Brief. escrita por Zoë Hausherr


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

- O roteiro inteiro é primeiramente escrito em inglês e apenas depois traduzido para o português, e a princípio comecei escrevendo na terceira pessoa (porém, no decorrer da narrativa, acabei percebendo que a voz da personagem falava mais alto, e abri uma exceção para escrevê-la em primeira pessoa), então peço desculpas caso ocorrerem alguns erros gramaticais, ou se alguma frase for colocada de forma confusa. Faço o meu melhor para fazer jus ao idioma do qual é traduzida.

— Feedbacks são muitíssimo apreciados, e agradeceria se pudessem comentar (se bem que, só pelo fato de alguém tomar o tempo pra ler, já me sinto realizada) ^-^



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Seis mil duzentos e dez.

Este é o número de dias que vivi até então, concluo, e levo o olhar para o Sr. Schoeber, que tenta manter a pose ao se atrapalhar para fazer o vídeo de PowerPoint funcionar durante o segundo período da aula de História da América do Norte.

O número rabiscado na página de caderno no fim de um enorme cálculo martela em minha mente; muitos dizem que a cada aniversário você se sente uma fração diferente do que era no dia anterior. Como se o mundo mudasse um pouquinho, ou talvez se aproximasse de sua realidade, achegando-se de modo que não tenha mais como fugir de seu abraço, feito um parente impertinente. Mas ele não me parecia muito diferente naquela manhã.

Dezessete anos; olhando para trás, parecem-me séculos. Lembro do que minha mãe disse certa vez enquanto lambuzava o rosto com o arsenal de cremes que mantém na pia do banheiro: “As três primeiras décadas sempre passam voando. Você olha para trás, e é como se tudo tivesse acontecido de uma vez só, de tão rápido. Mas agora eu tô começando a sentir… o tempo tá desacelerando.” as palavras não significaram muito para mim aos onze anos. Eu ainda tinha muito pela frente, pouco para me preocupar. Mas ela estava redondamente certa ao dizer que o tempo corre rápido demais. Exceto que nada realmente acontece. Eu ando estagnada no tempo, mas meu corpo, não. Por mais que pareça loucura, pensar nisso sempre me resulta em breves ataques de ansiedade. Eu sei que elas ainda estão em transformação, mas às vezes acho que posso sentir cada uma de minhas células somáticas se desgastando e deixando espaços que já não serão mais preenchidos por novas células, envelhecendo-me a cada segundo e roubando frações de minha vida, deixando um lembrete físico de que logo ficarei velha demais para viver, e que até agora mal vivenciei algo e—

“Silver Clarke”, a voz ríspida resgatou a minha atenção. Acho bacana como o meu nome é sempre reproduzido sendo acompanhado por cochichos e risadinhas ao plano de fundo.

“Sim?” Respondo, percebendo que havia passado o tempo inteiro com o olhar fixo na parede de lado oposto à do vídeo, que aparentemente já havia começado há alguns minutos.

“Eu sei que essa parede parece muito interessante, mas esse documentário será essencial para os exames finais.” comentou o Sr. Schoeber, tirando seus óculos e os limpando com a manga da camiseta preguiçosamente, depois dirigiu a voz para toda a turma “É importante que todos prestem muita atenção às heranças dos povos ameríndios.”

Houve silêncio novamente, com exceção à alguns garotos que comentavam algo tipo “é, como nomes de estados difíceis de pronunciar” e riam dos trajes usados pelos atores que encenavam o ritual de uma das tribos. Era quase perturbador ter que assistir algo tão mal feito, mas tentei focar nas imagens projetadas contra o quadro.

Um aluno adentra a sala, cumprimenta o professor com naturalidade e caminha para uma das mesas vazias ao fundo da sala, logo atrás de mim. Ótimo, agora terei que me preocupar em me sentir observada.

Cameron Leigh sempre chega atrasado nas duas únicas aulas que compartilhamos. Percorre pela turma com uma expressão apática no olhar, a mochila enroscada em um dos ombros, enquanto uma touca pende na altura da nuca, sempre do mesmo jeito -- noto que também costuma trajar variações de roupas em preto e branco -- e se acomoda no último lugar da última fila de carteiras da sala. Por alguma razão, o seu atraso é sempre indiscutível entre os professores. Há algo estranho sobre ele, mas não estranho o suficiente para ser motivo de chacota como eu. Na verdade, Cameron até tem alguns amigos, mas parece seletivo o suficiente para não dirigir a palavra a mais ninguém. Tento lembrar se algum dia já ouvi a sua voz além do cansado “presente" durante a chamada. Acho que não. Apesar disso, certas vezes, encontro-me fitando a porta da sala à espera de sua chegada — e em todas as vezes, sua presença me provoca uma sensação alienígena por dentro. Meu rosto começa a queimar em questão de segundos e posso imaginar que em contraste com a palidez quase enferma, fica bastante vermelho (não de uma forma fofa, como apenas as bochechas, mas literalmente, a cara inteira se acendendo feito uma tocha). Minhas mãos tremem, minha boca seca. No começo, ingenuamente pensava ser um ataque de pânico, mas eventualmente aprendi que é apenas uma reação ridícula que meu cérebro envia para o resto do corpo ao ver alguém atraente. E eu certamente não confio nesse cérebro.

Em poucos minutos, perco-me novamente em pensamentos.

Comparecer à aula não estava em meus planos; gostaria de ter usado o aniversário como desculpa esfarrapada para ficar em casa, mas parte de mim queria se despedir do lugar — e ver ele pelo menos mais uma única vez. Não proferi uma única palavra de objeção no trajeto de casa até a escola enquanto ouvia minha mãe no volante, divagando sobre uma exposição do Giuseppe Arcimboldo que ocorreria na cidade no final de semana, e que chamaria Gustav para um pequeno jantar à noite para celebrarmos a data, como fazemos todos os anos — apenas nós três na pequena mesa da cozinha, comendo lasanha de beringela ao som de Manic Street Preachers (sempre pulando o album Generation Terrorists, por conter uma faixa um pouco relacionável demais) e terminando a noite com algum filme água com açúcar dos anos 80. Nunca precisei de nada mais que isso, na verdade. Em meu aniversário de dezesseis anos tive que gravar a frase “eu não quero uma festa, obrigada" e reproduzi-la toda vez que alguém trouxesse o assunto à tona. Nunca vi muito sentido nessa história de aniversários; “parabéns, você conseguiu sobreviver aos últimos 365 dias! Te ligo de novo quando completar mais outros 365. Vamos fingir que você fez algo importante ao invés de seguir rotinas e comer comida de microondas enquanto assiste à TV, ociosamente desejando estar morta”. As Testemunhas de Jeová estão certas por pular a celebração de um dia tão egocêntrico.

Mas eu tenho outros planos.

Na verdade, não havia planejado para que hoje fosse o Dia De. Deveria ter sido ontem, mas acabei tendo que alterar os meus planos por falta de opções — minha mãe recebeu um dia de folga em função de uma viagem de excursão para Boston e acabou passando o dia inteiro em casa, corrigindo provas.

Volto a pensar em minhas células, e em como prefiro poupá-las em vez de deixar com que continuem trabalhando por mim, para me manter inteira, até o dia em que não aguentarem mais. Meu estômago se contorce em antecipação.

Nesse momento, o garoto atrás de mim se levanta em um movimento súbito. Observo-o puxar sua mochila de volta para o ombro rapidamente. Sua expressão agora é diferente: carrega uma tristeza indescritível no olhar, quase piedosa. Ele passa por mim e em passos acelerados, sai da sala, sem uma única explicação.

Penso que essa será a última vez que terei o visto.

E depois volto a pensar em minhas células, e em como irei matá-las.


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Notas finais do capítulo

Se chegou até aqui: OBRIGADA! Relembrando que feedbacks, sejam bons ou ruins, são sempre bem-vindos! ^-^



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