Pulsos Atados escrita por Anayra Pucket


Capítulo 18
Capítulo 17 - Mistérios - Mariana




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Ariel abriu a boca para dizer alguma coisa, mas cortei ele na mesma hora. Já que eu não podia evitá-lo, ia ser eu quem dava as rédeas no diálogo.
– Pra começar, como você sabia que eu estou aqui?
– Eu... - Ele parou um minuto para olhar em meus olhos, mas desviou quase no mesmo momento, com os músculos contraídos como se não tivesse a audácia necessária para me enfrentar - Eu te segui.
Quase ri do quanto ele parecia tenso, mas a minha raiva não permitiu.
– Desde quando você vem me perseguindo?
Ele engoliu em seco e sua resposta fez meu coração quase pular do peito.
– Faz 17 anos.
Mas eu tinha 17 anos. Como ele podia ter me perseguido aquele tempo todo sem que eu ao menos notasse? Que tipo de psicopata anormal ele era para tal obsessão? Ele estava mentindo pra mim? Ele realmente tinha me observado de longe a minha vida inteira? Por quê?
Eram tantas perguntas que eu mal podia ordenar meus pensamentos e escolher as palavras certas para expressar minhas dúvidas.
– Que tipo de palhaçada é essa? Como assim? - Eu perguntei em um tom excessivamente ríspido, que surpreendeu até a mim mesma.
Ele também pareceu surpreso com meu estresse inesperado.
– Emilly? - Ele disse em um tom que demonstrava esperança.
Ao dizer aquele nome, aquela mesma queimação que senti quando o vi conversando com Keyla, ou a cada vez que tentava me recordar de onde o conhecia, voltou com força.
É como se tivesse algo se mexendo no meu interior, uma sensação simplesmente inexplicável. E então como se tivesse vontade própria, minha boca o respondeu:
– Parece que dessa vez é realmente a santinha que está sendo mal criada com você.
Meu tom de voz saiu mais grave que o normal, e eu sabia que não tinha sido eu quem dissera aquelas palavras, então quem poderia ser? É como se eu estivesse possuída...
Só pensar naquilo já me causou calafrios e eu teria sentido pânico, se Ariel não estivesse ali na minha frente. Podia parecer loucura, mas estar com ele me trazia segurança.
– Mariana, não deixe que ela controle você. - Ariel ainda me fitava com seus olhos azuis tão preocupados.
– Ela quem? - Minha voz não saiu mais que um sussurro, abafada pela onda de medo que ainda me ameaçava submergir.
Notei seu receio ao se deparar com minha pergunta e então ele simplesmente baixou o olhar.
– É uma longa história...
Suas palavras ficaram suspensas no ar, deixando aquele mesmo clima de mistério que parecia cercar tudo quando se tratava dele.
– Tenho tempo de sobra. - Fiz minha voz soar firme, mas eu me sentia como uma bolha de sabão prestes a estourar contra a brisa.
– Você saberá tudo no Dia Determinado. - Ele murmurou de forma enigmática, como se esperasse que eu compreendesse o que diabos ele estava querendo dizer com aquilo.
– Dia Determinado? - As palavras fluíram da minha boca sem que eu exatamente mandasse.
Ele suspirou profundamente e seu olhar estava distante, quase como se estivesse em outra época.
– Nesse dia, sua alma abrirá seus olhos e seu coração a guiará para a libertação. Essa é a Profecia. - Notei o quanto ele mediu as palavras antes de dizê-las, ele estava sendo cauteloso para não me dar informações demais e eu já estava ficando mais que irritada com isso.
Pra tudo tinha que ter esse mistério? Parecia que a minha vida tinha virado um filme de terror. Tantas coisas surreais e sobrenaturais que ainda nem tinha caído a ficha do que estava acontecendo em minha mente. Resumindo toda a sopa que agora era minha cabeça, havia algo flutuando nela. Como um legume estragado ou algo que insistia em me deixar confusa sobre toda essa situação. Como eu ainda podia estar ali, conversando com um completo estranho (e pelo jeito psicopata também), e ainda por cima, levar a vida com tamanha normalidade. Ninguém sabia, nem Keyla, nem minha própria mãe o que tinha acontecido nessa última semana. E eu ainda estava enfrentando o cara que trouxe todas essas mudanças pra minha vida, desde sua primeira aparição, assim como de seu irmão também.
Bufei de modo zangado e prendi meu olhar no dele tentando forçá-lo a me dizer a verdade. Ou melhor dizendo, toda a verdade.
– Dá pra você traduzir isso pra mim?
Ele balançou a cabeça para os lados teimosamente.
– Você saberá quando esse dia chegar, se eu te contasse isso só aceleraria o Processo.
Okay, ele estava realmente me deixando mais maluca ainda, então resolvi atingir outro ponto da discussão, buscando uma brecha entre a guarda que ele parecia nunca abaixar para mim.
– Tudo bem. Então você pode me explicar que criatura foi aquela que saiu debaixo da terra do terreno naquele dia?
Seu corpo ficou ereto e tenso, como se tivesse acabado de receber um choque.
– C-como foi que você? Você realmente já visitou o Portal? Foi lá que você se deparou com o meu irmão pela primeira vez?
Ele chamou o terreno de Portal. O que aquilo queria dizer?
– Ahn sim eu vi aquele cara que se parece muito com você lá. Parecia que ele estava me espiando. Na verdade isso aconteceu um dia antes de eu te encontrar na escola. Até achei nesse dia que você era ele. Bem, com exceção do cabelo.
Eu sorri meio sem graça. Eu falava dos dois como se os conhecesse há muito tempo e não há menos de uma semana.
– Eu tenho que lhe pedir um favor, um favor simples. Olha eu sei que deve ser difícil para você compreender mas você não pode, aliás, não deve voltar para aquele lugar. Isso só vai acelerar tudo.
Acelerar o quê? Ele tava com demência? E o terreno era um Portal pra quê? As Crônicas de Narnia? Ah, brilhante Mariana sua cabeça está realmente pirando.
Sem conseguir evitar comecei a rir. De onde eu podia ter tirado Crônicas de Narnia?
Ariel só me olhava parado, sem entender nada do motivo do meu ataque de risos. Pois é, toda essa loucura em minha vida tinha que ter um pouquinho de humor.
De repente ele ficou tão sério e irritado que instantaneamente parei de rir e me encolhi como uma criança.
– Você tá achando que isso aqui é brincadeira? Trata-se da sua vida! Sua vida está em jogo e depende de mim agora. Você não entende? Isso aqui é sério. Não percebeu isso até agora?
Seu tom de voz era excessivamente alto e repleto de algo que não consegui decifrar. Só sabia dizer que era poderoso. Sim, essa era uma boa definição. Sua raiva era transmitida através de uma sensação sinistra que exalou ao meu redor, como um tipo de energia muito, muito poderosa.
– Você não me intimida, - Menti, grata por minha voz não sair falhada como eu esperava - então abaixa seu tom de voz comigo. Eu não tenho obrigação de lhe dever obediência em nada. Eu mal o conheço. Descobri seu nome porque minha melhor amiga me contou. Você me persegue, me diz esse monte de baboseiras e espera mesmo que eu aceite? Dá um tempo cara! Você é um psicopata, recomendo que você vá se tratar e fique longe de mim, antes que eu tenha que tomar medidas mais drásticas.
Fiquei impressionada comigo mesma. De onde eu tinha tirado forças ou coragem para dizer aquilo?
Olhei para seus olhos e tentei absorver algum resquício de raiva ou um bom motivo que me desse coragem para me virar e bater a porta com força na cara dele, mas tudo que enxerguei em seu rosto foi tristeza. Uma tristeza que fez meu coração se apertar em remorso.
– Me desculpa Mariana. Sei que não estou sendo justo com você. - Ele passou sua mão por dentre as grades do portão para tocar meu rosto, e seu toque fez minha frustração se amansar na mesma hora - Meu nome é Ariel e é um prazer conhecê-la. Vamos recomeçar do zero?
Confusa, mas tão calma e feliz por ele voltar a ser gentil comigo, relaxei e soltei um longo suspiro antes de cumprimentá-lo.
– Meu nome é Mariana, e também é um prazer conhecê-lo. Mas realmente eu gostaria de saber mais do que você está se prontificando a me revelar. Por que você hesita tanto?
Estávamos conversando de maneira formal, e eu quase ri da minha falsa atuação, pois não estava acostumada a conversar daquele jeito. Ariel também achou graça e tossiu para segurar uma risada.
– A madame deve compreender que meu receio é pelo próprio bem desta.
– Acho que não vai adiantar eu insistir para tentar obter respostas certo? - Eu disse já derrotada pela frustração.
Ele não me respondeu verbalmente, apenas assentiu de modo quase imperceptível com a cabeça.
Um silêncio se fez em nosso diálogo, e apenas nossos olhos se conectavam e emitiam as emoções que se mantinham reservadas em nós. Seus olhos azuis eram impermeáveis e quase impossíveis de serem lidos, mas eu sabia que ele estava afim de mim. Claro, eu sei que isso soa muito precipitado, mas pô eu percebo essas coisas. E se realmente ele tinha me perseguido a minha vida inteira (O que eu não acreditaria com tanta facilidade, afinal ele parecia ter uns 20 anos no máximo) aquilo certamente não o impedia de sentir algo a mais por mim. Que droga eu realmente estava maluca!
Qualquer pessoa sensata já teria caído fora faz tempo ao ouvir uma coisa daquelas, mas eu ainda estava lá com ele, e ainda por cima, sentia algo que jamais sentira na vida.
Me remexi desconfortável e desviei meus olhos para encarar meus pés. Eu não deveria estar o encarando como uma completa idiota, e sim buscando o máximo de respostas que eu pudesse.
– Me desculpe - Ele disse subitamente.
Voltei a olhar para seus olhos sem a autorização de minha mente.
– O quê?
Ele se aproximou mais do portão e também de mim.
– Me desculpe - Ele repetiu mais uma vez.
– Está se desculpando pelo quê? Eu já te desculpei por você ter gritado comigo.
– Estou pedindo desculpas por toda essa merda estar acontecendo com você. É culpa minha, toda minha.
Agora foi ele quem desviou os olhos penetrantes dos meus.
– Eu não me importo de você ser o culpado - As palavras pularam da minha língua antes que eu pudesse as inibir, e fiquei oscilando na dúvida se havia realmente sido eu quem dissera aquelas palavras.
Ao invés de me dizer alguma coisa ele me lançou um olhar incisivo, tão indecifrável que eu jamais na vida imaginara me deparar. Os olhos são portas para a nossa alma, e no instante em que ele encontrou meus olhos, tive uma convicção assustadora de que essa frase era veraz. Eu o conhecia, de algum lugar, de algum modo que me fugia da compreensão. Parecia que ele estava me permitindo de maneira obliqua, notar o quanto aqueles olhos eram velhos, denunciando o contrário do que a sua aparência mostrava. Foi com esse olhar tão repleto de emoções recônditas, que ele lentamente se esquivou do portão e virou de costas para mim, seguindo rumo à noite escura.
Ariel não voltou a me olhar outra vez e eu fiquei lá, sem saber como reagir, o observando até sua silhueta ser totalmente encoberta pelo véu de negridão daquela noite sinuosa.


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