Cefaleia pós-traumática. Foi esse o diagnostico de Kyle. Meu pai disse que ele vai sofrer de dores de cabeça horríveis por conta do acidente, aparentemente ele bateu a cabeça em algum lugar.

Dividir quarto com Kyle tem sido a coisa mais horrível que já aconteceu comigo. Eu realmente não me importo com os gritos e os choros repentinos, eu estou até acostumado, mas cada vez que isso acontece, meu coração se parte.

Na noite que ele teve a primeira crise, logo após ele ser retirado do quarto eu comecei a me sentir culpado. Talvez se eu não tivesse gritado com ele, Kyle teria mais atenção no transito. Eu sei, é complicado pensar assim, mas é como eu me sinto. Estou com as duas pernas quebradas e tomo banho de esponja. Kyle tem uma perna e a cabeça quebradas.

Como se ver Kyle sofrendo não doesse o suficiente tem Miles. Acabei percebendo que Kyle é a única pessoa com quem Miles realmente se importa. O garoto passou cinco noites seguidas no hospital, meu pai teve que ameaçar chamar os seguranças para que ele fosse dormir em casa, mas mesmo assim no outro dia pela manhã ele estava lá outra vez.

Kyle era incrivelmente grosseiro com ele, mas o moreno nunca repreendeu o irmão ou disse alguma palavra de raiva para ele. Mesmo Kyle feito ele chorar duas vezes. Depois de ver o estado de Miles, não consigo mais ver ele como uma víbora ou coisa assim.

Os momentos bons de Kyle eram divertidos. Freya veio nos visitar uma porção de vezes. E bem, é a Freya, seria estranho se ela não agitasse o hospital. Na verdade ela é uma boa enfermeira, a própria me deu banho de esponja umas duas vezes, foi vergonhoso, mas ela pareceu não se importar com isso.

E foi graças a Freya que nós conhecemos Tommy. Tommy era um garotinho de seis anos que tinha a imunidade extremamente baixa, então ele passava um bom tempo no hospital, além de ser filho de uma das colegas de trabalho do meu pai.

Certo dia Kyle estava emburrado, acho que não era por dor ou coisa do tipo, era apenas o Kyle. Então do nada Freya surge na porta do quarto dançando tango com um garotinho que batia na cintura dela. Foi a primeira vez que nós vimos Tommy e também foi a primeira vez que eu vi Kyle sorrir depois da primeira crise. Cara, eu amava tanto aquela russa louca.

Rato e Liv também davam umas passadinhas no hospital, mas a frequência era bem menor. Rato colocou dois dos seus novos “zangões” para nos levar para passear pelo hospital em cadeiras de rodas. Liv sempre levava bons filmes e um livro pra cada um, sempre fofa e querida.

Porém naquele dia ninguém apareceu. Ninguém exceto Tommy que me tirou de um sono profundo.

– Seu namorado deixou isso para você. – Ele estava sentado na minha cama.

Ele me entregou um livro, O retrato de Dorian Gray. Na primeira página Miles escreveu “Não vou fugir outra vez, só que você destruiu o primeiro exemplar que eu te dei. Te amo, Miles”

– Tommy, ele não é meu namorado. – Sorri. – Você não devia estar na ala infantil?

– Eu estou esperando a Freya. – Ele sorriu, faltava um dente.

Olhei para a cama do lado, Kyle não estava nela.

– Ele está deitado no chão outra vez? – Sussurrei para o garotinho.

Tommy balançou a cabeça positivamente. Tommy tinha a pele mais pálida do mundo, Kyle parecia um cara bronzeado perto dele. O cabelo loiro e encaracolado estava um pouco comprido e sempre tinha cheiro de morango.

– Quando Miles esteve aqui? – Perguntei olhando a capa do livro, essa era diferente da outra, parecia uma coisa mais clássica.

– Hoje bem cedo, ele disse que tinha que ir para a escola se não ele não ia ser inteligente e morreria de fome. – Tommy saltou da cama. – Bem, preciso ir ao banheiro, se a Freya chegar você poderia pedir para ela ir me buscar?

– Claro.

Fiquei encarando a capa do livro por algum tempo até Kyle me chamar.

– Leo? – A voz dele estava cansada como sempre. – Quanto tempo faz desde que eles me deram remédio?

– Umas três horas. – Falei olhando no relógio. – Você está com dor?

– Um pouco, não muito. – Ele disse. – Mas ficar deitado no chão faz a dor ficar menor.

– Desculpa. – Segurei as lágrimas. – Se eu não começasse a gritar com você a gente não estaria aqui.

– Leonard, cale a boca antes que eu te de um soco tão forte que vai te deixar com cefaleia pós-traumática. – Ele disse. – Já falei um milhão de vezes, não foi sua culpa.

Abri o livro e comecei a ler. Passei tanto tempo lendo que nem percebi o tempo passar. Era completamente estranho como um livro sobre um cara que faz um pacto com o diabo para ser jovem para sempre, fazia eu me sentir perto de Miles. E por falar em Miles, lá estava ele.

– Boa tarde luzes do sol. – Ele me deu beijo rápido e afagou os cabelos de Kyle que já estava de volta na cama. – Está se sentindo melhor?

– Um pouco. – Kyle respondeu. – Vai passar a noite aqui?

– Sim.

– Miles, você precisa dormir direito. – Kyle protestou.

– Kyle, eu não consigo dormir sabendo que você não está na porra do quarto ao lado. – Ele abaixou a cabeça. – Eu durmo melhor aqui do que em casa.

– Como estão os meus pacientes favoritos? – Clark, o enfermeiro gato entrou no quarto.

– Uma bosta. – Kyle respondeu.

Clark riu.

– Você aqui outra vez? – Ele olhou para Miles.

– Meu irmão não está em casa para me consolar porque meu namorado está no hospital e meu namorado não está em casa para me consolar porque meu irmão está no hospital. – Miles disse.

– Eu não sou seu namorado. – Rebati.

– É sim. – Tommy disse entrando.

– Crianças não mentem. – Clark disse.

– Senhor Jesus Cristo isso é tão bom. – Kyle disse quando Clark terminou de aplicar o medicamento direto na veia do garoto.

– Tommy, sua mãe sabe que você está aqui? – O enfermeiro perguntou.

– Sim. – O garotinho disse subindo na cama de Kyle. – Criança não mente.

– Tudo bem então. – Clark disse saindo do quarto.

– Olhar para essa bunda é a minha cura. – Kyle sussurrou.

– Kyle! – Miles repreendeu o irmão.

– O Tommy nem ouviu.

– Ouvi sim. – O garotinho fez o moreno gargalhar. – Isso não é engraçado? Dois garotos namorarem igual um garoto e uma garota.

– Tommy, é a terceira vez que eu vou te dizer, Miles não é meu namorado.

Ainda.