A Divisão Entre Mundos escrita por PeressIgor


Capítulo 4
Capítulo 4 - Fantasmas do Passado




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Capítulo 4 – Fantasmas do Passado

Um hospital deveria ser um lugar onde você deveria ir quanto não estivesse bem, para que te ajudassem e você pudesse ficar melhor, porém, em muitas ocasiões, nós encontramos dor, sofrimento, medo, e outras sensações ruins. Doenças, morte, finais. Nunca gostei de ir em hospital, só ia quando não estavam bem mesmo. Por mais irônico que seja, nunca me senti bem em hospitais.

Jack disse para eu descansar um pouco. O meu ferimento estava doendo muito. Depois de descansar por uma meia hora, pedi para que me explicassem o que havia acontecido. Aparentemente, eu apaguei quando fui esfaqueado, porém ao invés de me deixarem (como eu havia falado para fazerem na hora), Jack e Jester conseguiram uma brecha e puderam me salvar da facada final do soldado e me carregar para fora de lá. O grupo achou um carro e Meena fez ligação direta (sim, aparentemente ela sabe fazer isso).

Eles arriscaram suas vidas para me salvar, não sei o porquê, eu não os conhecia antes, não era amigo deles, mas eles se arriscaram para me ajudar. É algo que amigos de verdade fazem, porém que não fiz isso com os amigos que tive. Eles poderiam ter me deixado para morrer e fugido enquanto os soldados do caçador terminavam de me matar, mas eles não fizeram isso. Por quê?

Bom, continuando. O grupo conseguiu despistar o caçador e seu exército e me levaram para um hospital um pouco afastado, para tentar cuidar do meu ferimento. Mas e a fazenda? A cidade? A mulher? Aquilo foi real mesmo? Pareceu ser bem real. Era como se aquele fosse um mundo diferente, como se eu estivesse entre dois mundos.

O hospital era velho e esteve abandonado por muito tempo. Pouca luz entrava lá. Os corredores eram estreitos. Os quartos estavam todos empoeirados e bagunçados. Não havia eletricidade no prédio, ela havia sido cortada há muito tempo. Um ar de dor e sofrimento estava presente lá, em todos os corredores, em todos os andares e quartos. Era como se o prédio estivesse coberto por energia negativa.

Deixaram-me deitado em uma cama em um quarto no último andar, descansando. Pensamentos obscuros assombravam minha mente. Demorou para que eu conseguisse dormir. Não sei por quanto tempo eu apaguei. Acordei de repente. Estava bastante escuro e havia silêncio absoluto.

Saí do quarto e chamei por alguém, mas ninguém veio. Lysa disse que estaria no quarto ao lado se eu precisasse dela, mas não estava lá. Senti como se o chão tivesse tremido um pouco. Fui procurar alguém. O hospital era familiar, mas eu não tinha nenhuma memória de lá no momento, então acabei me perdendo. O grupo havia deixado minha lanterna e minha arma comigo, ainda bem, pois estava tudo escuro mesmo.

Eu sentia como se alguém estivesse me observando. Eu ouvia uma lenta respiração e, ocasionalmente, alguns passos. Poderia bem ser algo da minha cabeça, afinal, eu já não podia mais garantir minha sanidade. Por mais estranho que tenha sido, um quarto estava com a luz acesa. Eu já disse que não havia eletricidade no prédio, né? Então...

Enquanto me aproximava da sala, eu conseguia ouvir o som de um eletrocardiograma. Aproximei-me da porta da sala, inclinei a cabeça e vi que havia um homem deitado em uma cama. Era um senhor de idade avançada. Não parecia muito doente. Quando me viu, um sorriso se abriu em seu rosto.

– D, meu garoto, finalmente veio me visitar. – Disse-me com um olhar de satisfação.

– D?

– Achei que você gostasse que te chamassem assim, especialmente eu.

– Ah, quem é você? – Perguntei.

– Não se lembra de mim? Mesmo depois de tudo? Hahaha, e eu achando que eu estava mal. Obviamente você não está muito bem.

– É provável que não esteja mesmo. O que houve aqui?

– A idade chegou para mim, mais cedo do que eu esperava, honestamente...

Seu rosto e modo de falar eram familiares para mim, mas eu não conseguia me lembrar de quem ele era.

– Fico feliz por você ter vindo me ver. Pelo menos você veio...

– Ninguém mais veio?

– Apenas alguns. Família e amigos próximos. Acho que posso te considerar um amigo próximo.

– Obrigado, eu acho.

– Você poderia perguntar depois para Remin se alguém mais está planejando vir?

– Remin? ...

– Meu caro Adam, você bebeu? – Perguntou-me.

– Não estou muito legal.

– Percebe-se. Pode me fazer um favor? Pergunte para a enfermeira no quarto ao lado como está a minha situação?

– Tudo bem, eu pergunto.

– Obrigado, D.

Fui ao quarto vizinho com a esperança de encontrar a enfermeira, mas era apenas mais um quarto vazio e escuro. Do nada, o som do eletrocardiograma parou e a sala do homem ficou escura. Fui ver o que aconteceu. A sala estava vazia e bagunçada. Tentei acender a luz, mas ela não acendeu. Ótimo, eu estava com mais dúvidas do que antes.

Com a lanterna, consegui encontrar escadas que levavam ao andar abaixo. Mesma coisa. Escuridão, silêncio e a sensação de estar sendo observado. Nenhum sinal de Jack ou dos outros. Foi quando avistei de longe uma luz vinda de um quarto. Ao chegar lá, percebi que havia um homem na cama, muito parecido com o que estava no andar de cima, porém um pouco mais acabado.

– D, meu caro! Veio me visitar de novo! – Exclamou o homem deitado, que parecia demais com o de cima, como se fosse o mesmo, porém um pouco mais doente, talvez.

– Você não estava no andar de cima? – Perguntei

– Sim, mas isso já faz quase duas semanas, eu mandei avisarem você que eu estaria mudando de andar. Não avisaram?

– Que eu me lembre não.

– Não importa agora, pelo menos você veio me visitar novamente.

– Ah, como está se sentindo? – Perguntei, buscando entender quem ele era.

– Sinto-me mais ou menos. Poderia estar pior. Os médicos disseram que não estou tão ruim, mas não estou bem o suficiente para poder ir embora daqui.

– Poderia me explicar mais sobre o que você está sofrendo?

– Câncer de pulmão, meu caro Adam, o que mais eu preciso dizer? Em todos os lugares onde ia, sempre levava um maço de cigarros. Era bem provável que esse dia chegasse. Eu sempre me achei o “bonzão”, nunca achei que isso fosse me derrubar.

– Sinto muito.

– Tudo bem, a vida é um ciclo, mas chega de falar de mim. Como você vai? Disseram-me que você não estava muito bem, estava meio para baixo.

– Eu estou bem sim, por que estaria para baixo? – Indaguei.

– Olhe, D, eu sei que o que aconteceu foi ruim para você, e sei que você nunca quis que isso acontecesse. Eu sei que você nunca quis ser como o seu pai. Sei também que você não teve escolha ao fazer o que fez. Sinto muito que tenha que carregar essa culpa. Ainda há tempo para você esquecer isso.

– Esquecer o quê?

– Adam, você está bem? Desculpe tocar no assunto.

– Não entendi sobre o que você está falando.

– Estou falando sobre aquele Josh. Sobre o que ocorreu entre vocês dois e como terminou. Eu sinto muito por aquilo. Só pense no seguinte: ele era escória, um mal para esse mundo. Agora ele não machucará mais ninguém. Você fez uma coisa boa, queira aceitar ou não.

Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, um barulho alto veio do corredor. Foi o som de uma porta batendo, seguido por um grito gutural. Alguém estava correndo em direção à sala.

– Esconda-se no armário. – Disse o homem.

No momento que fechei as portas do armário, a luz da sala apagou. Uma figura misteriosa apareceu na porta. Como estaca escuro, não era possível ver quem era. Fazia barulhos parecidos com os de um animal com raiva. Percebi que andou um pouco pela sala e depois saiu. Fiquei com medo de usar minha lanterna, pois isso poderia atrair a atenção da “criatura” do quarto. O homem da cama também havia sumido.

Tentando fazer o mínimo de barulho possível, saí do quarto e tentei desenhar o mapa dos corredores daquele andar na minha mente com base no que havia visto. Andava bem devagar, procurando as escadas para descer para o andar debaixo. Infelizmente, acabei esbarrando em uma maca que estava no corredor e alguns objetos que estavam em cima dela caíram no chão.

Senti raiva de mim mesmo naquele estante. Os objetos fizeram um barulho bem alto. De longe, ouvi um grito gutural e pensei: “merda”. Não demorou para que o indivíduo viesse correndo para ver o que tinha acontecido. Escondi-me atrás de uma parede e fiquei sem fazer barulho algum. Ele rosnava. Parecia que estava com muita raiva. Como não encontrou nada ali, foi procurar em outro lugar. Tentei ser mais cuidadoso depois daquilo.

Depois de passar um tempo me escondendo e procurando, finalmente encontrei as escadas e desci. O andar debaixo era mais claro. Pelo que percebi, estava na recepção do hospital. Não havia ninguém lá e a entrada do hospital estava barricada. Segui para onde placas apontavam ser a UTI do hospital. O ar era mais sombrio lá.

Avistei uma sala com a luz acesa, e já imaginava o que eu iria encontrar lá. Lá estava ele, o mesmo homem daqueles dois andares, porém estava com pouco cabelo e estava mais acabado. Ficou feliz em me ver.

– Adam, meu filho, veio me visitar novamente.

– Como está se sentindo? – Perguntei.

– Já vi dias melhores, para ser sincero, mas não vamos falar de mim. Como você está se sentindo?

– Estou bem, só um pouco confuso...

– O que está te incomodando?

– Vou ser sincero. Eu não lembro quem é você, eu não lembro como te conheci e não me lembro quem é Josh. Pode parecer estranho, mas por favor, ajude-me.

– Adam, isto é sério?

– Por favor, ajude-me a lembrar.

– Você não lembra que eu te ofereci um emprego no meu negócio? Não lembra dos três anos que trabalhou comigo? Não lembra de Josh “The Cutter”?

Eu não lembrava de nada até aquele momento. Aquele homem se chamava John Ranks. Ele era membro de uma “sociedade” envolvida com “negócios”. Sim, é estranho, mas é a melhor forma possível que consigo pensar no momento para explicar. Continuando, John conhecia meu pai e foi amigo dele por muito tempo. Antes de morrer, meu pai pediu a Ranks que cuidasse de qualquer problema que eu tivesse futuramente.

John me ofereceu um emprego em seu negócio. Aparentemente, eu fiz faculdade de publicidade. Nunca imaginei isso. Trabalhei nos setores de propaganda e administração dos negócios dele.

– E esse tal de Josh? Quem era ele? – Perguntei.

– Josh “The Cutter”, como era mais conhecido. Ele trabalhava para negócios rivais, fazendo o trabalho sujo de muitos. Extorquia e matava de forma violenta, independente de quem fosse. Bastava um nome vindo dos chefões, e a pessoa desaparecia. Matou muitos inocentes, sem nenhum tipo de remorso.

– E o que rolou entre ele e eu?

– Foi quando os sintomas da minha doença começaram a aparecer. Eu não estava bem para comandar as coisas, portanto pedi a Leyan, nosso subchefe. Não sei o que ele estava pensando quando mandou você e mais alguns homens negociarem com Cutter. O resultado era de se esperar. Ouve um tiroteio, e na tentativa de se defender, você pegou uma arma e começou a atirar.

– Eu? Atirando contra mafiosos? Ah desculpe, “negociantes”.

– Tudo bem. Foi uma armadilha, Leyan preparou uma emboscada para vocês. Você não teve escolha. No meio do tiroteio, você acertou Cutter algumas vezes. Ele fugiu e veio para esse hospital, porém não resistiu.

– Você está dizendo que eu.... Não, não é possível!

– Você o matou, Adam, você foi o responsável por ele parar de fazer o trabalho sujo dos outros. Você fez... justiça!

– Não, isso é mentira! – Exclamei.

– Não negue, Adam! Não negue o que fez! Não negue quem você é! Seu pai sempre tentou negar, agora olhe onde ele terminou!

Antes que eu pudesse responder, alguém me empurrou para o lado e acabei caindo no chão. Era um homem vestindo preto, com roupas rasgadas, cabelo longo e uma faca de açougueiro em sua mão direita. Ele rosnava. Eu olhei em seus olhos e só pude me lembrar de um nome: Cutter. Antes que pudesse levantar, ele enfiou sua faca repetidas vezes no estômago de Ranks, fazendo com que sangue derramasse e manchasse todo o lençol da cama.

Após enfiar sua faca no peito de Ranks, acabando com sua vida e seu sofrimento, Cutter virou-se para mim, arrancou a faca do peito de John e a levantou para me acertar. Eu não ia morrer ali. Levantei rapidamente e segurei seu braço. Ele me empurrou para a parede, tentando me apunhalar no estômago. Segurei sua mão.

Ele era forte. Eu já estava ferido por causa da facada que levei daquele homem do caçador. Neste momento, lembrei que estava com meu revolver. Eu consegui fazer Cutter derrubar sua faca, porém ele não parou. Começou a me socar. Seus socos eram bem fortes. Eu não podia reagir. Estava quase acabado. Foi quando ele me jogou no chão para que pudesse pegar sua faca e acabar comigo de uma vez.

Encontrei forças, peguei o revólver e, quando ele havia acabado de pegar sua faca e se virar para mim, descarreguei a arma nele. Cutter se encostou na parede e foi lentamente escorregando até cair no chão. Chequei se ele realmente estava morto e vi que ele estava sem pulso. Ranks também, infelizmente...

Depois de ver Cutter, tudo veio à memória. Trabalhei para John por bastante tempo. Nessa ocasião mencionada, mandaram-me com outros quatro membros do “negócio” fazer um acordo com Cutter. Era uma emboscada, porém nós resistimos. Eu já havia atirado com uma arma antes, mas nunca em alguma pessoa. Não tive escolha.

Eu estava escondido, abaixado. Consegui chegar a um ponto onde eles não me viam. Estava perto de Josh, quase do lado. Eu não queria matar ninguém, mas ele não era inocente. Havia sangue de incocentes em suas mãos. Levantei de onde estava escondido e mirei em sua direção. Ele chegou a me ver apontando minha arma para ele, mas não teve tempo de reagir. Disparei seis vezes, mas como minha mira não era das melhores, apenas três tiros acertaram nele.

Não lembrei muito bem o que aconteceu depois, mas lembrei de algo curioso, digamos. A arma que eu estava carregando no dia da negociação, que foi a arma utilizada por mim para atirar em Cutter, era igualzinha ao revólver que eu encontrei no hotel e usei para atirar nele no hospital. No momento que lembrei de tudo isso, fiquei em choque, comecei a chorar, na verdade. Eu havia tirado a vida de uma pessoa e nem lembrava disso.

Depois de um tempo refletindo, saí do quarto. Uma coisa que percebi ao sair do quarto foi que a luz não apagou e o corpo de Ranks continuou lá. Curioso, não? Depois disso, voltei à entrada do hospital e lá encontrei Jester, que ficou feliz ao me ver.

– Adam, aonde você estava?!

– Aonde você estava? Procurei por todos os andares e não achei ninguém.

Tentei deixar oculto o que aconteceu comigo, achei que fosse melhor que não soubessem daquilo.

– Também não encontro ninguém do grupo, onde será que eles foram?

– Não faço ideia. O que aconteceu com você? – Perguntei.

– Eu acordei e estava sozinho. Por acaso você viu Meena por aí?

– Jester, eu não encontrei ninguém, por que o interesse nela?

– Nenhum motivo especial... – Respondeu timidamente.

– Vamos tentar procurar juntos.

– Adam, acho que alguém estava me seguindo faz um tempo.

– Acha?

– Eu ouvia uma forte respiração e às vezes o que parecia ser um animal rosnando.

– Quando isso?

– Agora há pouco...

Isso foi suficiente para fazer eu voltar para a UTI correndo.

– Adam, espere aí! – Gritou Jester, porém não adiantou.

Cheguei até a sala onde Ranks estava. A luz não estava mais acesa. Encostei na porta e apontei a lanterna para a cama de John. Seu corpo ainda estava lá e a cama continuava coberta de sangue. Isso foi um “alivio”, porém não durou muito. Apontei a lanterna para onde o corpo de Cutter deveria estar, porém, para melhorar a situação, ele não estava mais lá.

– O que aconteceu, Adam? – Perguntou Jester.

– Jester, meu caro, por favor me diga que você tem uma arma.


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