf*?

  Cheguei bem a tempo de me contextualizar no que estava acontecendo. Dado os fatos de que há pouco peguei Larissa e Beto se atracando no banheiro, e agora a Larissa e a Letícia estão se engalfinhando logo na porta de onde ocorreu tal fatídico episódio, creio eu que seja uma crise de ciúmes... talvez coletiva, porque o Sam também está no meio, não sei bem se discutindo ou se tentando separar as duas.

  Esses héteros...

  Limpei minha garganta, peguei firme na minha saia imaginária, joguei o cabelo de um lado para o outro e proclamei:

  - Chega! Chega! Estrelinhas não podem discutir se não perdem um pouco do seu reflexo da minha eterna e cintilante luz! Acaboou a briguinha! Larica e Betinho vão fazer as pazes! E você, Letícia, faça o favor de tomar Activia e vá cagar! Beijinhos com muito amor e luz! SE AMEM MAIS!

  Claro que eu, com todo esse meu talento interpretativo foda, irritei quem inspirou minha personagem: Gabriel. Só que eu realmente não me importo. Valeu mais a pena ainda vê-lo sambando bravo pelo corredor. Eu só ria cada vez mais e mais! Depois de algumas palavrinhas trocadas entre eu e a Larissa, Larissa e Beto, Sam e Beto, Sam e Larissa, algumas juras de vingança da madura da Letícia para Larissa, o tumulto se desfez e a maioria dos alunos ou foram para casa fugir das aulas da tarde (não culpo eles, são chatíssimas, mas não posso fazer o mesmo já que repetir duas vezes na escola pode não ser uma boa ideia devido a que, né? É cara a mensalidade) ou foram para o refeitório encher essas panças adolescentes sedentas por comidas e doces por causa dos hormônios perturbados da adolescência.

  Que delícia.

   Eu fui para o refeitório encher minha pança adolescente sedenta por comidas e doces por causa dos hormônios perturbados feito a minha cabeça também, e Valentina veio comigo.

   Assim que sentamos numa mesa do refeitório, estávamos discutindo sobre a teoria das cores (na realidade eu estava falando sobre um livro que li ontem muito interessante e ela escutando e rindo, mas pode-se considerar uma discussão sobre) e logo senti uma bolinha de papel batendo no meu braço e caindo no chão. Quando abri estava escrito “Psiu.” Foi o tempo de eu olhar para trás e o Renato estar rindo feito uma criança e acenando para mim. Como uma ótima amiga que sou é claro que... ignorei. A conversa com a Valentina estava mais interessante.

  “Psiu.” Outro papelzinho... Ignorei novamente.

  - Como eu ia dizendo... – Me virei para Valentina e continuei.

  O Renato, aparentemente muito insatisfeito pela cara que fez de quem chupou um limãozão e descobriu que é azedo, sussurrou bem perto da minha orelha:

  - EI! PSIU!

  Eu, claro, morri de susto. Minha comida, claro, foi parar na cara dele. Autodefesa, né, meus caros?

  - Ei! – Ele repetiu.

  - Você é MALUCO! – Finalmente parei de ignorar.

  - Eu preciso falar com você. – Falou calmamente enquanto limpava um pouco do molho da almondega do seu olho.

  - Hoje você está gostosinho, hein, Beto? Não sei o que aconteceu, e não tem nada a ver comigo ser apaixonada por almondega. – Valentina piscou.

  Confesso que senti um pouco de ciúme. Apesar de saber que ela não sente nada muito profundo pelo Beto, ela já me admitiu que acha ele um “pãozinho” e que caso ele um dia pedisse um beijo dela não seria nenhum esforço aceitar. Não sei se ela falava sério ou para me provocar, mas nenhuma das opções me agrada.

  - O que você quer? – Cerrei meus dentes torcendo para ninguém reparar.

  - Podemos falar... ã... em particular leãozinho? Rawr! – Pelo que o Renato falou, não adiantou nada.

  Ele me deu a mão e fomos para um outro canto do refeitório. Eu estava cada vez mais impaciente, o que pode ser mais importante que o meu Santo almoço?

  - Então... – Ele começou.

  - Então?

  - Eu preciso te confessar algo...

  - Você assaltou alguém?

  - Claro que não!

  - Você matou alguém?

  - O que? Não!

  - Você fez alguém ser abduzido por extraterrestres porque tentou um contato arriscado entre humanos e alienígenas?

  - O que?

  - Não vale a pena meu almoço, com licença.

  Tentei dar as costas mas ele segurou meu braço e me virou de novo.

  - Joana, por favor.

  Ao fazer aquela cara de cão que caiu da mudança consegui entender que o assunto era verdadeiramente sério. Ajeitei minha postura.

  - Ok, diga.

  - Eu... preciso de ajuda.

  - Você está usando drogas?

  - Dá para parar?

  Ok, parei.

  - Eu... posso estar gostando da Diana.

  Um silêncio misterioso pairou no ar. Olho no olho. Nós dois pertíssimos analisando a expressão um do outro... Quando repentinamente... eu explodo em risadas.

  - Tá, e o que você precisa me contar? Mais importante, ajuda em que?

  - Como assim o que preciso te contar? Isso, oras.

  - Entendi...

  - E eu preciso de ajuda para esquecer.

  Coitado, tão bobinho... Parece uma criança.

  - Renatinho, ela tá solteira, por que ao invés de esquecer você não tenta, sei lá, ficar com ela? É sempre uma opção, não é?

  - Odeio quando você fala com essa “voz didática.”

  - Precisamos trabalhar com didática com as crianças para que se tornem adultos que não falam nem pensam muitas besteiras... como você.

  Eu realmente amo o Renato. Ele é um grande amigo meu, quase como meu irmão mais novo realmente, e às vezes é necessário instrui-lo, né?

  - Ok, e como você sugere que eu fique com ela?

  Sabe quando o seu sorriso escorrega para fora do seu Eu interior e você não consegue disfarçar que está prestes a ver o circo pegar fogo? Então... a Diana estava logo ali, perto da porta do refeitório, e eu logo aqui, acenando e chamando por ela, e o Renato logo aqui também, vermelho, dando tapa na minha mão me mandando parar, e a Diana logo ali olhando para o meu aceno e vindo na nossa direção, e eu logo aqui segurando a minha risada, e o Renato logo ali morrendo de vergonha e... vocês entenderam.

  - Oi Joana! Quanto tempo!

  E era verdade. Não somos muito de bater papo, mas se o Renato está apaixonadinho por ela, né? Que seja.

  - Sim, sim, Di. Sabe, eu estava precisando falar com você...

   Ver o seu amigo parecendo um tomate realmente não tem preço.

* Wikipédia – Uma enciclopédia online.

* Princesa Léia - Princesa Leia Organa ou General Leia Organa é uma personagem fictícia da série de filmes Star Wars (Guerra nas Estrelas) que foi interpretada por Carrie Fisher (1956-2016) nos filmes Star Wars.

* Smurf - Smurfs são personagens azuis e muito pequenos de um desenho de mesmo nome, criado por um ilustrador belga, no ano de 1958


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Uma Atrapalhada História de Amor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.