De dentro da escuridão escrita por HellFromHeaven


Capítulo 1
Esperança




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A quente brisa de verão soprava com dificuldade as folhas das árvores enquanto as Luas iluminavam aquela quente noite. Eram onze horas e nem mesmo o típico som dos insetos podia ser ouvido, deixando lugar apenas para o silêncio absoluto. Na verdade, o silêncio só não era total, pois eu, Hiro Quispiam, e mais alguns seres repulsivos vagávamos pelas ruas desertas da cidade em busca de comida. Movíamo-nos lentamente prestando atenção em tudo e, de vez em quando, deixávamos escapar um ou dois grunhidos grotescos involuntariamente.

Andamos por horas vasculhando rua a rua à procura de alguma alma viva. O cheiro da escuridão e da morte estava muito forte, o que fazia meu estômago se contrair com muita força. De repente, sorte grande. Senti um cheiro familiar e parei imediatamente. Depois, apenas concentrei todas as minhas forças na minha audição e esperei. Tudo estava a meu favor e o local onde me encontrava (um velho parque caindo aos pedaços) estava tão quieto que pude ouvir o pulsar acelerado de um coração. O som parecia estar vindo de trás de uma das árvores na extremidade do local e eu rapidamente avancei em direção a elas. Dei um forte soco em uma das árvores e a derrubei. Uma pessoa saiu correndo de trás de uma das outras e logo a persegui. Não demorou muito para meus companheiros se juntarem a mim e, pouco tempo depois, havíamos encurralado nossa vítima.

Era apenas uma pequena garota de aparentemente doze anos de idade com cabelos longos, negros e despenteados. Olhos também negros e muito magra. Provavelmente uma moradora de rua. Sua carne claramente não seria o suficiente para todos. O que me deixava mais nervoso e fazia meu estômago rugir. Ficamos apenas observando-a até nosso "mestre" chegar para nos conceder a permissão para comer. Isso levou alguns minutos e o desespero da garota tornava-se cada vez mais evidente.

Ele enfim chegou e, com ele, nossa apreensão atingiu seu ápice. Era um humano... Na verdade, algo que já foi humano um dia. Eu também me encaixaria nessa descrição, mas, ao contrário de mim, ele não se alimentava de carne humana. E sim de algum tipo de energia negra que sugava de nós. Seu corpo apresentava partes em um estado avançado de putrefação e possuía alguns membros remendados (o maldito "roubava" partes de outras pessoas e colocava nele). Seu cheiro... Nunca me esquecerei daquele odor podre e nojento. Era, no mínimo, insuportável. Seus olhos vermelhos e brilhantes com várias veias saltadas fitavam a vítima com malícia. Depois de analisá-la bem, deu um sinal com sua mão direita e a refeição estava servida.

Os gritos de dor e desespero daquela pobre alma quebraram o silêncio em conjunto com uma forte gargalhada daquele ser maldito. Só consegui dar algumas mordidas, pois, por questão "hierárquica", os mais velhos comiam primeiro e eu só tinha me juntado aquele grupo há poucos dias. Sem falar que... Por mais que aquele gosto fosse parecesse melhor do que tudo o que havia comido enquanto estava vivo, eu sentia um grande desprezo por mim mesmo ao comer. Afinal, era de carne humana que estávamos falando. Aquela situação não me agradava nem um pouco. E o pior: eu tinha sido forçado a entrar e não poderia mais sair.

Sentei em um canto e apenas fiquei observando os outros Mortos-Vivos roerem os ossos daquela garotinha. Minhas esperanças desapareciam mais e mais a cada segundo... Assim como a escuridão que eu sentia dentro de minha alma. Voltei meu rosto para cima e apreciei as duas belas Luas que me observavam do céu. Suspirei e voltei a olhar para meus companheiros. De repente, algo brilhante passou por eles numa velocidade incrível. Alguns segundos depois, as cabeças de dois deles que estavam enfileirados caíram e olhei instintivamente para meu "mestre". Ele cerrou os dentes com força, mas, antes que pudesse fazer algo, outros objetos brilhantes voaram em sua direção, cortando seu braço fora e perfurando o peito de um dos Mortos-Vivos. Todos se viraram para a direção de onde aquelas coisas estavam vindo, espantados. Avistamos uma garota vestindo uma camiseta preta sem mangas, uma longa saia branca com grande laço vermelho voltado para as costas na cintura. Possuía um longo cabelo castanho e olhos negros tão vazios quanto a alma do ser que a encarava furioso.

Ela segurava um pedaço de papel com alguns rabiscos que parecia ser grosso, pois permanecia estático mesmo apontado para cima. Meu "mestre" gritou com muita raiva e partiu para cima dela. Os meus companheiros fizeram o mesmo, mas eu permaneci ali parado. Como ele não tinha nos ordenado, eu não precisava obedecer. Ela estava distante e caminhava calmamente em nossa direção enquanto murmurava algo. Pouco antes de o primeiro Morto-Vivo alcançá-la, ele bateu contra... O nada e ficou paralisado. Logo uma luz apareceu e vários símbolos luminosos cercaram o corpo dele, desintegrando-o em instantes. O mesmo processo se repetiu com todos os outros que tentaram se aproximar dela. Enquanto isso, eu observava a cena boquiaberto.

Depois de algum tempo, só restaram a garota e meu "mestre". Ambos se encararam por alguns minutos. Podia sentir a raiva que emanava do corpo dele e, por mais que sua aparência (seu jeito, seu cheiro... tudo nele) fosse repulsivo e assustador (pelo menos para um humano comum), o olhar que aquela garota possuía ao encara-lo fez com que um arrepio percorresse minha espinha (algo que eu já não sentia há algum tempo e que imaginava já não ser mais possível). Ele fez o primeiro movimento e avançou contra ela enquanto concentrava uma espécie de massa de energia negra em seu braço. A garota permaneceu imóvel e continuou cochichando. Ao chegar próximo, o ser grotesco teve o mesmo destino que os outros: deu de cara com uma barreira invisível. Mas antes que os símbolos se materializassem, ele chocou a massa de energia contra a... "Parede", destruindo-a. Aquilo fez com que um largo e assustador sorriso surgisse em seu rosto, mas a garota continuou com seu olhar sério e sua expressão calma. Ainda restava alguma energia em sua mão, então ele fechou o punho e tentou socar sua adversária... Sem sucesso. Ela simplesmente se esquivou para a direita e cravou aquele pedaço de papel nas costas do infeliz. Ele caiu de joelhos e cuspiu sangue (que no caso, era preto). A garota juntou suas mãos e continuou cochichando. Pouco tempo depois, vários símbolos luminosos (maiores que os da "parede") apareceram em volta do infeliz e seu corpo foi pulverizado com um forte clarão. Coloquei as mãos na frente do rosto, pois a luz me incomodava.

Quando olhei novamente para frente, não havia mais ninguém e me sentia incrivelmente leve. Levantei e decidi ir até o local do clarão, mas senti uma brisa passando do meu lado e me virei. A misteriosa garota estava ali, a mais ou menos um metro de distância de mim e apontava um daqueles pedaços de papel para minha garganta. Mais um calafrio percorreu minha coluna e meu corpo simplesmente... Congelou. Não conseguia fazer nada. Ficamos daquele jeito por alguns minutos, até que ela resolveu falar:

- Por que não me atacou?

Pensei em responder, mas me lembrei de que desde que fui transformado em um Morto-Vivo, não podia pronunciar uma palavra sequer, então apenas a encarei.

- Vamos! O seu Necromante está morto. Já pode falar.

- C... C... Co... Como assim?

Fiquei surpreso. A maldita tinha razão. Isso me deixou muito aliviado, já que poderia tirar algumas dúvidas. É claro que, na medida do possível. Uma vez que a dificuldade envolvendo esse simples ato parecia ser imensa.

- Me responda droga!

- D... Desculpe-me. E... E... Eu não sabia que podia falar.

- Bem, isso é de se esperar. A maioria dos Mortos-Vivos morre antes de seu Necromante, então casos como o seu são raros. Aliás, falar que eles morrem é meio inadequado. Acho melhor falar que são “purificados”.

- Oh...

- Então... Por que não me atacou?

- E... Eu... Não fui ordenado. E... Então não tinha motivos.

Ela abaixou o pedaço de papel e se aproximou de mim. Deu algumas voltas ao meu redor enquanto eu tentava entender o que estava acontecendo.

- Err... O... Q... Que você está fazendo?

- Analisando. Faz pouco tempo que você morreu, não?

- Sim. U... Uns três dias.

- Interessante. Responda-me uma coisa.

- O... O... Quê?

- O que você acha da sua situação atual? Está conformado? Gosta de comer humanos?

- Eu... Eu... Odeio isso! Nunca quis matar ninguém... Te... Tenho nojo de mim, mas... Essa carne... Droga!

- Interessante... Responda-me mais uma coisa: o que você vai fazer agora?

- Co... Como assim?

- Bem, o Necromante que te controlava já era. Então tecnicamente você é um home... Um morto livre.

- Eu... Não tenho ideia.

- Imaginei... Agora você terá que se esconder nas sombras e se alimentar consciente, o que não deve ser nada agradável.

Ela estava certa. Pensei em todas as pessoas que havia matado e na sensação horrível que aquilo me proporcionou e levei minhas mãos à cabeça. Seria impossível fazer aquilo de livre e espontânea vontade. Não havia mais saída para mim.

- Eu... Não posso. Não... Serei capaz de fazer isso. Mate-me... Quer... Dizer... Purifique-me de uma vez.

Ela me encarou por alguns segundos e, depois, sorriu.

- Eu tenho uma ideia melhor. Responda-me uma última pergunta.

- Diga.

- O que você acha de se juntar a mim? Provavelmente seria útil.

- Mas... Comida...

- Fique tranquilo quanto a isso.

- Você... Não me diga que...

- Não! Eu não mato humanos, mas meu templo tem alguns animais e a carne do porco é bem parecida com a humana.

- Como... Você...

- Estudos. Ah! Se você vier comigo, poderei consertar parte de você.

- Quer dizer... Que eu...

- Não crie muitas expectativas. Você nunca voltará a ser um humano normal, mas posso melhorar um pouco sua situação. É claro que não farei isso logo de cara porque preciso preparar umas coisas antes... Mas é uma possibilidade.

- Entendo...

- E então? O que me diz?

- Mas... O que você quer dizer com... Te ajudar?

- Ah... Achei que você já soubesse o que está acontecendo.

Ela, então, apontou para os restos mortais da pequena moradora de rua que tínhamos acabado de comer. O rosto de terror e os gritos de desespero dela atingiram minha mente como se fosse uma bala, fazendo com que eu caísse de joelhos. Senti parte da escuridão dentro de mim se esvair e uma grande vontade de gritar. Controlei meus desejos e levantei novamente meu rosto com certa dificuldade. A garota continuava me encarando e sorriu novamente.

- É. Realmente parece que você tem salvação. Até perdeu um pouco de energia negativa.

- O... Quê?

-Ah, deixa quieto. Se vier comigo também lhe explicarei tudo. Enfim, eu quero que se junte a mim para evitar que coisas daquele tipo aconteçam. É claro que será perigoso e teremos que purificar seres como você no caminho, mas... Acho que é sua melhor opção.

- Oh...

- Vou perguntar mais uma vez. O que acha de se juntar a mim e caçar alguns trevosos?

- Eu... Eu... Topo!

- É assim que se fala.


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