O Amor Nunca Foi Tão Doce escrita por Tiago P Pereira


Capítulo 3
Capítulo 3




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Aqueles olhos escuros e que, de certa maneira pareciam severos, me fitavam de longe no rosto, me deixando desconcertada. Era apenas Castiel, que mais parecia querer me expulsar dali. Mas tudo o que eu queria mesmo era conversar com ele, e para que ele puxasse papo, no dia anterior personalizei uma jaqueta preta e velha, onde na parte de trás escrevi “Winged Skull” com uma tinta de tecido branca, aproveitando que na jaqueta já tinha um desenho de uma caveira com asas. Winged Skull é o nome da banda preferida dele, sequer existe, é apenas um nome inventado para o jogo.

“Que foi?”, manifestei, num tom severo.

“Que foi o quê?”, disse, de braços cruzados, porém, com um sorriso malicioso no rosto.

“Tá me olhando assim... que foi?”, sorri.

“Sua jaqueta. Conhece Winged Skull?”, ele chegou mais perto, e parecia mesmo a fim de conversar sobre minha jaqueta. Assenti com a cabeça. “Sério? Pensei que ninguém aqui conhecesse. E aí, que música tu curte deles?”

Música? Isso estava realmente fora de cogitação. Eu não tinha nenhum outro tipo de conhecimento daquela banda, a não ser o nome. Mas eu me lembrava de ter lido em algum lugar que aquela banda era do estilo grunge, o que deixava tudo mais fácil.

“Gosto das mais agitadas.”, concluí.

“Ah, sei. E olha que são poucas mesmo.”

A partir daquele momento, ficamos nos olhando sem assunto, eu não queria ir logo perguntando da vida dele e tudo, então, pra quebrar novamente o gelo, eu disse: “Me chamo Camila, e você?”

Ele parecia muito desinteressado em saber o meu nome e em dizer o seu, mas mesmo contra a sua vontade, ele disse mesmo assim. E depois que ele disse, perguntei se ele era o novato e em qual turma ele estava. Mas eu não estava preocupada em saber as respostas daquelas perguntas. E ao contrário do que eu estava acostumada, ele parecia simpático. Até que:

“De onde você é, Castiel?”, perguntei.

Demorou alguns segundos para responder, mas respondeu mesmo assim.

“Você é da polícia? Você é muito curiosa.”, ele respondeu.

Fiquei sem graça, mas ainda assim respondi, talvez ele poderia gostar de minha resposta.

“Talvez eu seja, seria um problema para você?”, retruquei.

“Talvez.”, ele sorriu.

Foi então que o sinal soou, e havia chegado a hora de irmos para a sala de aula, cada um.

Foi um diálogo interessante, quando se tem muitas opções, às vezes tudo fica mais fácil, e ele realmente parecia muito mais simpático do que no jogo. E de todas as conversas que eu, Larissa e Gustavo tivemos, todas tinham algo em comum: ninguém nos contava de onde vinham. Mas uma coisa era certa, eles todos sabiam a história dos personagens, suas personalidades, seus gostos e desgostos. Então claro que, se eles sabiam tudo isso, eles com certeza saberiam responder de onde vieram. O problema era que eles realmente não sabiam, e a primeira coisa que alguém sabe quando começa a jogar Amor Doce, é que a escola se chama “Sweet Amoris”. Eis então, um palpite: o meu desejo realmente se realizou. Os personagens de Amor Doce saíram de outra dimensão e vieram ao mundo real, e sequer se lembram de onde realmente vieram. O palpite mais maluco que alguém poderia dar, eu sei. Mas é a verdade, com certeza.

Primeira aula, de português. A professora passara o dever de escrevermos uma redação sobre Publicidade Infantil, um tema um tanto quanto fácil, quando se entende bem sobre o assunto e quando tem as palavras certas na ponta da língua para que possam ser utilizadas. E um pouco antes de o sinal tocar para a próxima aula, eu havia terminado. Tive os poucos erros de português corrigidos, porém, a professora parecia ter gostado da minha redação quando me parabenizou. Dado o toque, era aula de História. Estudávamos a Segunda Guerra Mundial, e aquela aula era a continuação. Não fizemos questões, o professor apenas explicou e leu. Mas consegui pegar alguma coisa, mesmo ele falando tão rápido. E no meio da aula fui surpreendida por um bilhete dado por Gustavo, e nele dizia “Quero falar com você depois, a sós.” Olhei para ele e sussurrei um “tá bom” como resposta.

Dada a hora do intervalo, eu pedi para Arthur e Larissa que me esperassem na sala de aula, pois precisava fazer algo importante. E esse “algo” era conversar com Gustavo. Eu o segui até o ginásio, que ficava no andar de baixo da escola.

Ele me esperava sentado na arquibancada, e parecia que estávamos sozinhos. Ele pediu que eu sentasse ao lado dele, e foi o que fiz.

Mil coisas se passaram pela minha cabeça naquele momento: o que ele queria, afinal? Talvez seja por eu quase dizer que ele era gay na frente de Arthur e Larissa? Sobre Ambre? Mas não, o que ele queria era outra coisa, ele queria conversar. Sempre olhando em frente, parecia preocupado com algo.

“Você é a única pra quem contei que sou gay.”

“E o que foi? Tá pensando em contar pra todo mundo de vez?”, indaguei.

“Não, só em contar pra você a verdade.” Apenas levantei as sobrancelhas, confusa. Perguntei que verdade era essa, mesmo tendo em mente uma possível resposta. “Eu menti, eu sou hétero.”

Agora fiquei confusa. Ele provavelmente teria mentido mesmo, ou estava apenas dizendo isso pois ele deve ter desconfiado que eu contei a verdade para Arthur e Larissa.

“Hã?”

“Ou talvez eu seja mesmo gay por ter te rejeitado.” Concluí que ele realmente havia mentido sobre sua sexualidade, pois ele acabara de admitir que havia me rejeitado por algum motivo. “E eu percebo que fui um bobo por ter dito aquilo. Talvez eu estava com medo.”

Medo? Medo de quê? Que eu fosse engoli-lo?

“Mas...”, antes que eu perguntasse, eu me surpreendi com a sua própria pergunta.

“Ainda tenho uma chance?”

Me senti contra a parede. Afinal, qual seria a minha resposta? Se eu respondesse “sim” poderíamos nos beijar ali, no momento, ou talvez ele pensaria que eu poderia ser uma “segunda opção” pra qualquer hora. E se eu o rejeitasse poderia ser um troco, ou eu nunca mais teria outra chance.

“Não sei...”, foi o que eu disse, e ele sorriu e voltou os seus olhos para mim.

“Como assim ‘não sei’?”, ele indagou, e senti seu rosto e sua respiração muito próximos de mim. Senti também que meu coração disparou, e senti que talvez ele pudesse ouvi-lo bater. Gelei, fiquei sem respostas. Mas poderia talvez agir. Poderia rejeitá-lo, o empurrando ou levantando. Ou simplesmente aceitar que ele me beijasse. Não era um bicho de sete cabeças, era tudo o que eu mais queria, e talvez era o que eu deveria mesmo fazer. Seus lábios estavam muito próximos, seus olhos já estavam fechados, e fiquei parada, esperando sua investida. E antes que ele pudesse fazer algo, no impulso, o empurrei. E bem na hora, os garotos do time da escola chegaram para treinar. E certamente eles haviam percebido que algo estava para acontecer, ou algo havia acontecido, e simplesmente começaram a gritar.

“Gustavo tá pegando a Camila? Oh, menino pegador, hein?!”, gritou um.

“Isso aí, Gustavo!”, exclamou outro.

Senti meu rosto queimar, provavelmente eu estava toda vermelha naquele momento. E quando um dos garotos jogou uma bola para Gustavo, ele jogou de volta com muita força, e quase acertou a cabeça de um deles. Gustavo então segurou em minha mão, e do ginásio saímos, de mãos dadas.

“Desculpa.”, disse ele.

“Não, tudo bem.”

“Será que posso...?”

“Tenho que ir.”, então saí, e fui até a sala de aula, onde deixei Arthur e Larissa me esperando. Os dois pareciam conversar sobre filmes, e quando me viram, perguntaram onde eu havia ido.

Contei tudo para eles, Arthur parecia enciumado, perguntado se eu queria mesmo beijar Gusta, ou se iria beijá-lo depois. “Sim!”, quanto à Larissa, ela estava preocupada em saber se eu estava triste pelo o que os garotos fizeram. Sim, eu estava, eles poderiam espalhar para a escola toda o que não havia acontecido de verdade, e eu poderia ficar mal falada, o que era tudo o que eu não queria que acontecesse, mesmo os boatos espalharem que fiquei apenas com Gustavo Borges. E tudo isso aumentaria ainda mais a fama de “pegador” do Gusta, o que mudaria nada para ele, já que isso é só questão de status para os garotos. De qualquer forma, conhecendo bem ele, você percebe que ele na verdade é uma ótima pessoa. E eu obviamente não teria problemas em beijá-lo, ou até mesmo, namorá-lo.

E eu, Arthur e Larissa ficamos ali, conversando, por um bom tempo, até que o sinal tocasse novamente. E quando tocou, Gustavo veio, dando boas novas de que havia conversado com Ambre e que havia a convidado para sair. Não me senti enciumada, fazia tudo parte do plano, apenas. E quando todos haviam entrado na sala, paramos de conversar e o professor de História entrou, já que era a aula dele novamente no terceiro horário, onde continuaríamos à estudar sobre a Segunda Guerra Mundial.

Antes da última aula, porém, houve uma queda de energia e acabamos sendo liberados mais cedo da escola. Foi então que aproveitei o tempinho que tinha para conversar com Nathaniel, que estava no comércio em frente à escola, esperando até a hora de ir para o ponto de ônibus. E enquanto isso, Gustavo conversava com Ambre.

Me sentei ao lado de Nathaniel, e parecendo familiarizado comigo, perguntou:

“Quem é aquele rapaz com quem Ambre tanto conversa?”

“Gustavo Borges? Estuda na mesma turma que a minha.”, respondi.

“Você o conhece bem?”

“Sim, conheço.”

“Ambre anda muito desligada ultimamente. Mal chegamos na escola e ela já está ‘apaixonada’. E esse cara surgiu assim de repente, então não deve ser uma boa pessoa.”

De certa forma ele estava certo. Eles chegaram fazia apenas um dia e Gustavo já estava em um rolo com Ambre. Mas é o que ele faz, “ficar”. Pelo o que eu me lembre, Gusta namorou sério duas vezes. O primeiro relacionamento durou um mês, já o segundo foi um recorde de três meses. O primeiro acabou porquê a garota descobriu que Gusta a traía com outra que mais tarde virou a segunda namorada. E este acabou porquê a segunda namorada o traía com outra mulher. E não, não era a primeira namorada dele.

“Sempre achei ele um cafajeste mesmo.”, falei.

“Foi o que a maioria das pessoas com que conversei disseram. Tentei avisar ela, mas ela não me ouviu. Ambre merece um cara melhor.”

Ambre é uma pessoa horrível, confesso. Mas toda garota merece um cara melhor do que Gustavo Borges. E foi aí que me a ficha caiu para mim também: todas merecessem, inclusive eu, que sempre fui apaixonada por seu sex appeal, a coisa que ele mais usava para conquistar alguém. Talvez beijá-lo naquele momento fosse mesmo algo ruim de se fazer. Mas Gustavo é uma pessoa boa. Mas as aparências costumam enganar às vezes.

“Sim, ela merece.”, eu disse em voz baixa, um pouco triste. De qualquer forma, ainda continuaria com o meu plano, embora eu já tenha a um bom tempo percebido que aquilo tudo talvez seja mesmo real, e que eu não estava ficando louca. E seria bom se fosse.

“Tá tudo bem?”

“Hã? Tá sim, não é nada demais. Bom, se ela não ouve, acho que ela deveria aprender com o seus próprios erros.”, cruzei as pernas e levantei a mão em direção à ela. Nathaniel me olhava com um sorriso no rosto, parecia de acordo com o que eu disse.

Nathaniel sem dúvidas era a única pessoa em que eu deveria confiar, além de Larissa e Arthur. E com ele eu poderia compartilhar tudo o que estava acontecendo e descobrir a verdade.

“Quando eu te perguntei de qual escola você havia vindo, você não me respondeu.”, olhei para ele em busca de respostas.

“Vim da capital. Meus pais vieram para Santo André pois temos alguns parentes aqui.”

“Capital? Então você é mesmo brasileiro?”

Fingia parecer confuso, então perguntou “Como assim?”.

“Nathaniel, Ambre disse que vocês vieram da França por intercâmbio.”

Nathaniel virou o rosto e bufou, mas ainda assim me respondeu, “Desculpa. Tá, vou falar a verdade. Confio em você.” Voltou seu rosto em minha direção novamente, e completou, “Eu não sei.”, balançando a cabeça. Inclinei minha cabeça sem entender, e ele havia percebido isso, e o que vinha a seguir poderia acabar de vez com todas as minhas dúvidas.

Ele arrumou sua posição na cadeira e continuou, “Eu não me lembro de nada do que aconteceu, eu só me lembro de estar em casa e o meu pai disse que eu teria que ir para a escola, só isso. Não lembro do que aconteceu antes, de nada. Me lembro de nada! Pensei que eu tivesse perdido a memória ou algo assim, mas eu ainda me lembrava de quem eu era, me lembrava dos meus pais e da minha irmã. Falei com ela sobre isso, e ela sente a mesma coisa. Sabemos quem somos, mas não totalmente. E agora estou perdido, sem rumo, sem saber como voltar ao passado. Não criar uma máquina do tempo, não. Só descobrir quem eu fui e de onde eu vim.”

“Poderia dizer que você é louco. Mas não é.”, eu falei. Se fosse uma brincadeira, iria entrar nela e falaria sobre o meu pedido. Eu poderia dizer isso, mas não. Na adrenalina do momento, acabei dizendo: “Vou te ajudar a recuperar o seu passado, Nathaniel.”

Foi um diálogo um pouco quanto estranho. Eu poderia acabar com isso logo, de uma vez por todas. Mas eu sempre quis que aquilo acontecesse, que tudo fosse real, que todos os garotos de “Amor Doce” existissem. E isso, de alguma forma, acabou trazendo Ambre e suas amigas também ao mundo real. E eu teria de agora em diante ajudá-los pouco à pouco a entender o que aconteceu, e ao mesmo tempo, ter uma chance de ser feliz com o monótipo clichê de galãs do entretenimento.


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