Quanto mais tempo se passa com alguém mais forte se torna o laço com a pessoa. Essa é a natureza humana.

— Sarada, está na hora de dormir. — Disse Sakura. A kunoichi acabara de abrir a porta do quarto de sua filha, que estava concentrada em algum tipo de jogo estratégico.

Sarada bufou, resmungando um “já vou, mãe”, não perdendo foco na atividade exercida. A jovem arrumou a armação na face enquanto analisava as técnicas do jogo de tabuleiro.

Sakura perdurou por longos segundos olhando a cena. O desafio interno entre entrar e guardar o jogo, ou deixa-la continuar até que o sono a batesse de modo que não mais pudesse permanecer acordada, era grande. No entanto, Sakura relutou com a mão na maçaneta da porta.

Certamente, se Sasuke-Kun estivesse por aqui, Sarada já estaria na cama. A pequena o obedece de tal forma...

Virando-se, Sakura pôs o pé direito um passo à frente, fechando a porta ao mesmo tempo. Contudo, desistiu da segunda alternativa, entrecruzando as pernas e voltando a abrir a porta, entrando no quarto – atraindo a atenção de Sarada, que interrompeu seus pensamentos focados no jogo e olhou para a mãe -, e parando bem em frente ao tabuleiro sobre o chão. Os braços cruzados ao peito e a face austera.

— Está na hora de dormir.

— Mas mãe-

— Está na hora de dormir, Sarada! — Pronunciou firme, esperando até que a mais jovem guardasse o jogo, rendendo-se as ordens da mãe.

É claro, Sarada fez tudo com um enorme bico na face, o que Sakura julgou ser fofo harmonizado com os óculos que a deixavam tão intelectual.

Porém, Sarada tinha que obedecê-la. Não que sua filha não a obedecesse; Sarada era uma criança obediente e fascinante, mas – em certas ocasiões – costumava a contrariar, o que deixava a ex-Haruno bastante irritadiça.

Esperou até que o jogo fosse guardado, observando cada gesto que a pequena exercia.

Era exatamente o pai quando mais novo. Quando contrariado, fazia as coisas com uma grande carranca, e Sakura sempre adorou aquela face ranzinza.

A iryonin lembrava-se de seus tempos na academia nitidamente. Lembrava-se da primeira vez que viu Sasuke-Kun e seu coração saltou no peito. Ela havia corrido desesperadamente para contar a novidade: estava apaixonada pelo futuro-shinobi.

As pontas de seus lábios crisparam num sorriso quase imperceptível.

— Que cara é essa, mamãe? — Sarada perguntou, analisando a face da mulher que costumara espelhar-se com grande orgulho, é claro.

Sakura estava olhando para um ponto no chão, alheia a tudo em sua volta.

Ouvindo o tom da voz de Sarada, Sakura desprendeu-se dos devaneios internos.

— Não é n-nada. — Respondeu, sentindo a ligeira queimação em suas bochechas.

— Estava aí parada com cara de paisagem.

— E-Estava? — Um tique cômico aflorava sua sobrancelha esquerda.

— Sim. — Sarada era realmente insistente.

— B-Bom, já que você finalmente guardou esse jogo, vá dormir. — Sakura titubeou. Ser pega em flagrante com a mesma cara de baka do Naruto era deprimente.

Sarada deu de ombros, desejando boa noite para sua mãe. Como de costume, Sakura beijou a testa de sua pequena antes de sair do quarto e deixa-la dormir.

O dia fora ótimo, e a noite para ser perfeita só precisava de Sasuke-Kun em casa. Sakura sabia que em breve seu marido chegaria e poderia dormir aconchegada nos braços do amado.

Quando mais nova, uma adolescente, imaginava-se casada com o Uchiha. Em todas as suas fantasias noturnas idealizava um Sasuke romântico, simplório, que a levaria no colo todas às noites para o quarto antes de dormirem. Entretanto, estar casada, na prática, era completamente diferente.

Sasuke era um homem vivido, que passara por diversas dificuldades e libertara-se de seus demônios a partir de sua jornada de redenção. Ele não era nenhum galanteador como os casais dos contos eróticos que Kakashi-Sensei costumava ler, tampouco o protagonista de um filme romântico.

Na verdade, Sasuke-Kun era Sasuke-Kun. Direto, imprevisível, protetor... E por isso e muitas outras coisas se apaixonou por ele do jeitinho que ele é.

Não precisava de um homem que a fizesse tudo que em suas mais profundas fantasias imaginou. Bastava ter ele, o ex-vingador, que por diversas vezes a salvou. Bastava saber que ele a amava tão quanto ela sempre o amou. Estar com ele mesmo depois de todas as feridas, de todos os obstáculos e todas as conquistas... Isso era real. O resto, Sakura classificava assim como a palavra: era resto!

Depois de realizar toda sua higiene, Sakura deitou-se sobre a cama de casal que partilhava com o marido. Ali, sob aquele edredom, por diversas vezes se amaram intensamente.

A mulher contemplava o teto como se no concreto algo lhe atraísse. Novamente a enxurrava de memórias lhe dominaram os pensamentos.

Suas vistas pesaram na medida em que os minutos avançavam, e Sakura estava a um pé do mundo utópico.

Como se algo irreal tirasse-a do adormecer, Sakura abriu os olhos, ouvindo uma grande explosão. Com seus reflexos rápidos, se atirou da cama, ignorando o traje de dormir.

Novamente outro estrondo perdurou na residência, fazendo com que o chão tremesse. Sakura se segurou à parede, deixando seus olhos se adaptarem ao breu do quarto.

No terceiro estrondo, seu corpo fora lançado a metros de distância, colidindo com o guarda-roupa, fazendo com que as peças de roupas caíssem sobre si. De joelhos no chão, a kunoichi usou as mãos em punhos para se apoiar e levantar.

Alguns pingos escarlate borravam o chão, e Sakura soube ser seu sangue.

Tudo aconteceu em segundos, porém, suficientes para alarmar a Uchiha, que sem pensar duas vezes correu na direção do quarto de sua filha.

Todavia, a quarta explosão fora de uma grande extensão, levando as chamas a consumirem toda a residência.

Sakura caiu, tendo o fogo queimando seu corpo esguio.

Em questão de segundos não mais existia a construção de dois andares da família Uchiha.

Do lado de fora, shinobis se aproximavam alarmados, juntando-se numa barreira Suiton: Suijinheki¹. As chamas eram intensas, o que dificultou em extinguir o fogo por completo.

Dentro da casa, sob uma barricada de escombros, Sakura tossiu sangue, amaldiçoando-se por seu ligeiro desatento.

Por um instante focou no chakra de Sarada, que se afastava cada vez mais.

A kunoichi havia sido gravemente ferida, no entanto, usando seu byakugou pôde curar-se instantaneamente. Aproveitando as circunstâncias, Sakura saiu de dentro da casa, passando por destroços do que um dia fora seu lar.

Seu corpo estava se curando, já não mais se podiam ver ferimentos externos e, em questão de segundos, os ferimentos internos cessaram plenamente.

O esgotamento de seu chakra era visível, porém ela ignorou esse detalhe e seguiu na direção do pouco que sentia do chakra de sua filha.

Avistou alguns shinobis tentando conter o fogo em sua residência e preferiu não perder tempo em chama-los, pois quem quer que tenha pegado Sarada estava se afastando consideravelmente.

Correu, aproximadamente, cerca de 2 km até alcançar o ninja patife que destruiu sua casa e sequestrou sua filha.

Seu coração se acentuou em seu peito ao avistar a pequena desacordada.

— Me devolva ela. — Gritou, sendo ignorada pelo shinobi, que continuou pulando sobre os galhos em direção aos limites da aldeia.

Sakura obrigou suas pernas a acelerarem, de modo que cada passo sobre os galhos deixava cravado sua pegada no tronco.

“Eu preciso alcançá-lo, preciso pegar Sarada de volta!”

Recitava diversas vezes internamente. Os dentes trincados e a face enrijecida deixava-a com a aparência anosa.

Numa fração de segundos, o shinobi patife colidiu com a perna direita no tronco frontal. Uma baliza perfeita. Ele rodopiou o corpo, lançando-se na direção de Sakura, e soltando o corpo de Sarada, que caiu no solo. O baque fora alto assim que o corpo da menina se chocou ao chão, e Sakura, ao avistar aquela cena sem poder fazer absolutamente nada, estremeceu, liberando um grito agudo.

A cena aconteceu extremamente rápida, de modo que Sakura mal vociferou e o próprio corpo fora lançado na direção contrária ao qual corria.

Sentiu suas costas colidirem com o tronco de uma árvore. Rangendo os dentes, se levantou num pulo e correu até sua pequena, que estava desmaiada ao chão.

— Sarada. — Chamou pela filha, liberando o chakra verde em suas pálidas mãos, curando qualquer dano interno.

Porém, com sua atenção focada em curar a filha, o shinobi oculto aproveitou para arrastá-la pelo cabelo e jogar seu corpo sobre o ombro, numa margem de cinco metros.

Repetidamente, sentiu o baque forte ao chocar-se ao chão. Levantou-se, mirando a silhueta através das sombras. O sujeito cercava o caminho que se estendia até Sarada.

— Quem é você? — Gritou, ignorando a ardência em suas costas e joelhos. O byakugou a curaria de qualquer forma. O que precisava fazer era chegar até sua menina e curá-la de todo mal. Tinha que proteger Sarada, tinha que mantê-la a salva de tudo e todos!

Num reflexo rápido, onde a luz do luar iluminou a face do ninja, Sakura pôde ver a enorme cicatriz que se estendia do olho esquerdo até a curvatura dos lábios. Seu olhar subiu até os olhos, divergindo lentamente assim que observou o padrão ondulado espalhado por todo o globo ocular com escleras de cor roxa clara e íris.

— Não pode ser... — Sussurrou. As pernas trêmulas e a face espantada.

O sujeito crispou os lábios. Um breve sorriso em escárnio.

Internamente, Sakura gritou por seu marido.

“Banshou Tein'in².”

O corpo de Sakura foi atraído instintivamente. Ainda que ela tivesse enrijecido as pernas de modo que não pudesse ser puxada, a atração fora inevitável. O sujeito a olhava diretamente, sua mão esquerda erguida em direção a kunoichi.

— Droga. — praguejou ela, sendo arrastada até próxima ao shinobi, que não demonstrara qualquer dificuldade.

Com o corpo diante o sequestrador, Sakura teve uma seringa injetada em seu pescoço. Todo seu corpo paralisou assim que o líquido invadiu seu sistema, e no instante seguinte nada mais fazia sentido.

Ecos, reflexos, temperaturas. Tudo fora tomado de si, substituindo pelo torpor e a retardação.

“Shinra Tensei³.”

Seu corpo fora repelido de forma bruta, lançado a metros de distância do misterioso shinobi. Todavia, a dormência não lhe deixou queixar-se da dor. Seu selo fora bloqueado, não podendo se autorregenerar.

Em sua mente só pôde clamar por sua filha... Incondicional.

X

Usando a técnica Hiraishin no jutsu*, Uzumaki Naruto, atual Hokage, se transportou até o filho, Boruto.

Boruto possuía a marcação, o que fez Naruto ser transportado imediatamente - após usar a técnica - para o local em que o menino estava.

A mata densa fê-lo cerrar os olhos para analisar o local. Todo o redor cercado pela floresta ofuscava a luz do luar. Naruto buscou pelo filho, encontrando-o ao chão - ao que pareceu - desmaiado.

Correu até o menino; agachando-se, levando dois dedos na direção do pescoço até a artéria carótida, soltando um longo suspiro ao constatar os sinais vitais do filho.

Assim que todo seu corpo relaxou, porém, seus olhos prenderam-se a cena diante de si.

Uchiha Sarada, também estava no local.

O loiro deixou o filho inconsciente ao chão, andando até a filha do amigo.

No entanto, fora interrompido por um ataque diferido. Seus olhos não encontraram de onde o ataque viera.

Em modo de ataque, o Nanadaime Hokage esperou por alguns minutos, não mais sendo atacado.

Seu instinto protetor fê-lo ficar próximo a Boruto.

Não mais presenciando o inimigo, pegou Boruto nos braços e andou até Sarada.

Porém, assim que se aproximou consideravelmente da jovem kunoichi, o pequeno corpo desapareceu diante seus olhos. Como um holograma.

— O que houve? — Perguntou a si mesmo, olhando para os lados.

Naruto pôde sentir o chakra delimitado da Sakura-Chan em frações de segundos.

Com o filho no colo, andou até o chakra afamado por si.

A surpresa do hokage fora nítida. Assim que avistou o corpo de Sakura ao chão, correu na direção da mulher, usando sua técnica para ajuda-la. Entretanto, usar sua técnica em Sakura não fizera quaisquer efeitos.

— Sakura-Chan, acorde! —Naruto a chamou por diversas vezes, não obtendo resultados.

O loiro perdera as contas dos minutos que passou tentando acordá-la sem sucesso, até que shinobis se aproximassem do local ao qual visivelmente fora travado uma pequena batalha.

— Hokage-Sama, o que aconteceu com eles? — Um de seus homens perguntou.

— Levem-na para o hospital. — Ordenou Naruto, seguindo com Boruto logo atrás dos shinobis que carregavam Sakura.

Boruto claramente estava bem, porém, Sakura-Chan...

E o que fora aquela imagem de Sarada ao chão?

Haviam tantas perguntas que Uzumaki Naruto se fez e não obteve respostas favoráveis.

Seguiram direto para o hospital, onde Boruto poderia ser examinado melhor.

Hinata, após avistar o marido chegando com o filhos nos braços, correu na direção deles. O desespero era nítido na face da mulher, que olhou para o corpo do filho desacordado.

— O que aconteceu com ele? Naruto-kun, o que houve com nosso filho?

— Hinata, ele está bem. — Garantiu Naruto, deixando o corpo do menino sobre a maca do quarto, onde Ino o examinou.

— Ino-San, ele está bem?

— Fique tranquila, Hinata. — tranquilizou Ino.

— Hinata, ele está bem, eu já o examinei. Deve ter sido apenas a pancada que o fez desmaiar.

Ainda que as palavras afirmassem que seu filho estava bem, Hinata queria vê-lo acordado. Seu interior maternal clamava para escutar a voz radiante de seu menino.

— Boruto... — Sussurrou, orando para que ele acordasse logo.

Do outro lado da porta em que Boruto era examinado, Sakura estava sobre a cama com Shizune examinando-a, procurando por quaisquer danos interiores. Após suas buscas, a iryonin chegou a uma fatídica conclusão: Uchiha Sakura havia sido envenenada.