Cenas Inéditas Feliko escrita por ALoka


Capítulo 26
Se beber, não brigue.


Notas iniciais do capítulo

Apenas mais uma cena, que aconteceu no período quando eles já planejavam a mudança e a abertura do novo restaurante na praia.



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Era tarde da noite quando Niko chegou, voltando do trabalho, e encontrou Félix sentado à mesa de jantar de sua casa. Não haveria nada de estranho nisso, não fosse a cena incomum que se desenhava à sua frente. Niko abriu olhos e boca em espanto enquanto se aproximava.

— Félix! O que... o que é isso?

— Calma, calma, Carneirinho. Não precisa ficar assustado com a minha presença. Mais uma vez eu não arrombei nenhuma janela, entrei com a cópia da chave que você me deu.

— Eu sei, Félix, mas não é isso...

— E também não se preocupe com as crianças, elas já estão dormindo. Adriana me ajudou nessa parte, ou eu a ajudei... enfim...

— Sim, amor, tudo bem mas é que...

— E é claro que eu comecei a fazer, isso que estou fazendo, só depois que elas foram deitar.

— Eu confio em você, Félix. Mas eu queria saber...

— E há uma razão para tudo isso que você está vendo aqui e eu vou já explicar, não precisa ficar me olhando com essa cara de carneiro em pânico!

— Venhamos e convenhamos, Félix. Não é todo dia que alguém chega em casa e encontra a sala parecendo uma adega!

E era isso. De fato, a sala de jantar e a sala de estar do Carneirinho pareciam uma adega, ou uma loja de bebidas. Haviam caixas de vinho e saquê espalhadas aqui e ali, algumas fechadas, outras abertas. Sobre a mesa havia uma considerável quantidade de garrafas de vinho de diferentes tipos, taças semi cheias, outras vazias e alguns poucos petiscos.

— O que significa tudo isso, senhor Félix Khoury?

— Eu vou já explicar, Carneirinho, mas antes... cadê?

— Cadê o que?

— Cade meu beijo?! Pelas contas do Rosário estou aqui fazendo um árduo trabalho, você chega e não me dá um beijo sequer? Eu devo ter salgado a Santa...

Niko o enterrompeu com um beijo, demorado. Depois sentou ao lado dele, que começou a explicar o que aconteceia ali.

Félix contou que havia feito uma pesquisa de preço, entre vinícolas nacionais e importadoras de vinho, para ver se conseguia aumentar a margem de lucro que o restaurante de Niko faturava com a venda de bebidas.

Uma das empresas, justamente a que ofereceu os melhores preços, enviou amostras para que Félix fizesse uma degustação comprovando a qualidade.

— Mandei entregar aqui, Niko. Primeiro porque é você quem vai pagar. Segundo porque eu precisava de espaço para fazer essa degustação, o escritorio do Gian é pequeno e o depósito menor ainda, e na minha casa não daria certo.

— Porque não?

— Carneirinho, pensa! Depois de tomar todo esse vinho e experimentar esse saquê, como eu poderia dirigir até aqui? E já estou bem alto, se é pra ficar alcoolizado que seja na sua companhia. E também pensei que, se sobrar alguma coisa, quero que fique aqui pra você, para nós. La em casa de Mami já tem uma adega cheia.

— Mas Félix... pelo que vejo, tem vinho demais nessa casa! Isso tudo na mesa é pra uma degustação, certo? E o resto é o que? Brinde?

Félix explicou que a empresa aproveitou e mandou logo uma quantidfade equivalente ao que seria o primeiro pedido deles. Além de algumas amostras de cortesia.

— Por isso essa quantidade enorme. Mandaram sem compromisso, mas pelo que eu já experimentei... está aprovado! Vamos ficar com tudo. Olha aqui, Niko, olha essa planilha. Dessa vez não superfaturei nenhum contrato!

Félix mostrou ao Carneirinho a estimativa de lucro do restaurante nos próximos meses com a troca de fornecedor. Oferecer os novos vinhos e saquê, de excelente qualidade e mais baratos, em lugar dos antigos, era um excelente negócio.

— E olha aqui a nova carta de vinhos que estou elaborando, com sugestões de como combinar o vinho certo com cada prato que o Gian oferece.

Em silêncio, sorrindo e piscando os olhinhos brilhantes, Niko observava tudo o que Félix mostrava para ele no laptop.

— E a parceria com esse fornecedor vai valer para a filial que abriremos lá na praia, Carneirinho! Já começamos no lucro.

Niko derreteu-se ainda mais enquanto Félix estava orgulhoso de si mesmo.

— Agora diga, eu sou ou não sou o Magnífico, hein?

— Eu sempre soube, amor. Sempre soube que você era a melhor pessoa para administrar nossos restaurantes.

Então a degustação, as planilhas e a nova carta de vinhos deram lugar aos beijos, abraços, carinhos mais atrevidos... até que foi ficando muito quente naquela sala.

— Niko, vamos terminar de beber esse vinho lá no seu quarto?

O Carneirinho concordou e levantou-se da mesa, mas só então reparou em algo que era realmente estranho.

— Félix, espera... essa roupa que você está vestindo... é uma roupa minha, não é?

— Sim, é claro que é, esqueceu? Aliás, Adriana me falou que você tem roupas guardadas de tamanhos diferentes... porque você sofre de efeito sanfona...

— Tá Félix, tá... – Niko ficou sem graça. Por um momento cogitou matar Adriana, mas pensou que não encontraria ninguem melhor do que ela para tomar conta tão bem dos meninos. - Esquece isso e me conta porque você está vestido assim?

— Por quê? Ora... porque... Niko, você já provou esse saque? Bebe, veja que delícia.

— Não, Félix. Prefiro tomar vinho la no quarto, mas me conta da roupa.

— Foi um pequeno acidente, Carneirinho, mas isso é outro assunto. Toma vinho então, prova, toma um gole. Você conhece a piada da mulher que morreu de vinho branco?

— Não, Félix... quero saber da roupa...

— Ela quase foi atropelada por um carro vermelho, mas desviou. Só que aí vinha o branco e páh! ... vinh o branco... entendeu?

Félix tentava fazer graça, insistia para que Niko bebesse e tentava distraí-lo como quem esconde alguma coisa. Isso fez com que o Carneirinho desconfiasse que havia algo que o companheiro não quissesse falar.

— Félix.

— Hã?

— Dá pra me contar sobre esse acidente?

— Não foi nada, Carneirinho...

— Félix...

— Eu só me sujei de vinho. Só isso.

— Só sujou, a ponto de precisar trocar a roupa toda?

— Porque me sujei dos pés à cabeça. Tive que entrar no chuveiro e a minha roupa Adriana jogou na máquina de lavar. Aí me deu essa pra vestir.

— Como foi que você se sujou tanto assim?

— É... pois é... então, várias garrafas cairam no chão, do meu lado. Espatifaram, quebraram, se estilhaçaram e páh! Foi vinho pra tudo que é lado. Me molhou inteiro. E os cacos de vidro... aff... Voou caco até lá onde Judas perdeu as botas. Ficou todo mundo apavorado pensando que eu havia me cortado... até porque eu estava vestindo branco, e fiquei ensopado de vermelho, começaram a dizer que podia ser sangue... Fiquei todo "vinhado", sem trocadilhos, ou com... foi o apocalipse!

— Minha Santa Virgem!

— Mas não sofri nenhum arranhão.

— Acho que preciso daquele saquê agora, Félix. Você podia ter se ferido gravemente... Ai, minha Santinha. Fico todo arrepiado só de imaginar.

Félix serviu a bebida, que Niko tomou em um gole só, e tentou desconversar. Disse que o acidente poderia ter sido grave, mas não foi. Então chamou para que fossem beber no quarto, pediu que Niko esquecesse a história ali. Mas o Carneirinho queria mais, queria saber mais.

— Que horrível Félix, me conta isso direito. – Niko bebeu outro gole grande de saquê.

— Eu estou bem, Carneirinho, é isso que importa. Esquece o resto.

— Não, Félix! Eu quero saber detalhes! Onde aconteceu, aqui na sala? Cadê? Não vejo nada sujo...

— Niko... você quer saber mesmo?

— Claro que quero!

— Pelas contas do Rosário... isso não vai acabar bem...

— Anda, Félix! Fala logo, porque já estou ficando mais nervoso.

— Tá... veja bem, foi lá fora. Do lado do caminhão... do caminhão que trouxe o vinho.

— O caminhão de entrega? E o que você fazia la fora?

— Bom, eles começaram a descarregar pra trazer aqui pra dentro... e eu fui até lá, eu fui ver... fui verificar... fiscalizar a entrega... enfim... fui olhar de perto.

— E por um acaso eles precisavam de ajuda?

— Não né, Niko... uns rapazes fortes, sarados... enfim... eu nem sei o que fui fazer lá... mas fui. E daí... daí foi isso. Caiu uma caixa e respingou tudo em mim.

Seguiu-se um período de silêncio. Félix arrumou um pouco a mesa, fechou e guardou seu laptop enquanto Niko serviu a si mesmo outra dose de saquê. Félix então quebrou o silêncio, enquanto pegava algumas garrafas de vinho semi cheias.

— Então, vamos ou não lá pra dentro terminar esse vinho aqui?

Niko bebeu de uma vez a dose da bebida e disparou:

— Falemos sinceramente, Félix! O senhor estava lá fora fiscalizando a entrega ou fiscalizando os entregadores sarados?

— Que isso, Niko? Vai fazer a geniosa ciumenta agora?

— Mas claro! Depois que você fez a abelhuda, a oferecida, o que você espera?

— Sinceramente, criatura! Eu fui lá fora porque estava...

— Estava querendo ver de perto os entregadores fortes e sarados...

— Não senhor! Eu estava empolgado! Empolgado com a entrega... e com a oportunidade de fazer um bom negócio... e de experimentar todo esse vinho e... e... enfim, eu lá tenho culpa que um entregador se animou com minha pessoa, se distraiu com meu sorriso e deixou cair uma caixa inteira de bebida lá de cima do caminhão?

— Ah, então você confessa! Félix, vai logo, fala tudo de uma vez! – Niko falou isso e tomou outro gole de saquê, dessa vez, direto da garrafa mesmo, e encarou o companheiro esperando uma explicação.

Tentando manter a calma, Félix contou que o caminhão chegou no fim da tarde, quando ele já estava lá esperando. A van que trazia Jayminho do curso de inglês ainda não havia chegado, ele estava sozinho com Adriana e Fabrício. Como estava ansioso e animado, não se conteve, nem esperou se aproximarem da casa e foi até lá fora com as notas verificar se estava tudo correto com a encomenda. No entanto, ele percebeu que um dos entregadores, o único magrinho da turma, sorria para ele mais do que o normal.

Em um dado momento, o tal entregador pediu que Félix se aproximasse da traseira do caminhão pois tinha algo para lhe mostrar.

— Eu não achei que ele fosse capaz de fazer nada ousado, então eu fui. E foi aí que a criatura tentou fazer a Barbie musculosa. Veio lá de dentro do baú carregando sozinho uma caixa enorme. Obviamente que a caixa era pesada demais pra ele... enfim... caiu, caiu como uma fruta madura cai do pé e se esborracha no chão.

Niko ouvia tudo calado, tomando um e outro gole de saquê. Félix continuava.

— E eu devo ter mesmo esquecido de servir vinho aos Apóstolos porque todos correram na minha direção gritando... “ele está sangrando!”, “chamem uma ambulânica!” A tal criatura magrela e exibida gritava “Eu matei ele! Eu matei!” ... olha... era uma cena dantesca... E embora não faltasse mais nada, me aparece Adriana correndo, abanando os braços e se esgoelando: “Seu Félix! Machucou, seu Félix!? Se cortou, seu Félix? Seu Félix!” Aff, meus ouvidos se cortaram mais do que se tivessem sido atingidos por cacos de vidro.

Niko começou a emocionar-se. Talvez pelo efeito da bebida, mas principalmente porque imaginar Félix se ferindo era demais para ele.

— Ai, Félix... você não se cortou mesmo?

— Niko, por milagre não.

— Jura Félix? Imagina se caísse no seu pé... sei lá, se um caco voasse e... ai, não quero nem pensar.

— Eu fiquei coberto de pedaços de vidro, ficaram presos na minha roupa, sabe? E foi aí que começaram a tirar... começaram a me despir e...

— Oi?

— Olha aqui, Carnerinho, não pense que eu achei bom. A uma altura dessas já tinha gente nas janelas das outras casas olhando tudo...

Niko voltou a ficar em silêncio e, automaticamente, quase sem perceber o que fazia, terminou de beber o resto de saquê da garrafa que tinha nas mãos, enquanto ouvia Félix prosseguir com a história.

— Eu não somente fiquei todo cor de vinho, como tinha pedaços de caco de vidro presos em minha roupa. Os rapazes estavam apavorados, se coloca na situação deles, Niko! Enfim... eles foram tirando os caquinhos, um deles tirou meu paletó, o outro abriu minha blusa...

Niko cerrou os olhos na direção de Félix.

— Não me olha com essa cara! Todos achavam que eu podia estar cortado, imagina a responsabilidade com o cliente. Enfim, o bofinho, que foi o culpado de tudo, veio abrindo meu cinto, quando eu vi já quase ficava só de cuecas ali...

As palavras de Félix soaram como uma bomba pro Carneirinho que estava quase chorando segundos atrás. Naquele momento o ciúmes falou mais forte e Niko não se conteve, partiu na direção do companheiro preparando-se para dar um tapa nele.

— Félix! Eu devia... devia te bater! – Só que, ao levantar um braço, perdeu o equilíbrio, quase caiu para trás. Félix o segurou a tempo. A mão de Niko, que ia dar o tapa, apenas tocou no braço dele sem força nenhuma.

— Você merece uns tapas... por ficar pelado... na frente desses homens... - Disse enrolando a língua.

— Carneirinho – Começou a rir de tão engraçado que Niko estava bêbado e ciumento. – Eu não fiquei pelado, criatura!

— Eles tiraram... sua roupa.. e você deixou...

— Foi tudo muito rápido, Niko... mas só fiquei sem camisa, a calça meio aberta, não completamente nu... a Adriana me salvou.

Félix contou que Adriana se meteu no meio de tudo, mandou que parassem, que era arriscado fazer aquilo assim, que a roupa devia ser retirada com mais cuidado e devagar, porque se houvesse mesmo um caco de vidro provocando um corte. seria pior.

— Adriana é mesmo um anjo...

— Ela me trouxe pra dentro e mandou que esperassem la fora, que eu ia tomar um banho e já voltava para conferir a mercadoria. E ainda gritou com eles: “seus salientes”.

— Não acredito! – Sob completo efeito do álcool, Niko já tinha chorado, tentado bater em Félix sem sucesso e agora prendia o riso.

— Carneirinho, você acredita que um deles se ofereceu para entrar e vir me ajudar no banheiro? Adriana chamou ele de abusado e disse que eu tenho um companheiro forte que luta Kung Fu!

Niko explodiu em uma gargalhada. Os dois riam.

— Kung Fu... essa Adriana...

Félix se deu conta que Niko estava totalmente alcoolizado e agora, após a preocupação com o acidente e a repentina raiva provocada pelos ciumes, ele apenas ria, ria de tudo.

— O boyzinho anoréxico então vinha com o vinho e derramou tudo... vinha com o vinho... é engraçado, o vinho vinha... Ah, se eu pego ele, ele vai ver o Kung Fu... Kungu fud..

— Niko! Chega, tá. Para.

Félix se esforçava para parecer sério mas era difícil. Ele estava também aliviado porque Niko, no fim das contas, estava rindo de tudo.

— Vamos Carneirinho, vamos que vou te dar um banho pra apagar esse fogo.

— Você me embebedou de propósito...

— Eu? Por um acaso eu coloquei à força a bebida nessa sua boquinha rosada? Anda, já pro quarto!

— Ui, que mandão! Félix, eu quero tomar o vinho agora. – Falou alto e rindo. – Leva o vinho, leva... veio o vinho, agora o vinho vai... o vinho, uvinha...

— Aff..Niko, segura em mim... vem...

— Félix, a piada do vinho! Desviou do tinto mas vinho branco e páh! - Gargalhou.

Caminharam até o quarto com Félix praticamente carregando Niko para que não caísse e chamando a atenção dele para o barulho.

— Shh! Vai acordar as crianças, criatura cacheada!

Depois do banho, e de tudo que aconteceu no banheiro, deitavam na cama no escuro esperando o sono chegar.
Niko já estava livre da bebedeira, pelo menos de boa parte dela.

— Félix.

— Diga.

— Confessa que você adorou os caras tirando sua roupa.

— Ah, Niko...

— Pode falar, eu sei que sim.

— Eu prefiro você tirando, Carneirinho, que nem você fez agora há pouco lá no banheiro, com aquele fogo todo do porre de saquê. Que volúpia era aquela, criatura!?

Eles se abraçaram e o silêncio se fez novamente. Por algum tempo, até ser interrompido de novo.

— Félix.

— Hã?

— Obrigado.

— Pelo que?

— Obrigado, de verdade.

— Pelo negócio das bebidas? Pelo lucro que você vai faturar?

— Não, seu bobo. Se bem que por isso também. Mas isso não é o mais importante.

— O que é então?

— Obrigado por ter tido sorte e estar inteiro, por nada de mau ter te acontecido. Não sei o que eu faria se você me faltasse, Félix.

— Ah, Niko... você ia conhecer outro cara, ou voltaria pra lacraia... quem sabe o mecânico da Márcia...

Félix não escapou de receber o tapa dessa vez, mesmo que de brincadeira.

— Seu bobo! Bobo...

Então eles se abraçaram mais forte.,

— Meu Carneirinho.

— Meu Félix.

E dessa vez o silêncio se fez, até de manhã.

...

Fim da cena.

...


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