Mesmo Que Não Venha Mais Ninguém escrita por Leoh Ekko


Capítulo 19
O único sentimento infinito


Notas iniciais do capítulo

Boas e más e notícias: estou postando dois capítulos de uma vez, mas são os últimos



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— Desistir da escola e da chance de ir para a faculdade, abandonar os amigos e sair por aí no carro de um estranho? Francamente, de todas as loucuras que você já fez essa é de longe é a maior. Estou realmente impressionada.

Artie revirou os olhos e deu mais gole na versão sem álcool de um coquetel de frutas.

— Primeiramente: eu não tenho muitos amigos para abandonar, pois eles morreram. Segundo: eu posso fazer uma prova de conclusão do ensino médio e eu nunca quis para a faculdade. E por último: Andrew não é um estranho.

Sua mãe enrugou o nariz e desviou os olhos, um sinal de que sabia que ele tinha razão. E ela só estava fazendo charme, pois já havia concordado em deixa-lo ir. Caso contrário ela não teria organizado aquela “festa” de despedida às pressas no Rogers para ele. Haveria poucos convidados, a maioria eram colegas do trabalho da sua mãe, que nunca haviam visto Artie na vida. Ele estava achando aquilo meio exagerado e ridículo, mas aceitou ir para agradar a mãe, ele sabia que ela iria sentir muita falta dele. Entretanto, ele tinha uma sensação de que as estava libertando do fardo de sempre estar preocupada com ele, tentando impedir p tempo todo que ele fizesse alguma besteira contra si mesmo. Com ele longe, ela finalmente teria a chance de realmente começar a viver.

— É que do jeito que você fala é como se sua vida agora fosse se transformar em um road movie dos anos setenta.

— Não, eu não tenho tanta sorte assim.

— Artie?

— Sim.

— Eu preciso te contar uma coisa.

— Estou ouvindo.

Sua mãe largou o copo no balcão e se aproximou mais.

— Eu não quero que você pense que estou fazendo isso só porque você está indo embora, até porque eu já havia decidido isso antes de você dizer que sairia de casa, eu só não tive coragem de contar até agora.

Ai, meu Deus. Será que não bastava tantas revelações para uma vida inteira?

— Decidido o quê?

— Robert e eu vamos morar juntos, talvez até iremos nos casar e... estamos pensando em adotar uma criança, pois eu já estou em uma idade avançada e seria perigoso...

Artie a interrompeu com um abraço. O corpo dela ficou duro com a surpresa, mas depois relaxou e o abraçou também. Artie inspirou o velho cheiro do perfume que ela usou a vida inteira, se lembrando das noites em que ela vinha até o quarto dele confortá-lo depois de alguma briga com o pai. Tantas coisas haviam mudado desde aquelas noites de desespero que nem parecia que era a vida dele, era como olhar uma fotografia de lembranças de outra pessoa.

— Eu fico feliz em saber disso mãe, de verdade.

Sua mãe deu uma risada baixinha e fungou para esconder as lágrimas. Eles ficaram abraçados mais um pouco até que o olhar de Artie se prendeu em uma figura escorada na parede perto da entrada do bar olhando para eles e esperando aquele momento acabar para poder se aproximar.

Andrew.

Artie não o via há cinco dias, quando eles haviam ficado juntos no apartamento de Andrew. Tinha pedido um prazo para se despedir e arrumar suas coisas antes de partirem. Mas aqueles cinco dias pareceram uma eternidade quando ele finalmente o viu e seu coração começou a bater mais rápido. Será que aquilo ia acabar algum dia? Será que ele sentiria aquela sensação quentinha na barriga toda vez que o visse? Será que ele sempre estaria superconsciente do tempo em ficavam separados? Ele esperava que sim, e caso aquilo não durasse para sempre, ele tinha o agora para se agarrar.

Ele se despediu da mãe foi até Andrew, notando que algo já havia mudado no jeito que ele agia quando estava perto de Andrew: não se sentia mais tão nervoso, e nem sentia mais a necessidade ser sempre cuidadoso, como se estivesse andando por cima de um lago congelado. Ele já se sentia mais à vontade perto de Andrew, o que era ótimo, pois estaria perto dele o dia todo pelos próximos meses.

— Oi — disse Andrew, dando aquele seu meio sorriso.

Artie não disse nada, apenas se aproximou para dar um beijo lhe dar um beijo rápido.

— Isso aqui é realmente a sua festa de despedida? Está mais parecendo uma confraternização de final de ano de uma empresa? Quem são essas pessoas?

— Colegas da minha mãe. Ela achou melhor trazê-los para disfarçar que não há quase ninguém para se despedir de mim.

— Ei, não fica assim — Andrew o abraçou pelas costas e a encaixou o rosto na curva do seu pescoço. — Não importa se não há muitas pessoas para quem dizer adeus, só importa que agora seremos só eu e você. Todo o resto vai perder a importância.

— Eu sei — suspirou, mais pelo arrepio que a barba por fazer do Andrew estava provocando em sua pele do que para efeito dramático. — Eu estou bem, é só que... queriam que os outros estivessem aqui.

— Eles estão, de algum jeito eles estão, eu acredito nisso.

Artie também queria acreditar, mas não conseguia. Sempre acreditara que a morte era realmente o ponto final, não havia nada depois. Ele sabia que aquilo era vestígios da época em que queria abraçar a morte como solução para seus problemas, mas era o tipo de sujeira que não se limpa com um pano e um pouco de água, aquilo demorava muito mais e precisava de um pouco de paciência.

Por fim, os dois foram sentar em uma mesa mais al fundo, longe daquela música ruim e da risada daqueles adultos bêbados. Ficaram se beijando na maior parte do tempo, até que foram interrompidos por uma voz fina forçando a garganta.

Artie se afastou de Andrew para ver quem era e viu Trace parada ao lado da mesa, com Stanley ao seu lado.

— Será que tem um lugar para nós aqui? As outras já estão ocupadas por gente chata.

Artie se levantou para abraça-la, quase sofrendo uma catarse de felicidade ao vê-la ali.

— Eu não sabia que você viria.

— Eu não perderia isso por nada, e estão me deixando sair com mais frequência agora, talvez eu receba alta nas próximas semanas.

— Trace! Isso é maravilhoso!

— Eu sei!

Artie a soltou para que pudessem se sentar. Houve um momento meio embaraçoso com Stanley, pois Artie não sabia como agir diante dele e Andrew o tratou com a mesma frieza de sempre. Mas no fim ele acabou dando um abraço nele e dizendo que estava feliz por vê-lo ali. E estava mesmo, não guardava nenhuma mágoa por ele ser o único sobrevivente da tragédia. Existem muitas situações na vida em que a mágoa pode manchar várias lembranças e macular sentimentos bons, quanto menos mágoa ele carregasse dentro de si, menor seriam as chances de ele se perder na depressão novamente. E ele não havia aprendido isso com remédios, livros autoajudas, ou com as consultas com a Dra. Hathaway, ele havia aprendido aquilo com a vida.

A noite correu calma, feita de risadas e lembranças. Artie pensava na primeira vez que entrara ali, meses atrás, por convite de Lynn, e em como ele nunca pensaria que estaria li tempo depois de mãos dadas com Andrew, rindo de piadas antigas e sentindo uma saudade gostosa dos velhos amigos. Pensou novamente em como tanta coisa havia mudado, algumas coisas haviam permanecido as mesmas.

Tipo a Trace.

Ele ainda tinha ela como apoio, mesmo depois de tantas tempestades ela ainda continuava sendo a ilha para onde ele poderia se abrigar. E mesmo aquela festa sendo uma despedida, ele sabia que aquele não era um adeus, era apenas como naquela frase velha e clichê: amigos não se separam, apenas seguem caminhos diferentes.

— Eu vou sentir tanto a sua falta.

Trace sorriu e apertou a mãe dele por baixo da mesa.

— Eu também. Mas saber que você está feliz vai confortar a minha saudade. Tantas vezes eu te disse que você devia segui em busca da sua felicidade, e agora que você realmente está fazendo isso... eu não vou me sentir mal. Entende?

— Sim, eu entendo

Um barulho irritante chamou a atenção de todos, era a sua mãe parada no meio do bar batendo em um copo vidro com uma colher.

— Ei, um minuto de atenção por favor.

— Ah não, o que ela quer?

Todos se calaram, esperando para ouvir o que ela tinha a dizer. Sua mãe olhou na direção dele e lhe lançou um sorriso bêbado.

— Bem, como todos vocês sabem, estamos aqui hoje para nos despedirmos do meu filho, o Artie. — Todos olharam para eles, a maioria surpresa por se lembrar do verdadeiro motivo de estarem ali. Era tão bizarro que chegava a ser cômico. — Por isso, vou pedir para que ele venha até aqui para fazer um discurso para encerrar a noite.

— O quê?

Andrew deu uma risada ao seu lado e o empurrou com o ombro. Enquanto isso Artie fantasiava que um buraco apareceria no chão de repente para onde ele poderia pular e desaparecer.

— Venha até aqui, querido.

Artie revirou os olhos e se levantou, pensando que seria pior se ele não fosse. Como resposta recebeu uma salva de palmas ridículas. Ele chegou no meio do bar, e lençol um olhar assassino para mãe, que estava bêbada demais para notar.

— Hum, bem... — ele começou a falar, baixo demais para que as pessoas conseguissem ouvir.

Nossa, seria um fiasco. Artie era péssimo com oratória, ele se saía muito melhor com uma máquina de escrever... ele não fazia a menor ideia do que dizer. No auge do seu desespero, ele olhou para os amigos sentados lá no fundo, principalmente para o sorriso de Andrew e teve uma ideia pobre por onde começar.

— Eu não sou muito boa com palavras, mas talvez vocês nem notem isso já que estão todos bêbados. Bem, eu passei por uns momentos bem difíceis no último ano, momentos que faziam a minha vida parecer inúteis que me faziam querer machucar a mim mesmo. Mas existem pessoas que aparecem na nossa vida nos momentos certos, para estender as tranças para eu poder me agarrar e subir ao topo novamente. E eu tive várias pessoas assim na minha vida, que me apoiaram e me mostram um lado que eu ainda não conhecia sobre as coisas, um lado que não era corrompido de dor e tristeza. Não foi fácil para mim, teve vários momentos em que eu achei que havia chegado no meu limite, era como se algo estivesse me testando para descobrir até onde eu conseguira ir sem desistir.

Seu olhar vagueou entre sua mãe abraçada a Robert, depois para trace, Stanley, seu Andrew e por fim nos rostos dos seus velhos amigos. Por um instante, nada de ruim havia acontecido e todos eles estavam juntos novamente. Artie sorriu, piscando para deixar uma lágrima solitária cair sobre sua bochecha. Era uma lágrima solitária que carregava o sentido da vida, das suas memórias das dores, dos risos, dos choros, das mágoas, das alegrias, dos amores e, principalmente, das vitórias que ele já havia conseguido.

— Eu perdi algumas dessas pessoas, mas agora eu sinto que elas realmente continuam perto de mim, me protegendo — ele lançou um olhar especial para Andrew, lhe jogou um beijo com a mão. — E enquanto as pessoas que eu amo me amarem, e enquanto eu tiver um ombro para me apoiar, eu sei que vou ficar bem. Pois afinal, o amor acaba sendo o único sentimento infinito, eu apenas o amor pode salvar o mundo, porque eu me impediria de amar?

No fim ele já estava chorando e nem viu quando dois braços fortes o abraçaram, e depois dois braços finos o abraçaram por trás, até que ele estava sendo abraçado por todos os lados. Ao pouco seu riso se transformou em uma risada e ele pôde fechar os olhos e se permitir ser feliz, ser amado.

— Eu te amo, Artie — sussurrou Andrew no seu ouvido, depois que os outros havia se afastado.

— Eu também te amo.

Andrew sorriso.

— Sabe, por mais que eu ame festas, estou ansioso para o momento em que seremos só nós dois e mais ninguém.

— Eu não ficaria, sou um péssimo companheiro de viagem. Vou roubar o teu sono e te entediar pelo resto da sua vida.

— Que nada, sempre fomos bons em conversar em carros, não sem lembra disso?

— Odeio quando você tem razão.

— Então você me odeia sempre, pois eu sempre tenho razão.

— Mas eu também amo quando você é convencido, então eu te amo sempre... e para sempre.


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