Intransitividade escrita por AmanditaTC


Capítulo 6
Trying to make sense


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi todo discutido com a minha sister Mia Galvez que me ajudou a sair do impasse em que entrei para desenrolar a história.

O nome do capítulo é um trechinho da música All That I'm Asking For, da banda Lifehouse. Vale a pena ouvir...

Ah, as citações de Crime e Castigo que vcs vão encontrar no capítulo eu tirei do wikipedia pq, eu assumo, nunca li esse livro! Usá-lo foi mais uma sugestão da Mia... TE AMO SISTER!



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Na semana seguinte, Mariah se preparava para a maratona de correções que sempre acontecia na escola ao final dos períodos. Ela tinha cinco pilhas de redações ainda para serem corrigidas.

 

A jovem professora amava o que fazia, e corrigir os textos de seus alunos era no mínimo divertido. Apesar de ser cansativo, se comparado aos demais professores que podiam se dar ao luxo de aplicar provas de múltipla escolha, aquele era o momento do ano que ela mais podia enxergar que suas aulas estavam fazendo a diferença.

 

Babi sempre aparecia na sala de Produção Textual para lhe levar um café, um bolinho ou fazer alguma fofoca dos outros professores. Não era a toa que a maior parte do corpo docente tinha alguma antipatia das duas professoras.

 

Elas riam enquanto comiam alguns salgadinhos e falavam sobre a programação das férias. Babi havia convencido o diretor da escola a organizar uma colônia de férias com os alunos mais novos e agora tentava convencer a amiga a ajudá-la, quando uma batida na porta as interrompeu.

 

- Pode entrar! – falou Mariah, batendo as mãos para limpar os farelos, ainda rindo dos argumentos de Babi que insistia que nada melhor que aturar 70 alunos da primeira fase do fundamental para pagar os pecados.

 

Túlio entrou com um sorriso um tanto forçado no rosto, cumprimentou Babi do jeito de sempre e quando se dirigiu à Mariah ficou sem ação por um segundo. Por fim decidiu-se a abraçá-la.

 

- Já de férias? – Mariah perguntou, voltando a sentar atrás da pilha de papéis.

 

- Sim, uma semana já! – ele respondeu, parecendo por um momento não saber para que suas próprias mãos foram feitas.

 

- É impressão minha ou eu tô sobrando por aqui? – Babi falou, dando um pulo de cima da mesa, dando um beijo na bochecha da amiga e se despediu – Não se esqueça da minha proposta! E sexta-feira tem o show do Marcinho. Ele faz questão de você por lá!

 

Assim que ela deixou a sala e fechou a porta atrás de si, Mariah voltou os olhos para um dos textos que precisava de correção.

 

- Então, de férias a uma semana já? – ela puxou assunto.

 

- Ah, eu queria ter vindo antes, mas... Bem, tinha que resolver algumas coisas e além disso eu não sabia... – o rapaz parecia não conseguir formar uma frase coerente.

 

- Você está constrangido comigo? – ela perguntou, direta como sempre – Por quê?

 

Desarmado. Sempre se sentia desarmado diante dela, o que de certa forma facilitava as coisas. Não precisava fingir, apenas dizer o que lhe ia por dentro.

 

- Não sei explicar. É que, bem, você sempre foi mais que minha professora. Assim, você era pra mim a minha melhor amiga e depois disso...

 

- Depois disso o quê?

 

- Você sabe, Mah. Primeiro a gente, aquele dia e depois você e seu marido...

 

- Túlio... – ela tentou interromper.

 

- É sério! Eu não queria... eu me sinto tão mal por tudo. Se eu pudesse voltar atrás...

 

O coração da professora falhou uma batida. O que ele tentava lhe dizer? Que aquele beijo havia sido um erro? E que tudo o que ele lhe demonstrou aquela noite era falsidade?

 

Engoliu em seco e com uma expressão dura finalmente o interrompeu:

 

- Acho melhor você parar. Em primeiro lugar, os problemas que eu tenho com meu ex-marido são da minha conta e de mais ninguém. Você é só um rapaz e não entenderia as minhas escolhas.

 

O olhar arregalado dele a fez notar que talvez tenha passado dos limites. Mas agora era tarde. E ela não pretendia parar por ali.

 

- E se você já se esqueceu, é semana de correções, e eu tenho muito trabalho, como pode ver.

 

Ela tornou a encarar a redação e pegou sua caneta vermelha riscando uma vírgula fora do lugar e deixando claro que não falaria mais sobre o assunto. Túlio ainda ficou ali, observando-a trabalhar. Tão diferente do que ele se lembrava. Quando ainda estudava ali, Mariah corrigia as redações sorrindo e sempre o convidava a ajudar.

 

Ficou sem saber se oferecia ajuda ou se ia embora, mas o celular tocando da professora o fez optar pela segunda opção. E ele saiu da sala, deixando Mariah com o peito doendo de indignação.

 

A semana passou arrastada. Para Mariah saber que Túlio estava na cidade e não viria até a escola onde eles costumavam se perder em conversas de horas de duração que saltavam do último episódio de suas séries favoritas para a reedição de Cem Anos de Solidão ou pela tabela do campeonato mineiro módulo II era mais que estranho. Chegava a ser triste.

 

Havia se acostumado à presença do rapaz, quase diariamente, desde que ele entrara pela primeira vez em sua sala de aula. Depois que ele foi embora fazer cursinho, os dias de conversa ficaram restritos às férias. E agora nem isso mais.

 

Ela balançava a cabeça enquanto andava pelos corredores estreitos da biblioteca municipal e pensava o quanto ela ainda havia de perder antes de ter sua vida de volta e recomeçar a conquistar novas coisas.

 

Deixou-se cair sobre uma cadeira e abriu o antigo volume de Crime e Castigo, se perdendo na leitura. Não sabia precisar em que página estava, mas já tinha lido aquele livro tantas vezes que em qualquer trecho que deitasse os olhos haveria de encontrar uma ou outra frase que lhe falasse ao coração.

 

- “O que mais receamos é o que nos faz sair dos nossos hábitos.” – a voz conhecida reverberou atrás dela, que se virou sem sobressalto e encarou a expressão tímida do rapaz em pé perto de si – É a sua citação preferida. Ainda me lembro dela...

 

- O que você quer?

 

- Mah, me deixa falar direito com você. Por favor!

 

Ela fez um gesto impaciente, passando uma das mãos pela testa e cruzou os braços na altura do peito, esperando que ele falasse o que queria.

 

- Não faz assim, Mah. Eu não... não me sinto bem quando vejo você chateada comigo. Só que eu não sou tão bom para falar quanto sou para escrever e aquele dia eu misturei tudo e acho que você não me entendeu. – ele falava sem tomar fôlego enquanto seu tom de voz ia aumentando – Quer dizer, nem eu me entendi. Mas quando eu cheguei e o Fernando me contou que você havia se separado do Fabrício eu pensei que tinha destruído a sua vida e, porra Mah, eu nunca quis fazer nada que lhe fizesse infeliz.

 

- Fala baixo! Olha onde estamos... daqui a pouco a Dona Helena vem chamar sua atenção. – ralhou a moça.

 

- Desculpa! – ele disse, tomando assento diante dela – Eu só não quero perder você. Você era minha melhor amiga, Mah, e eu não sei o que isso está virando mas...

 

- Túlio, preste atenção! – ela interrompeu séria – Eu terminei com o Fabrício por questões que antecedem o nosso beijo. Pequenos problemas que foram se somando até virarem um fardo insuportável. E se você se arrepende de ter me beijado eu acho isso uma pena, porque se eu tivesse que fazer isso de novo, faria sem hesitação.

 

A mulher voltou os olhos para o livro ainda aberto sobre a mesa como se isso encerrasse aquela discussão sem sentido. Túlio permaneceu calado, ruminando as palavras que ela havia lançado com a naturalidade de quem arremessa uma bola de papel à lixeira.

 

- Isso que você falou sobre fazer novamente... Você me beijaria outra vez? – ele disse por fim, sem insegurança na voz, apenas perplexidade.

 

Em vez de responder, ela leu em voz alta:

 

- “As coisas mais insignificantes têm, às vezes, maior importância e é geralmente por elas que a gente se perde.” Esta é a minha citação preferida, na verdade. Entenda como quiser.

 

Ela fechou o livro, se levantou da cadeira, pegou a bolsa e ganhou a rua antes que ele pudesse formular uma frase. A resposta dela o deixou balançado. Ela sempre fazia isso, como se fosse um dom. Sempre que eles começavam um embate verbal, as respostas que ela lhe lançava eram de tal maneira imprevisíveis, que muitas vezes ele pedia que ela não falasse.

 

Quando finalmente entendeu o que havia acontecido ali, Túlio deixou a biblioteca com a idéia fixa de se encontrar com Mariah e terminar, se não aquela conversa, pelo menos a história do beijo inacabada há praticamente dois meses.

 


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Notas finais do capítulo

Mais uma vez eu digo que reviews são bem vindas...



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