Cece Blue escrita por Nani


Capítulo 5
Ao baile e além




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Trevor e Cece ainda conversavam quando a Sra. Stormfield entrou de repente. Tinha um ar resignado ao olhar as sacolas que atulhavam o chão do quarto da filha, trazidas alguns minutos antes por um dos criados.

‒ Parece que você teve um dia cheio com o seu pai, Cece ‒ comentou, o tom levemente amargo.

Ela abaixou-se para examinar o conteúdo de uma das sacolas de papelão e puxou um par de calças, olhando-as com desagrado.

‒ O que é isso? ‒ Perguntou.

‒ É a minha roupa de montaria, mamãe ‒ respondeu Cece.

‒ É, o papai comprou um cavalo para ela! Quando ele crescer mais ela vai aprender a montar ele ‒ disse Trevor.

‒ Oh, céus! ‒ Exclamou Celia, dramaticamente. ‒ Parece que o seu pai está se empenhando em transformar a minha garotinha no quinto filho!

Ela sentou-se à penteadeira e, pondo a mão esquerda no rosto, franziu o cenho, como se pensasse em algo doloroso. Trevor revirou os olhos para a irmã.

‒ Eu vi isso, mocinho ‒ disse a Sra. Stormfield, irritada. ‒ Trate de ir para o seu quarto agora. Cece precisa se preparar para o baile.

‒ Mas mãe! Ainda faltam horas pra essa coisa! ‒ Exclamou Trevor.

‒ Horas essas que a sua irmã vai precisar para se arrumar. Garotas precisam de mais tempo, querido, temos um ritual especial. Vou pedir a Meg que suba para me ajudar a preparar o banho de sais. Daqui a pouco devem estar chegando a cabeleireira, a manicure, a massagista...

Cece arregalou os olhos para a mãe. Trevor fez uma careta para a irmã e saiu do quarto, acompanhado por uma mãe aos gritos de “Meg! Meg! Margaret Costner, aonde foi que você se meteu?”.

Meia hora mais tarde, Cece fazia careta enquanto era vigorosamente esfregada em um banquinho dentro do banheiro. Quando sua pele branca começou a ficar rosada, ela entrou na banheira de água morna e perfumada. Enquanto ela ficava de molho, relaxando, a Sra. Stormfield discutia com a mulher que a esfregara (e que era a massagista) qual a fragrância do creme que deveria ser usado na massagem.

Meg apareceu trazendo mais toalhas limpas. Ajoelhou-se ao lado da banheira e apoiou os braços na borda.

‒ Como está o banho, senhorita? ‒ Perguntou.

‒ Uma delícia, Meg. Eu não gostei muito de ser esfoliada, mas dá mesmo uma sensação gostosa entrar na água depois. Como cócegas! ‒ Cece riu.

Meg estava deliciada por ver a menina tão feliz. Pareciam ter se passado dias desde que ela chorara em seu ombro, toda a tristeza do mundo naqueles olhinhos azuis. Agora ela sorria na banheira, a expressão cheia de alegria e ternura. Meg sentiu-se satisfeita consigo mesma por ter feito parte dessa transformação.

‒ Cece, hora de sair da banheira! ‒ Disse a Sra. Stormfield.

‒ Aaah mamãe, já? ‒ Perguntou a menina, manhosa.

‒ Sim, querida, ou sua pele vai começar a enrugar ‒ respondeu a mãe, sorrindo. ‒ Vamos passar para a massagem agora. Não se preocupe ‒ acrescentou, rindo ao ver a expressão da filha ‒, a massagem não é esfoliante.

Celia deixou a filha tomando massagem e, depois de dar instruções às outras profissionais que cuidariam dela, foi ao seu próprio quarto preparar-se também, deixando Meg encarregada de supervisionar o trabalho destas.

Duas horas mais tarde, Cece havia sido massageada, perfumada e vestida; suas unhas foram polidas, seus cabelos foram impecavelmente escovados e presos em um coque sofisticado. Agora ela estava sentada como uma estátua em sua penteadeira, enquanto a cabelereira, que se chamava Krista, prendia enfeites em seus cabelos para dar o toque final. Ao mesmo tempo, Gert, a maquiadora, polvilhava seu rosto e braços com pó de arroz usando uma grande e fofa esponja.

Quando a Sra. Stormfield voltou, teve um arroubo de prazer ao contemplar a filha, que treinava a forma de andar diante do espelho. Correu para ela e a abraçou, lágrimas de felicidade brotando dos olhos.

‒ Minha filhinha! Eu juro que você é a criatura mais linda de todos os reinos juntos! ‒ Ela soltou a menina e tocou seu rosto carinhosamente. ‒ Assim é que uma garotinha tão linda deve parecer. Espere só até todos verem você! ‒ Ela enxugou as lágrimas dos cantos dos olhos com um lencinho que tirou da manga do vestido.

‒ Obrigada mamãe ‒ disse Cece sem jeito. ‒ Você também está muito linda!

‒ Eu? Ah ‒ ela fez um gesto com a mão, como dizendo que não era verdade ‒, é muita gentileza sua dizer isso, querida.

A Sra. Stormfield estava, de fato, muito bonita. Usava um vestido verde musgo de um tecido brilhoso que realçava seus olhos verdes. Os longos cabelos louro-avermelhados estavam trançados e presos à cabeça em uma espécie de espiral. Suas faces estavam coradas e ela sorria, o que lhe conferia um brilho especial.

Ao olhar-se uma última vez no espelho, Cece tinha que admitir que entendia a mãe. Ela estava, realmente, muito parecida com uma boneca. O vestido ainda a desagradava (a Sra. Stormfield não abrira mão daquele rosa e espalhafatoso), mas depois de um dia tão divertido ela não conseguia se incomodar muito. Ainda achava que parecia um bolo de camadas ambulante, mas era um bolo bem bonito.

Ouviram-se batidas suaves na porta. Uma das criadas colocou a cabeça para dentro para anunciar que os convidados estavam aguardando do lado de fora.

‒ Obrigada, Hilda, já vamos descer ‒ disse a Sra. Stormfield solenemente.

Quando Hilda assentiu e saiu, ela virou para a filha, positivamente tremendo de excitação.

‒ É agora! É isso filha, o baile finalmente vai começar!

E, pegando Cece pela mão, a levou escada abaixo, onde o resto da família já se encontrava reunida.

Quase todos os homens da família se encontravam nos primeiros degraus da escadaria.

O Sr. Stormfield, do alto dos seus trinta e poucos anos, fazia uma figura formidável: os cabelos negros e lisos penteados para trás, costeletas bem aparadas e nenhuma barba. Trajava calças pretas de linho, sapatos lustrosos, fraque preto com colete cinza e lenço de um cinza mais claro. Seu porte alto e atlético lhe conferia elegância, e seu rosto de feições suaves poderia derreter o coração da mocinha mais exigente.

Frederick, Trevor e Jonathan estavam arrumados à semelhança do pai, com poucas variações nos penteados e roupas. O único ausente era Leoward, que dormia profundamente em seu berço.

Cece e a mãe desceram para se juntar à família. A Sra. Stormfield postou-se ao lado do marido, no segundo degrau. Cece ficou entre eles, um degrau abaixo, tendo Trevor e Frederick à sua direita e Jonathan à sua esquerda.

Depois que todos se posicionaram corretamente, Trevor deu uma boa olhada na irmã e teve uma crise de riso silenciosa.

‒ Nossa maninha ‒ sussurrou ele, entre risadas ‒, você parece... deliciosa! ­‒ Ele teve outro acesso silencioso de riso.

Cece entendeu que ele havia tido a mesma ideia que ela sobre o vestido, e a muito custo evitou cair na gargalhada também. Ao invés disso, pisou no pé do irmão com toda força que pôde sem se mexer muito, para que os outros não percebessem.

Trevor fez uma careta de dor e mexeu a boca em um “Aaaai!” mudo. Cece mostrou a língua para ele e os dois abafaram o riso com as mãos.

Nesse momento, ouviram um som de trombetas do lado de fora da casa. Dois criados usando casacas cinza iguais entraram a passos rápidos no hall, posicionando-se de cada lado da porta.

As trombetas soaram novamente e Cece prendeu a respiração enquanto os criados, em perfeita sincronia, levavam a mão às maçanetas e puxavam, abrindo as portas.

Do lado de fora havia uma longa fila de pessoas separadas em pequenos grupos, que pareciam ser famílias. Ao terceiro toque das trombetas, o primeiro grupo se adiantou enquanto o criado posicionado ao lado direito da porta tirava uma longa lista de dentro do casaco e anunciava:

‒ Sr. e Sra. Brightlight, e sua adorável filha, Eleanor.

Cece reconhecia a família porque aprendera sobre eles nas aulas de etiqueta. O Sr. Brightlight era primo do rei, e ocupava a cabeceira da Mesa dos Conselheiros de Farlagos.

A Família parou a aproximadamente dez passos da escada. O Sr. Brightlight, que era um homem de meia idade alto, com óculos redondos de armação dourada, caminhou até a escada e parou diante de Cece. Esta dobrou os joelhos em uma espécie de pliê, erguendo levemente os braços e inclinando a cabeça. Olhou para a mãe, nervosa, para saber se havia feito a reverência corretamente. A Sra. Stormfield sorriu e fez um breve aceno com a cabeça, o que tranquilizou a menina. Ela estendeu a mão o mais delicadamente que pôde ao Sr. Brightlight, que a beijou.

‒ A Srta. Stormfield é verdadeiramente encantadora ‒ disse ele.

‒ É uma honra receber o elogio de um cavalheiro tão distinto quanto o Sr. Brightlight ‒ respondeu Cece, lembrando-se da exaustiva prática de troca de elogios com o Sr. Fraîcheur.

O Sr. Brightlight assentiu, satisfeito, e voltou para o lado da esposa, uma senhora baixinha e de rosto simpático, que por sua vez saiu da formação para se colocar diante de Cece, que repetiu a reverência e depois ofereceu a face para que a senhora beijasse.

‒ A Srta. Stormfield é com certeza a menina mais bonita e delicada de todo o reino ‒ disse a Sra. Brightlight.

‒ Mal posso expressar minha satisfação por receber tal cumprimento de uma dama tão fina e elegante quanto a Sra. Brightlight ‒ respondeu Cece, ao que a Sra. Brightlight sorriu e assentiu.

Depois veio a jovem Srta. Brightlight. Eleanor, que era uma garota alta de quinze anos, aproximou-se de Cece. As duas fizeram reverências e depois trocaram beijos. Ao se separarem, Eleanor comentou:

‒ A Srta. Stormfield é doce e amável. Espero que aceite a minha amizade.

Ao que Cece respondeu:

‒ Ficarei muito feliz em ter a amizade de uma jovem tão gentil e bela quanto a Srta. Brightlight.

Eleanor sorriu e voltou a se reunir à família. O criado do lado esquerdo da porta veio até eles e se ofereceu para leva-los à sala de estar. A família aceitou e retiram-se do hall.

O criado do lado direito voltou a anunciar:

‒ A Sra. Thunderbolt e seu filho, Vincent.

Cece também conhecia a Sra. Thunderbolt das aulas, já que esta também tinha sangue real. Seu marido era capitão no exército do rei, e adotara o sobrenome da esposa.

A Sra. Thunderbolt era um pouco mais velha do que a Sra. Stormfield, tinha cabelos negros e usava um vestido vermelho de babados. Ela deixou o filho a uma pequena distância da escada e postou-se diante de Cece, que repetiu o ritual de apresentação. A Sra. Thunderbolt então falou:

‒ A Srta. Stormfield é por demais graciosa e bela.

‒ Obrigada, porém não poderia me comparar jamais à gentil e encantadora Sra. Thunderbolt.

A Sra. Thunderbolt sorriu e voltou para o lado do filho, que se adiantou para a escada.

Vincent Thunderbolt tinha a idade de Cece, cabelos negros e olhos cor de mel grandes e brilhantes em um rosto pálido. Parou diante dela e, com um braço dobrado às costas e um à frente, inclinou-se até quase a metade do corpo, enquanto Cece dobrava os joelhos e inclinava ligeiramente a cabeça.

Cece ofereceu a mão a ele, que a pegou e beijou, ruborizando um pouco.

‒ A Srta. Stormfield tem os olhos mais bonitos que eu já vi. Rezo para que aceite minha amizade e meus serviços.

Cece se surpreendeu um pouco com o elogio pouco convencional. Precisou de alguns segundos para pensar em uma resposta apropriada.

‒ Muito me honraria a amizade de um cavalheiro tão galante quanto o Sr. Thunderbolt.

Vincent voltou para o lado da mãe na hora em que o criado esquerdo voltava da sala de estar e oferecia-se para acompanha-los até lá.

Após os Thunderbolts vieram os Greyclouds, e após estes muitos outros, e Cece repetia a reverência, oferecia a mão aos cavalheiros e o rosto às damas, ouvia seus elogios vazios e os respondia com outros igualmente vazios.

Ela já estava começando a se cansar, e mal conseguira reprimir dois ou três bocejos, quando a última família finalmente se se retirou do hall.

Assim que a última família de convidados deixou o hall, uma Sra. Stormfield radiante abraçou Cece, cobrindo-a de beijos.

‒ Meu amor! ‒ Exclamou ela, entre os beijos. ‒ Você foi simplesmente perfeita, filha! Estou tão orgulhosa de você!

Cece suspirou, aliviada. Conseguira. Tudo havia corrido melhor do que ela esperava, mas não tinha vontade de repetir a experiência tão cedo. Por mais calma que pudesse estar, agora que o pior havia passado, ainda estava longe de se sentir confortável com tudo aquilo.

Quando a Sra. Stormfield a soltou, ela se voltou para o pai, que abrira os braços para ela. Ela o abraçou pela cintura e olhou para cima, para ver seu rosto.

Edmund sorriu para a filha e disse:

‒ Muito bem, filhota. Viu? Até que não foi tão ruim assim ‒ e piscou para ela.

A menina sentiu que alguém puxava seu vestido e, virando-se, deu com Jonathan.

‒ Minha vez! ‒ Disse ele, estendendo os bracinhos para a irmã.

Cece riu e abraçou o irmãozinho, enchendo sua cabecinha encaracolada de beijos.

‒ Essa não! Abraço em família? ‒ Trevor disse rindo e abraçando os dois.

Os pais também riram e se juntaram ao abraço. Apenas Frederick se recusou a participar, murmurando “Ridículo!”, mas Cece não se importou. Naquele momento ela sentiu que era parte de uma família, e faria qualquer coisa por eles.

A família se encaminhou à sala de estar, onde a atmosfera estava calorosa e descontraída. Vários convidados tinham às mãos copos e taças de bebida, e conversavam animadamente uns com os outros.

Assim que entraram, foram saudados alegremente pelos presentes, que inclinavam as cabeças e erguiam as taças em sua direção.

O Sr. A Sra. Stormfield foram cumprimentar um casal próximo a eles. Frederick virou-se para Trevor e, ignorando Cece completamente, perguntou:

‒ Quer ir procurar o pessoal da escola, Trev?

‒ Já vi todo mundo no hall. Acho que vou comer alguma coisa, tô morto de fome. Vocês vêm? ‒ Perguntou aos três.

‒ Eu vou! Tô com tanta fome que comeria um boi inteiro! ‒ Brincou Cece.

‒ Quanta classe, irmã ‒ ironizou Frederick. ‒ Acho que vou passar o convite, Trevor. Com licença ‒ e saiu abrindo caminho pelos convidados.

‒ O Fred é mesmo um chatolino ‒ comentou Trevor, fazendo os irmãos rirem. ‒ Bom, que bom que ele não vai, sobra mais alegria para nós. Vamos andando, precisamos arranjar o seu boi, Cece. Mas não se preocupe maninha, se não encontrarmos você ainda pode comer seu vestido.

Cece riu e socou Trevor nas costelas, o que o fez rir também. Os três foram até uma mesa repleta de tortinhas, empadinhas e outros canapés e serviram-se. Quando estavam comendo, três meninas se aproximaram.

Uma das meninas, que caminhava à frente, era alta e tinha os cabelos castanhos e longos, a pele bronzeada e os olhos verdes. A segunda tinha cabelos negros e pele clara, olhos escuros e uma expressão mal-humorada. A terceira tinha cabelos claros, pele clara e sardenta, e era meio baixinha e gorducha.

Cece lembrava de tê-las cumprimentado, mas dificilmente lembraria seus nomes. A garota alta se adiantou para ela:

‒ Olá Cece, tudo bem?

‒ Olá, hã... tudo bem sim.

‒ Ei Hily! E aí? ‒ Cumprimentou Trevor.

‒ Hei Trev! Eu e as meninas queremos conhecer melhor a sua irmã.

‒ Claro! Cece, essas são Hily, Mildred e Lauren.

‒ Você precisa nos contar, o que foi isso que fez nos cabelos? ‒ Perguntou Hily.

‒ Ah, foi a Krista quem fez o penteado e...

‒ Não garota ‒ interrompeu a tal da Mildred ‒, ela está falando da cor.

‒ Ah... bom, eles são assim desde que eu me lembro.

‒ Sério? Que legal! Quero dizer, eles estão meio secos, não são brilhosos como os meus. Que shampoo você usa? Se quiser depois eu te digo o nome do meu e sua mãe pode comprar pra você, quem sabe não deixa seu cabelo menos seco...

‒ Ah, obrigada, eu acho... ‒ disse Cece, tentando decidir se o que a menina dissera fora amigável.

‒ E quando você vai pra escola, Cece? Sabe, você já é a maior sensação por lá! ‒ Disse Lauren de forma simpática.

Cece não sabia se imaginara ou não o olhar de raiva que Hily lançou à amiga, antes de comentar:

‒ É Cece, estamos todos loucos que para que você apareça por lá.

‒ Eu... bom, por enquanto meus pais acham que eu devo ser educada em casa.

‒ Ah, mas que pena! ‒ Exclamou Hily, talvez um pouco irônica. ‒ Bom, vamos indo, Cece. A gente se vê por aí.

E as três foram andando para o outro lado da sala, Lauren acenando um adeus animado.

‒ Essas são suas amigas da escola? ‒ Perguntou Cece a Trevor.

‒ São sim... são meio bobonas às vezes, mas não são ruins. Exceto a Mildred; ela é um saco. Nunca conheci uma menina pior do que ela. Não sei como pode ser melhor amiga da Hily.

Cece, que achara Hily a pior das duas, ficou calada.

‒ Hei Cece, olha quem está ali! O Sr. Olhos Bonitos ha ha ha... e ele está olhando para você.

Cece olhou para onde Trevor apontara e viu Vincent Thunderbolt olhando-a a uma certa distância. Assim que ele percebeu seu olhar, no entanto, corou e começou imediatamente a andar na direção oposta.

Naquele momento, o Sr. Stormfield veio se aproximando deles ao lado de um homem alto, moreno e de feições duras. Cece o reconheceu como o General Buster.

‒ Filha, andei procurando por você. O General Buster gostaria de conhecê-la melhor.

‒ Olá Cece. Edmund, será que poderíamos ir os três ao seu escritório?

O Sr. Stormfield franziu o cenho, mas assentiu. Pegou a filha pela mão e pediu aos meninos que esperassem ali. Eles seguiram então para a porta que ficava do lado oposto da sala.

Os três entraram, e o Sr. Stormfield fechou a porta, abafando os ruídos da festa do outro lado. Em seguida convidou o General a sentar-se em uma poltrona, ocupando o sofá com Cece.

‒ Will, o que...? ‒ Começou o Sr. Stormfield, preocupado.

‒ Acalme-se Ed. Eu apenas queria conversar em um lugar mais sossegado. E então Cece, como vai você?

A menina olhou para o pai, nervosa, e este acenou de leve com a cabeça, encorajando-a.

‒ Muito bem, senhor.

‒ Será que você se importaria de responder a umas perguntas? Algumas podem ser um pouco incômodas.

Cece agora estava decididamente assustada. Responder a algumas perguntas incômodas? O que era aquilo? Olhou novamente para o pai, mas este encarava o general com a testa enrugada.

‒ Eu... eu acho que não. Digo, não me importaria.

‒ Ótimo. Cece, desde quando você vive no orfanato?

‒ Desde os dois anos, senhor.

‒ E não há registro de quem a deixou lá?

‒ Ninguém... ninguém me deixou. A Sra. Rostings disse que me encontrou sozinha na soleira da porta.

‒ E não havia um bilhete? Algum documento?

‒ Não senhor... apenas uma pulseira de ouro gravada que estava comigo.

‒ E onde está essa pulseira? Você a tem?

‒ Não senhor, eu nunca gostei dela. A Sra. Rostings talvez ainda a tenha, em algum lugar.

‒ Você se lembra de alguma coisa da sua vida antes de ir para o orfanato?

‒ Will! O que significa isso? ‒ Interrompeu o Sr. Stormfield com raiva.

‒ Desculpe Ed, mas estou interessado na sua filha. O caso dela não é muito comum, concorda? Quero saber um pouco mais sobre isso.

‒ William, ela é só uma criança... ‒ o Sr. Stormfield abaixara a voz, e olhava diretamente para Buster.

‒ Eu sei Ed, eu sei... mas é melhor nos precavermos, certo? Só mais algumas perguntas, eu prometo. E então Cece, lembra-se de algo?

‒ Não senhor, não lembro.

‒ Cece, seu cabelo sempre teve essa cor?

De novo isso, pensou Cece, porque as pessoas se importam tanto com o meu cabelo?

‒ Eu acho que sim, senhor. Desde que me lembro, sempre foi assim.

‒ A Sra. Rostings nunca comentou nada com você sobre isso?

‒ A Sra. Rostings falava muito pouco comigo. Eu lembro de ter perguntado a ela uma vez, porque eu era a única com o cabelo dessa cor. Ela só deu de ombros e me disse para não aborrecê-la mais com idiotices.

‒ Entendo... você sabia, Cece, que a cor azul está intimamente ligada à magia?

Ele perguntou de forma incisiva, olhando diretamente nos olhos da garota, como que para avaliar sua reação.

‒ Quê? Não, não sabia. Não aprendemos magia no orfanato.

‒ Mas você nunca praticou algum tipo de magia? Quem sabe alguma coisa que só você sabe fazer?

O Sr. Stormfield olhou boquiaberto do General para sua filha. Parecia que estava começando a entender alguma coisa.

‒ Eu... não... acho que não. Nunca fiz nada como magia ‒ respondeu a garota.

‒ Ah, mas se você não conhece magia, como pode saber? ‒ Insistiu Buster.

Cece não soube o que responder. Ficou calada um minuto, pensando... ela não lembrava nunca de ter feito alguma coisa esquisita ou especial. De fato, não conhecia magia, mas sabia que era algo muito difícil de se fazer.

‒ Edmund, você e Celia levaram a menina para análise? ‒ Perguntou o General Buster ao Sr. Stormfield.

‒ Quê? Nós... não, quero dizer... Cece parecia bem normal. Nunca pensamos em mandar analisá-la ‒ respondeu o Sr. Stormfield.

Eu parecia bem normal?, pensou Cece.

‒ Hum... entendo. Bom, Cece, obrigada pela cooperação. Se não se importa, eu gostaria de falar a sós com o seu pai por um momento.

Cece saiu pela porta do escritório de volta para a festa, mas tudo parecia estranho aos seus olhos. Ela se sentia mal. Quem era aquele homem? Porque fizera aquelas perguntas estranhas? O que ele estaria falando com o seu pai agora?

Meu pai..., pensou Cece. E se quisessem leva-la embora? O Sr. Stormfield dissera que nada mudaria o fato de serem uma família, mas isso fora antes do tal do Buster aparecer com todas aquelas perguntas engraçadas e aquela história de análise e magia...

De repente ela se sentiu muito mal. O mais discretamente que pôde, saiu contornando os convidados, fingindo sorrisos para um e para outro, até alcançar a porta.

O que significava aquilo? Ela deveria se preocupar? Subiu a escadaria sem perceber que estava correndo. Papai parecia preocupado. Ela entrou no quarto e se atirou na cama, agarrando um dos travesseiros.

Passou muito tempo assim, acordada, o estômago revirando horrivelmente. Calma, dizia para si mesma, você está exagerando. Ainda não aconteceu nada. Ainda...

No dia seguinte, Cece desceu para o café da manhã se sentindo um caco. Não dormira bem na noite anterior, e o mal estar ainda a acompanhava. Sentou-se em seu lugar de costume, ao lado de Trevor, mas não puxou conversa e mal respondia o irmão.

‒ Cece, querida, sentimos sua falta ontem à noite ‒ disse a Sra. Stormfield. ‒ Aonde foi que você se meteu?

‒ Qu... ah... desculpe, mamãe, me senti mal e subi mais cedo para o meu quarto.

‒ Sabe querida, não é nada educado deixar os convidados sem dar explicações...

‒ A menina passou mal Celia ‒ interrompeu o Sr. Stormfield. ‒ E ela ontem se saiu muito melhor do que tínhamos o direito de esperar ‒ concluiu ele, num tom de quem encerra a conversa.

É claro que o Sr. Stormfield sabia o porquê de a filha ter se retirado cedo. Ele mesmo estivera a ponto de se retirar, mas pensou melhor e resolveu que dois anfitriões ausentes poderiam chamar muita atenção.

‒ Filha, posso falar com você? Só vai levar uns minutos ‒ perguntou Edmund.

‒ Claro pai... ‒ respondeu a menina, nervosa.

Os dois saíram da sala de jantar e o Sr. Stormfield levou a filha até os jardins. Pararam embaixo de uma cerejeira, a árvore preferida dele. Ele se virou para ela e disse:

‒ Cece, eu entendo que a conversa de ontem deve ter perturbado você.

A garota não respondeu. Apenas fitou o pai, o coração aos pulos.

‒ Eu quero que você saiba que não há absolutamente nada com o que se preocupar.

‒ Mas porque o General Buster queria saber aquelas coisas papai? O que foi que ele conversou com você depois que eu saí?

‒ Querida, o Willian é... muito curioso. Ele é um oficial, e leva o trabalho dele muito a sério. E ele acaba levando isso para a vida. Não é à toa que chegou a um posto tão alto... mas ontem não passou de curiosidade. Ele achou sua história interessante e, bem, quem não acharia? Só que ele tem um jeito mais sério de demonstrar isso. Depois que você saiu ele apenas me tranquilizou explicando tudo isso que acabei de dizer. Não tem motivo nenhum para você ter medo, certo, filha?

Cece sorriu e acenou com a cabeça. Depois abraçou o pai. Ela se sentia muito mais leve agora, como se desde a noite anterior estivesse carregando alguma coisa muito pesada sem perceber.

‒ Agora volte, azulzinha, e termine seu café da manhã. Amanhã você irá começar com as aulas em casa.

‒ Você não vem, pai?

‒ Eu vou ver se ainda sobrou alguma cereja por aqui. Eu já alcanço você.

Ela sorriu para o pai e assentiu. Depois voltou para a casa, literalmente aos pulos.

Edmund ficou olhando ela saltitar por todo o caminho até a porta, um sorriso preocupado nos lábios. Ele com certeza agira certo ao ocultar de Cece o verdadeiro teor da conversa com Willian Buster. Sim, com toda a certeza ele fizera o que era melhor. Não valia a pena preocupar a cabecinha da filha com as teorias malucas do amigo, afinal, ainda não acontecera nada. Ainda...


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