Elementium - Volume 1 - A Ascensão escrita por Sophia Jackson


Capítulo 23
Clandestinos em Um Julgamento


Notas iniciais do capítulo

Olá Pessoas...
Bem, eu fiquei pensando e já que estou tendo esse tempinho antes do começo das aulas e depois provavelmente eu não vou ter muito tempo, eu resolvi escrever o máximo que eu puder agora, e já terminei esse capítulo que ficou bem grande na verdade kkkk. Então é isso, aproveitem ai e me desculpem pelos erros eu não corrigi... como sempre kkkk
Até lá embaixo.



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Pelo menos uma vez na vida todos passam por aquele momento onde algo impactante é dito fazendo com que todas as pessoas fiquem paralisadas. É exatamente esse isso que está acontecendo agora. Um silêncio ensurdecedor toma conta do lugar ou pode ser apenas eu que fechando meus ouvidos para qualquer som a minha volta.

Em questão de segundos (ou seriam minutos?), como se fosse ensaiado, todos voltam a si ao mesmo tempo e o caos se instala. Consigo registrar Rachel em uma discussão calorosa com Lili que, aparentemente está tentando impedi-la de chegar até Lira. A Fênix se mantem quieta em sua posição indefesa e se encolhe a cada grito de Matthew. O sangue escorrendo pelas roupas da garota só torna tudo mais estranho e ainda não consigo entender de onde veio a substância. Será mesmo possível que ela tenha feito mal a alguma coisa?

Quando estou prestes a dar um passo em sua direção percebo que ainda estou sendo segurada. Encaro Austin e ele também observa o lugar ao redor, mas ao contrário de mim, ele parece entender o que está acontecendo, na verdade, todos parecem entender. Sinto uma onda de raiva tomar conta do meu corpo. Por que diabos eles não me contam tudo de uma vez? Por que ficam escondendo detalhes que me fazem ficar confusa em inúmeros momentos? Não seria tão mais simples apenas me contarem tudo?

Me livro dos braços do garoto de forma bruta (falta de educação, meu Deus), seus olhos se fixam em mim, mas não quero começar um interrogatório agora, não é o momento nem o lugar certo. Antes que eu possa pensar em fazer qualquer coisa, um uivo alto corta o ar. Assim como eu, todos os alunos encaram o animal deitado sobre o chão, alheio dos acontecimentos. Ele se contorce novamente uivando, porém desta vez o uivo é acompanhado por um grito de agonia. A atenção cai mais uma vez sobre a shadow, ela se debate no colo de Blake, este tenta fazê-la acordar, mas não obtem sucesso.

   – Hospital! Agora! – Martin envolve a garota em uma nuvem de sombras – Senhor Adreotti, sabe o que fazer com Rox.

Blake assente e encara a amiga mais uma vez antes de correr até o animal sendo seguido por Valeri. Ambos tocam na criatura e desaparecem no segundo seguinte. Alguns alunos correm na direção do hospital, enquanto a grande maioria volta para o colégio e outros apenas ficam parados olhando a sua volta assustados. Eu faço parte desse último grupo.

   – Será que dá para o senhor parar de gritar igual um louco! – ouço a voz de Lili extremamente irritada e demoro alguns segundos para perceber que as palavras são direcionadas ao Argonel – Não vê que ela não está bem? Qual o seu problema?

   – Mais respeito quando falar comigo senhorita e essa garota merece ser punida...

   – Você não sabe o que aconteceu. Nenhum de nós sabe. – seus olhos se fixam em Rachel ainda sendo mantida afastada pela shark – Ela precisa ir para o hospital, temos que saber se ela está bem, não é só a Milena que precisa de cuidados médicos.

   – A Milena está morrendo! – Rachel encara a amiga com raiva.

   – E o que garante a você que a Lira também não? Você já ouviu falar no beneficio da dúvida? Eu não vou crucificar uma garota que eu conheço a anos só porque ela está coberta de sangue, não sem provas concretas que ela é culpada de alguma coisa. – ela respira fundo como se estivesse tentando se acalmar – Eu vou levá-la a enfermaria e não quero ninguém tentando atacá-la.

A última frase é claramente direcionada a lamp parada a sua costas. Argonel encara a shark como se ela fosse um animal que ele quisesse exterminar, mas a garota anda determinadamente até a amiga encolhida, ela a abraça gentilmente sem se importar com o estrago que o ato causa em suas roupas. Ela conduz a fênix abrigando-a em seus braços na direção do prédio da enfermaria. Rachel troca algumas palavras com o Pinguino, mas meus ouvidos não captam mais que alguns ruídos sem sentido.

   – Elas se conhecem a anos.

As palavras de Austin adentram minha mente sem aviso prévio e acabo levando um susto, por alguns minutos esqueci que ele estava ao meu lado. Encaro-o confusa e ele aponta para as duas garotas que se afastam abraçadas.

   – Lili conhece a Lira a anos, as duas praticamente cresceram juntas, frequentaram o primário aqui no centro juntas, os pais são amigos desde de sempre, ou pelo menos a mãe da Lira é amiga deles, já o idiota ali não posso confirmar. – ele indica o pai da garota com aparente raiva – Lili nunca vai  permitir que se vinguem da fênix.

   – E vai ter meu total apoio. – seus olhos me analisam surpreso e não deixo de me sentir um pouco irritada – O que esperava que eu fizesse? Não sou a favor de condenar uma pessoa sem provas.

   – O.K. – levanta os braços em sinal de rendição – É só que ela está em um posição bem ruim aqui. Ela está coberta de sangue, este que aparentemente pertence ao Rox. Rox está ferido, nem sabemos o quanto isso pode deixar sequelas na Milena e um detalhe muito importante... – ele enumera com os dedos o que me irrita mais ainda – A Lira é a única que estava perto do cão quando isso aconteceu.

   – Então aquilo era um cachorro? – ele assente, cruzo os braços irritada – E isso também faz parte da lista do que vocês não me contaram? Francamente, como eu vou pertencer a esse lugar se nunca me contam as coisas? Vocês só escondem informações e quando algo acontece como, por exemplo, isso, eu sou a única a não entender bulhufas do que significa. É muito difícil simplesmente falar?

   – Você não entende.

   – Esse é problema Austin, caso você não tenha percebido, tudo isso é confuso pra mim porque  toda vez que eu penso estar entendendo as coisas, uma avalanche de dúvidas cai sobre mim porque sempre me faltam detalhes para compreender as situações por culpa de vocês.

   – Se contássemos tudo de uma vez te deixaria pior ainda. – ele leva uma mão até os cabelo bagunçando-o ainda mais – Tudo isso é confuso Thais, até pra mim que estou aqui a mais tempo, você precisa assimilar uma coisa de cada vez, se jogarmos tudo nas suas costas não vai dar certo.

   – Tudo bem, não me explique tudo, mas quero pelo menos saber o que o cachorro tem a ver com a Milena.

   – Não posso explicar ainda, você tem que ver com os próprios olhos, apenas posso dizer que os dois tem uma ligação muito forte, por isso é perigoso ele estar ferido, se ele morrer o mesmo acontece com a Milena – encaro o chão absorvendo as palavras, isso é confuso, mas pelo menos é mais do que eu sabia antes – Thais, me responda uma coisa, você já sentiu com se existisse outra coisa dentro de você? Já teve a impressão que não está sozinha na sua cabeça?

Um calafrio sobe pelas minhas costas e encaro-o de olhos arregalados. Medo toma conta de mim. Como ele sabe? Ele não pode saber. Eu escondi isso a minha vida toda. Não, ele não deve estar falando dela, eu não devo estar interpretando as coisas direito, não é possível ele saber, nem mesmo meus pais sabiam da sua existência.

   – Você está bem? – sinto sua mão tocar meu ombro gentilmente, mas me afasto tentando recobrar a calma.

   – Claro, por que não estaria? – fecho os olhos e respiro profundamente – Eu não sei do que você está falando, me... Me refiro a primeira pergunta.

   – Certo. Talvez ainda não esteja na hora.

   – Na hora do que?

   – Nada. – ele responde rapidamente meio constrangido – Então, você está do lado da Lira?

   – Achei que tinha deixado óbvio.

   – Tudo bem, mas saiba que se entrar nessa guerra vai estar em desvantagem.

   – Que guerra? – um sorrisinho divertido perambula por seu rosto.

    – Praticamente ninguém vai ficar do lado dela. As pessoas aqui são muito unidas Thais e  se chegarem a conclusão de que ela é culpada, como já devem ter feito, a Lira vai estar na mira de comentários nada amigáveis. – ele explica calmamente e parece esperar um reação explosiva da minha parte – E devo dizer que alguns não fazem apenas ameaças.

   – Não importa, eu não vou mudar de opinião só porque as pessoas querem. – suspiro, estou cansada dessa conversa chata, olho a redor e noto que os outros dois que antes conversavam não se encontram mais no local – Olha, eu vou até a enfermaria ver como Lira está e depois vou até o hospital, só... não me siga.

Ele até tenta fazer uma objeção, mas acho que meu olhar é o bastante para ele entender que não quero sua companhia no momento. Austin assente e se dirige na direção do colégio, ando calmamente até o prédio branco da enfermaria. Ainda não vi nenhuma ala além da dos sharks e a dos fênix acaba me surpreendendo. Ao contrário da calmaria da minha ala, esta tem cores fortes e é um tanto intimidante. Ela tem o mesmo corredor central dos sharks dando acesso aos quartos e no final a sala ampla de cuidados básicos.

Me aproximo lentamente das cadeiras e focalizo Lira chorando em uma delas. Lili está agachada a sua frente com um pano úmido tirando o sangue de seu rosto.

   – Eu... Eu não... – Lira funga e tenta secar os olhos, mas acaba sujando mais ainda o rosto de vermelho – Eu não fiz nada... Lili...

   – Eu sei, não pense nem por um momento que acredito nas acusações sobre você. – ela passa o pano carinhosamente sobre os cabelos da amiga – Mas Lira, você tem que ser forte para poder se defender. Eu liguei para os meus pais, eles estão fazendo o possível para amenizar a situação, não se preocupe, vão dar um jeito.

   – Meu... Meu pai quer me... ver... – as palavras saem confusas entre os soluços – Ver no tri... tribunal Lili.

   – Mas você tem sua mãe ao seu lado. Ela não vai permitir que a garotinha dela seja vítima de uma injustiça, sabe disso.

A menina volta a chorar copiosamente e Lili torna a abraçá-la, acariciando lhe os cabelos ruivos. Analiso o lugar, não vejo nenhum enfermeiro na sala o que é estranho. As paredes tem quadros com pinturas abstratas em diferentes tons de vermelho. Todo o chão é coberto por um carpete bordo e mesmo com a aparência ameaçadora o lugar é realmente bonito.

Os soluços da fênix tomam meus ouvidos me fazendo encarar as duas novamente. Me aproximo calmamente e por um estranho momento me sinto cansada e desconfortável, pisco algumas vezes e consigo me equilibrar, sigo até as duas e toco gentilmente o ombro de Lili.

   – Oi Thais. – Lira se afasta bruscamente da shark e me encara aflita – Sinto muito, mas se você veio aqui para...

  – Vim ajudar. – ela assente ainda hesitante, me sento na cadeira ao lado de Lira, ainda me sinto um pouco tonta – Não acho que você é culpada, acredite, eu sei bem qual é a sensação de ser julgada por algo que não foi sua culpa.

   – Obri... Obrigada. – os olhos dourados da garota estão tomados pela vermelhidão e tenho vontade de confortá-la, mas nunca fui boa nisso.

Antes que eu diga mais alguma coisa, o barulho do elevador atrai nossa atenção. Assim que as portas se abrem vejo as roupas pretas. Ela caminha devagar até onde estamos, trazendo nos braços algo vermelho e seu olhar preocupado cai sobre Lira.

   – Oi, eu pensei que você ia gostar de tomar um banho, então a Jen me entregou algumas roupas para trazer pra você e também me pediu para avisar que está do seu lado. – percebo que os olhos azuis estão levemente avermelhados, ela esteve chorando – Eu não tenho lado O.K., as duas são minhas amigas, mas não vou escolher um lado até saber o que aconteceu.

Mari oferece as roupas para a fênix com um sorriso gentil. Lira assente ainda chorosa, pega as roupas e segue na direção de uma porta lateral que suponho ser o banheiro. Mari se senta pesadamente ao meu lado e Lili se joga no chão cansada.

   – Vão levá-la a julgamento. – a shark não parece feliz, seus olhos percorrem a sala furiosamente – Se eu pudesse matar aquele idiota, podem ter certeza que seria de uma forma lenta e dolorosa.

   – Seus pais vão estar lá Lili e a mãe dela também. Se ela é inocente não vai acontecer nada, sabe disso. – Mari prende o cabelo preto nervosa.

   – Eu sei, só tenho medo que ele faça alguma coisa para mudar o rumo do julgamento, não seria a primeira vez.

   – Você acha que ele faria isso com a própria filha? – encaro as duas, Lili está com raiva e Mari surpresa com a constatação da amiga. Meu raciocínio está lento por algum motivo e demoro a perceber que estão falando de Matthew.

   – Como se você não soubesse o que ele pensa sobre ela. – a shark bufa indignada e leva as mãos até a cabeça – Eu juro que se eu pudesse quebrar o pescoço dele com minhas próprias mãos eu não hesitaria.

   – Avisaram a Mun?

   – Acho que não e mesmo que tivessem avisado, ela está em Blackmornam, não faria diferença ela saber. – Mari suspira e encara a amiga deitada no chão – Me sinto tão impotente.

   – Você já fez o possível, avisou seus pais e eles vão dar o melhor deles para ajudá-la, se acalme. – Lili encara Mari com um sorriso, mas este logo some de seu rosto.

   – Você estava chorando.

   – Não. – Mari abaixa a cabeça como se quisesse esconder os olhos.

   – Não foi uma pergunta, eu te conheço Mccain. – Lili se senta e analisa a amiga cuidadosamente – Como a Milena está?

   – Lili...

   – Não é porque eu acredito que a Lira não fez nada que não me importo com a Milena, eu vi a situação do Rox. – Mari suspira e encara o teto – Como ela está?

   – Mal. – a shark prende a respiração com a resposta de Mari – Estavam fazendo exames quando sai. Os médicos não sabem o que aconteceu, Rox foi mutilado e pelo que disseram, envenenado também.

   – Envenenado? – Lili parece surpresa e assustada ao mesmo tempo.

   – Sim, o que me lembra que você precisa saber de uma coisa que pode complicar a Lira. – Mari encara a amiga insegura – O veneno é bem específico de uma espécie de... Bem, de dragão.

   - Não me diga que é do... – Mari assente mesmo sem Lili terminar.

   – Sim, o veneno é de um Shaublaster.

Lili esconde o rosto nas mãos e tenho quase certeza que está chorando. Ela balança a cabeça desesperadamente, Mari acaricia seus cabelos com carinho e consigo ver algumas lágrimas descerem por seu rosto.

   – Eles não podem... Não podem fazer isso.

   – Calma, vamos dar um jeito. – a shadow senta a sua frente e a aninha em seus braços.

Certo, eu estou contando tudo o que está acontecendo no cômodo o que pode fazê-los perguntar “E você Thais, o que está fazendo enquanto suas amigas se abraçam e choram no chão?”. Bem, eu tenho o orgulho de dizer que eu estou sentada em uma cadeira com a cabeça rodando, ouvindo os sons em segundo plano, com meu corpo formigando de um jeito muito estranho e sem entender nada ao meu redor.

O que está acontecendo comigo? Por que estou tão cansada? Por que meu corpo está quente como se eu estivesse com febre? E o mais importante, o que diabos é Shaubuster... blanster.. ou sei lá oque?

Sinto uma pontada na cabeça quando ouço o barulho da porta do banheiro sendo aberta. Mari e Lili se separam bruscamente, a shark tenta secar os olhos nas mangas da blusa enquanto Mari volta a cadeira como se nada tivesse acontecido. Lira entra na sala com os cabelos molhados, vestindo roupas novas, livre de todo o sangue antes presente em seu corpo, mas os olhos ainda derramam algumas lágrimas.

Ela anda até uma portinha perto da que saiu e joga suas roupas antigas. Depois de alguns segundos meus olhos registram a palavra “Lixo” na frente da portinha. A garota caminha até nós e eu juro que não sei se é coisa da minha cabeça mas fumaça começa a sair do seu cabelo.

“Meu Deus a menina está pegando fogo!” é meu único pensamento.

Isso me lembra aquela música sabe. 

É verdade, eu cantaria se não estivesse zonza.

Nesse caso, agradeço por não poder cantar.

Talvez eu consiga cantar na minha mente.

Não cante.

A imagem treme mais uma vez e demoro para perceber que seu cabelo agora está seco. Isso é realmente útil, bem que meus poderes podiam parar de queimar as coisas involuntariamente e começar a secar meu cabelo depois que tomo banho.

   – Eu quero ir  ao hospital. – Lili e Mari se encaram antes de responder Lira.

   – Não é uma boa ideia...

   – Não me importa o que as pessoas vão falar de mim, eu quero saber como está uma amiga e tenho todo o direito de visitá-la. – suas palavras são determinadas, deixando claro que não vai aceitar interferências.

   – Tudo bem. – Mari suspira cansada – Mas esteja preparada para o que está por vir.

Lira assente e seus olhos se fixam em mim, seu rosto está meio embaçado, mas consigo ver sua testa franzida e a expressão preocupada.

   – Ela está bem?

Sinto movimentos ao meu lado e consigo perceber que estou sendo observada. Tudo bem, eu sei que estou meio grogue, mas não estou tão mal assim, por que elas estão me encarando como se eu estivesse pegando fogo? Eu não estou pegando fogo não é?

   – Thais? – Mari segura meu pulso e arregala os olhos – Ela está quente. Muito quente.

Ai meu Deus! Eu estou pegando fogo mesmo! 

   – O que está acontecendo? – Lili se ajoelha ao lado de Mari.

   – Eu não sei. Thais, está me escutando?

Tento responder que só me sinto cansada, mas as palavras não saem e tenho quase certeza que dou um sorriso débil em resposta.

   – Pode ter algo a ver com o lugar. – Lira me analisa e depois encara uma das colunas que cercam a sala – Madame Dim.

Agora eu tenho certeza que eu estou louca. Uma fênix de pedra (que eu não tinha percebido que estava empoleirada sobre a  coluna como se segurasse o teto) voa até o chão se transformando em uma mulher durante o caminho. Loucura, eu disse. Como podem tirá-la de lá, o teto vai cair! Ninguém está vendo isso não?

Precisa rever suas prioridades.

O que?

   – Senhorita Argonel, o que está acontecendo? – a mulher/fênix anda devagar até onde estamos.

   – Ela não está bem e eu acho que tem algo a ver com a sala. – a mulher me encara e contenho um grito ao encarar seus olhos vermelhos.

   – Por que trouxeram uma condrow dominante da água aqui? Precisam levá-la embora imediatamente antes que seja drenada por completo.

   – Espera... Drenada? – Lili encara a mulher confusa.

   – Sim senhorita, o corpo dela está absorvendo a energia desta sala e tornando sua parte fênix mais forte, consequentemente o lado shark está perdendo força e sendo ela uma nativa do elemento vai morrer se ficar aqui. Andem logo, saiam.

Ao terminar de falar, uma luz ofuscante toma seu corpo e asas surgem, lentamente ela se torna uma fênix e retorna a seu posto como apoio de teto voltando a ser de pedra. Eu devo estar muito drogada. O que colocaram no meu café da manhã?

Sinto mãos agarrem meus braços e meu corpo sendo suspenso, as imagens são borrões e não consigo focalizar muito bem nada do que está ao meu redor. De repente param de me carregar e sinto algo frio embaixo de mim, então aquela dor familiar que vem quando o formigamento está passando toma conta do meu corpo me fazendo soltar um gemido e me contorcer no chão. Mas que diabos?

   – O QUE ACABOU DE ACONTECER? – minha voz sai em um grito – EU ESTOU LOUCA OU ACABEI DE VER UMA MULHER VIRAR UMA ESTÁTUA DE PEDRA? O QUE VOCÊS DERAM PRA MIM?

Encaro as três e elas trocam olhares antes de gargalharem, acabo não conseguindo resistir e me junto a elas. Caramba parecemos quatro doidas rolando na grama enquanto rimos igual alucinadas.

   – O que estão fazendo?

Ainda rindo, encaramos a lamp parada a nossa frente. Seco as lágrimas presentes nos meus olhos e levanto rápido fazendo minha visão sumir por alguns segundos. Lili se coloca em frente a Lira de forma protetora e Mari suspira como se soubesse o que está preste a acontecer.

   – Oi Rachel, se está aqui...

   – Só vim dizer que a Milena está acordada e quer falar com você. – a lamp aponta para Lira.

   – Por que? – Lili se mantém na mesma posição.

   – Eu não sei. – Rachel da de ombros e encara a shark – E meu irmão está te procurando.

Lili faz uma careta e me lembro das cenas de mais cedo na biblioteca, provavelmente ela não está muito empolgada com a ideia de ver ele.

   – Falo com ele depois. – Rachel a encara com tédio – Nós estávamos indo até o hospital de qualquer forma.

   – Esperem. – Rachel segura o pulso de Lili impedindo-a de andar e encara Lira – Não acho que você seja culpada, me desculpe pela forma como agi, mas tem que saber que a Valeri não analisa os fatos da mesma forma que eu.

   – Eu imaginei que ela não estaria muito feliz, mas eu juro que não fiz nada ao Rox. – Rachel assente e nos acompanha até o hospital.

Durante todo o caminho, Lira fica no meio como se estivéssemos escoltando-a o que seria bem engraçado de ver. A sala de espera do prédio está totalmente lotada de alunos e se não fosse por Rachel, Valeri teria feito um belo corte de cabelo em Lira com uma faca. A lamp e James carregaram a garota para fora enquanto ela esperneia. Lira segue uma enfermeira até o quarto de Milena e nós permanecemos na sala.

   – Você tomou um banho de grama ou o que? – os olhos do garoto encaram meu cabelo com um sorriso.

   – Engraçadinho. – levo minhas mãos até o cabelo constatando que ele está certo, realmente ele está cheio de grama – Está tão ruim assim?

   – Não. – ele sorri e tira minhas mãos da cabeça – Vem cá.

Devo ter feito uma cara muito estranha quando ele começa a tirar a grama dos fios porque ele solta um riso nervoso, mas continua com sua tarefa. Lili nos encara com um expressão meio incrédula e divertida ao mesmo tempo, ela cutuca Mari que está entretida com um botão do seu blazer. A shadow nos observa e sorri maliciosamente na minha direção me fazendo corar. Afasto as mãos de Austin gentilmente do meu cabelo, ele me encara confuso e envergonhado.

   – Não precisa fazer isso, eu não me importo com a grama.

   – Tudo bem, só queria ajudar. – ele se afasta meio desconfortável até alguns garotos no centro da sala.

   – Vocês são engraçados.

   – Por que? – Mari me observa pelo canto do olho.

   – Por nada Thais, por nada.

Minutos se passam e Lira não volta, cansadas de ficar em pé acabamos por nos juntar ao grupo onde Austin está e nos sentamos no chão. Na pequena rodinha estão Bryan, Luide, James H, Blake, Jack e Austin. Após algum tempo Mari acaba dormindo encostada em Jack, Bryan apenas fica encarando a parede com os pensamentos longe, Luide vai atrás de café na lanchonete, James H se junta a um grupo de meninas e começa a conversar com Key, uma garota coreana dos elétricks, ela não parece muito feliz com a proximidade do garoto. Austin está encostado na parede com o blazer atrás da cabeça e de olhos fechados, Lili faz desenhos aleatórios no chão e eu apenas observo debruçada sobre a mesinha de centro. 

Uma movimentação na porta que leva até os quartos chama minha atenção. Lira dá passos hesitantes até a sala, dou uma leve cotovelada em Lili, esta levanta rapidamente ao notar a fênix.

   – Então? – os olhos verdes da shark a analisam detalhadamente.

   – Ela e o Rox vão ficar bem. Vão receber alta na terça provavelmente, estão fracos, mas vão se recuperar. – as palavras são baixas e ela encara nervosamente a sala, quando percebe os olhares sobre ela, cochicha algo no ouvido de Lili e ela concorda.

   – Vamos voltar, você vem? – assinto e olho sugestivamente para Jack, ele pega Mari no colo e nos segue.

Ao perceber nossas intenções, Austin também nos acompanha. Andamos calmamente até o colégio e seguimos até a sala de estar, não sabemos o que vai acontecer agora, mas apenas nos sentamos nos sofás sem falar nada. Depois de alguns minutos, assuntos paralelos começam a surgir diminuindo a tensão do lugar, conforme a noite se aproxima, mais alunos vão se juntando a nós, alguns ainda olham zangados na direção de Lira, mas a maioria apenas se junta a conversa ou se focam em outras coisas.

O anúncio vem meia hora antes do jantar. Em qualquer outro dia eu provavelmente iria gostar das palavras ditas se não estivessem acompanhadas de algo preocupante.

“Atenção alunos. Todas as provas do dia quatro de outubro, sábado, serão canceladas por motivos militares. Tenham uma boa noite, atenciosamente, direção.”

   – O QUE?

   – E esse é o som de um Evans surtando.

   – Não use o nome da minha família para isso Clarck, esse som é característico do Max. – Rachel tenta fingir uma expressão irritada, mas sem rende gargalhando junto com todos.

Mesmo rindo, sei que a tentativa deles é amenizar a tensão que está no ar. Todos sabem quais são os “motivos militares”. Observo Lira no sofá a minha frente, seu corpo está tenso, os olhos vermelhos e um sorriso forçado se encontra em seu rosto, ela está abraçando os joelhos com força mostrando mais ainda seu nervosismo. A situação está ruim, mesmo eu que não estou aqui muito tempo e não entendo praticamente nada desse lugar, sei que está ruim.

Passos vindos do corredor a direita da sala chamam atenção dos alunos, interrompendo as risadas. O silêncio se estabelece completamente no cômodo assim que o homem adentra o lugar, várias pessoas engolem em seco e outras apresentam expressões de raiva. Ele ignora todos ao redor da fênix e fixa seus olhos cruéis na garota. Lira se encolhe mais contra as almofadas, talvez tentando sumir entre o estofado, infelizmente ela não é uma shadow.

   – Você não irá passar a noite aqui, me acompanhe.

   – Como assim ela não vai passar a noite aqui? Para onde vai levá-la? – Lili é a primeira a reagir as palavras do sujeito.

   – Isso não é da sua conta garota, fique onde está ou terá mais problemas do que já tem.

   – Está me ameaçando? – se fosse possível, Lili já teria fuzilado o homem com o olhar – Você não tem o direito de me ameaçar seu...

   – Lili! – Lira agarra o pulso da amiga chamando sua atenção, os olhos dourados amedrontados lhe encaram suplicantes – Lembre-se dos seus pais.

Lili faz menção de protestar, mas mesmo com raiva ela é capaz de notar que discutir não vai facilitar as coisas para Lira. A shark assente contrariada e assim como os outros, assiste a fênix ser levada da sala de forma bruta pelo próprio pai. Esse cara merece o prêmio de maior idiota do mundo.

   – O que fazemos agora? – Rachel ainda encara a porta por onde pai e filha passaram.

   – Nada.

A resposta vem do corredor à esquerda, todos os olhos são atraídos para o indivíduo. Mesmo estando longe, consigo ver seus olhos fundos, expressão abatida, o cabelo parece não ver um pente a muito tempo, as roupas sempre impecáveis agora amarrotadas como se ele não tivesse tido tempo nem de trocar as peças ultimamente. O homem anda cabisbaixo até o sofá mais próximo e se senta entre Marian e Luiza. As garotas o observam assustadas, ele não costuma demonstrar muito suas emoções, até eu sei disso.

   – Co... Como assim nada? – Lili pisca algumas vezes como se não tivesse certeza do que está vendo.

   – Não podemos fazer nada Lilian. – ele disse o primeiro nome? Algo muito errado está acontecendo aqui – Vou ao julgamento amanhã, sei que alguns pais vão estar lá e prometo fazer o possível para ajudar, mas vocês tem que me prometer que não vão tentar impedir esse evento, ela precisa comparecer ou a situação vai piorar. Me prometam que não tentarão impedir.

   – Como faríamos isso Martin?

   – Eu não sou idiota senhorita Gareth, sei muito mais do que imaginam e tenho noção do que são capazes quando estão com medo ou irritados. – não sei por que, mas ele me encara diretamente durante enquanto fala e desvio os olhos para Lili que se mantém estática.

   – Não tentaremos impedir, diretor. – as palavras vem de James.

Martin suspira aborrecido e observa a sala estudando cada um presente, olha carinhosamente para Lili e só agora percebo que algumas lágrimas escorrem por seu rosto. O diretor anda calmamente até a porta ainda de cabeça baixa e com as mãos nos bolsos. Antes de sumir pelo corredor  ele para e ainda de costas diz:

   – O julgamento em assembleia será as dez horas da manhã.

Nenhuma outra palavra interrompe o silêncio até o sinal do jantar. Durante a refeição, uma atmosfera de tristeza paira sobre os alunos, professores e funcionários. Ninguém parece realmente com fome e me surpreendo com o fato de todos estarem sendo solidários com Lira.

   – Eles não estavam odiando a Lira algumas horas atrás?

   – Milena falou com eles. No hospital. – Valeri olha de relance para Lili envergonhada e depois volta os olhos para mim – Ela disse que está bem. Ficou furiosa quando descobriu sobre o julgamento e tenho certeza que teria nos espancado se estivesse forte o bastante quando descobriu que estávamos descontando na Lira.

   – Agora sei qual das três pensa. – as palavras da shark estão carregadas de raiva, seus olhos verdes brilhando enquanto encara Valeri.

   – Lili...

   – Eu sei. Você se arrepende, já disse isso. – ela interrompe a shadow e se levanta – Até amanhã.

Não existem sorrisos nessa noite, nem piadas, somente o ar tenso sobre cada um. O silêncio permanece até o toque de recolher. Minha mente, mesmo no conforto do meu quarto não consegue se desligar, eu sei que não posso ter  dor de cabeça nesse mundo, mas o que estou sentindo é parecido e de acompanhante vem o sentimento de impotência. Eu quero poder fazer alguma coisa, mas é como se minhas mãos estivessem atadas e pela primeira vez desde que cheguei, me sinto fraca. Me sinto humana.

***

   – Eu não vou ficar aqui parada. – encaro-a com tédio, deve ser a décima vez que ela diz isso desde que nos encontramos no café – Nem adianta me olhar assim, se você não quer fazer nada, é problema seu.

   – Não estou te olhando assim porque quero que fique parada. – fecho o armário com calma – Estou te olhando assim porque só falou isso desde que nos encontramos, mas ainda não me disse qual é o plano.

   – Que plano? – encaro o garoto as costas de Lili, ele parece tão abatido quanto os outros ou mais que eles – O que estão tramando?

   – Nada Blake, não se preocupe, não vamos nos envolver. – os  olhos verdes da shark o analisam, seu rosto sem emoção alguma.

   – Estou decepcionado Lili, achei que ia me chamar para ajudar. – ele exibe um pequeno sorriso.

   – Ajudar em que? – olho por cima do ombro encontrando o violeta mais escuro que o normal – Vocês vão mesmo se meter nisso?

   – A pergunta é, como vão fazer isso? – Rachel observa o corredor e sussurra – Não é tão fácil invadir um julgamento.

   – Não se preocupe com isso. – Jack e Mari aparecem ao lado da lamp assustando-a.

   – O que quer dizer? – Blake indaga com os olhos fixos em Jack.

   – Infelizmente não posso compartilhar, mas tenho algo em mente. – o shadow encara os olhos da irmã meio inseguro – Eu gostaria que me ajudasse com isso.

Valeri analisa-o milimetricamente, troca olhares com Mari e as duas parecem ter uma conversa silenciosa. James analisa a cena abraçado com a namorada, ele não parece entender muito bem o significado da "conversa" das duas, mas não interrompe.

   – Conta comigo. – Jack suspira aliviado e sorri em agradecimento sendo correspondido pela irmã.

   – São nove horas agora, temos sessenta minutos para decidir o que fazer. – Lili parece aflita, suas mãos mexem descontroladamente no botões do blazer.

   – Ei gente, vocês...

Seja lá o que ele ia dizer, é interrompido por um belo encontrão com outro garoto. A cena se torna uma confusão de folhas de papel, roupas azuis e pretas. Austin levanta meio desnorteado e ajuda o outro garoto a ajuntar seus papéis.

   – Ei, Lex, você está bem cara?

   – Não e vocês também não deviam, nenhum dos shadows deviria estar bem James. – o garoto parece indignado ao perceber a confusão dos colegas – Vocês por acaso sabem que dia é hoje?

   – Dia quatro. – Mari diz meio incerta.

   – Isso mesmo, dia quatro, primeiro sábado de outubro...

   – Espera, hoje não faz um...

   – Um mês. – o garoto interrompe Blake que fica mais pálido que o normal – Agora se lembram?

   – Isso não é bom. Nada Bom. – James chacoalha Valeri que está estática.

    – Faz um mês de que? – Rachel parece compartilhar comigo a confusão.

   – De suspensão. – Lili solta uma risada ao observar as expressões dos amigos – Qual é galera, ela não é tão ruim assim.

   – Você é uma shark, não tem o direito de opinar. – Lili sorri mais ainda diante o olhar furioso de Valeri – Por que não expulsaram aquela doida?

   – Quanto amor Gareth.

Todos os shadows prendem a respiração ao mesmo tempo e Lex sai correndo desesperadamente pelo corredor no sentido oposto de onde vem a voz. Inclino a cabeça poucos centímetros para frente tentando encontrar a fonte de todo o desespero, mas não consigo ver nada assustador.

   – Sentiram minha falta?

Minha boca se abre e reprimo o “O QUE?” que está prestes a sair por ela. Seguro o riso junto com Lili. Não é possível que eles estejam com medo dela. Quer dizer, nunca avaliei as pessoas pela altura ou coisa assim, mas a garota a minha frente é simplesmente... uma garota normal (normal para os padrões de Wirdgewt pelo menos). Por que eles tem medo dela?

   – Como vai Ailish?

   – Estou ótima Lili. – a menina sorri radiante e me encara – Você eu não conheço.

   – Thais Windchest.

   – Prazer, Ailish Byrne. – ela sorri e a luz natural dos lamps parece deixar até mesmo seus dentes mais claros – Já que meus queridos amigos shadows não vão me dar oi, eu vou me divertir por ai, tenho outros amigos pra ver.

Ela acena e sai cantarolando pelo corredor. Toda vez que passa por um shadow ele desaparece ou corre o que me faz rir mais.

   – Olha, eu sei que shadows não curtem muito ficar perto de lamps, mas... o que tá rolando aqui?

   – Aquele demoniozinho solar... – Valeri observa os passos da garota ao longe – Deviam mandá-la para Luxvalle.

   – Mas ela é adorável, quer dizer... ela parece uma garota doce. – no segundo seguinte desejo não ter falado nada, os olhos violeta me encaram com raiva e ela dá passos lentos na minha direção enquanto fala.

   – Você já assistiu filmes de terror Thais? – não espera a resposta, seus olhos realmente me dão medo – Garotas que parecem adoráveis, em seus vestidos fofinhos e trancinhas engraçadinhas, pois é, sigá-as e descubra que o demônio as habita.

   – Tá legal, já chega, o que você anda assistindo Valeri? Pelo amor de Zeth! Ela é só uma garota de treze anos que está aprendendo a usar seus poderes. – Lili ainda reprime o riso, Valeri semicerra os olhos e volta para o lado do namorado.

Por um momento a tensão do ambiente é esquecida, mas vai voltando aos poucos quando as brincadeiras se encerram. O julgamento está próximo e eu ainda tenho a enorme vontade de fazer alguma coisa, mas como em noventa por cento do tempo que passo aqui, eu não sei o que fazer ou como fazer. Eu, por mais que não goste de admitir, ainda me sinto perdida, estou tentando fazer desse lugar meu lar, mas a cada minuto isso parece mais difícil. Se nós ao menos pudéssemos... Espera...

   – E se déssemos um jeito de ver o julgamento? – acabo pensando alto e eles me encaram confusos, mas um par de olhos verdes brilham de esperança.

   – É uma ótima ideia, mas como? – acabo de me arrepender mais uma vez de ter aberto a boca, como posso dar a ela uma esperança falsa

   – Eu... Eu não sei. – abaixo a cabeça e ouço-a suspirar.

   – Tem um jeito, mas é arriscado.

De quem veio a sentença? Eu já devia imaginar que o cara que me fez atravessar um muro deveria saber um jeito de se infiltrar no tribunal. Todos os olhos se fixam nele fazendo-o ficar um pouco desconfortável, um sorriso nervoso toma conta do seu rosto e ele me encara.

   – Tem uma passagem pouco conhecida no prédio do governo que leva até algumas sala e uma delas é o tribunal. – meche os cabelos nervosamente e olha ao redor antes de continuar – Mas se nos pegarem podemos acabar piorando as coisas.

   – Não me importo, eu preciso saber que aquele idiota vai deixar ela ter um julgamento justo. – Lili cerra os pulsos e um novo brilho toma seus olhos, raiva – Me leve até lá.

   – Tudo bem, eu levo. – Austin analisa os amigos talvez procurando alguma objeção – Mas o corredor é pequeno, no máximo quatro pessoas, mais que isso vai chamar atenção.

   – Eu quero ir. – Mari finalmente se pronuncia e fica ao lado de Lilian.

   – Eu vou estar com Jack no “plano”. – Valeri sorri marotamente.

   – Eu vou visitar a Milena com a Rachel.

Blake ainda parece abatido e suas palavras saem meio arrastadas de forma robótica. Ele está sofrendo, isso é óbvio e começo a pensar no quanto Milena é importante para ele. Uma vez perguntei sobre isso para Valeri e ela me disse que tem muito mais do que eu imagino nessa história. Sorrio com a ideia.

   – Thais? – sou trazida a realidade por Mari, ela tem um sorriso divertido no rosto – Você ouviu o que eu disse?

   – Ah...

   – Eu perguntei se você quer ir. – ela sorri mais e sinto minhas bochechas ficando quentes, eu preciso parar de fazer isso.

   – Claro, se ninguém mais quiser ir. – observo as pessoas ao meu redor e ninguém se pronuncia – Tudo bem.

   – Então vamos, já são nove e meia.

Jogo meus materiais no armário e sigo Lili até as escadas. Andamos rapidamente, ou tentamos porque estamos indo contra o fluxo de alunos já que a aula de combate extensa começa em poucos minutos. Nosso horário de hoje foi adaptado para ser um dia de combate, os professores organizaram os horários que teríamos de prova de forma que agora alternaríamos entre pugnalogia e combate prático. Comparecemos ao primeiro horário do teórico, mas estamos prestes a matar alguns períodos de aula. Isso não vai acabar bem. Finalmente chegamos ao campus e conseguimos nos mover mais facilmente na direção do portão.

   – Essa é a ideia de vocês? – paramos e encaramos Blake, ele revira os olhos e aponta para os guardas – Vocês querem passar por eles no horário de aula? Vão dizer o que?

   – Eu não pensei nisso. – Austin encara os portões envergonhado.

   – Eu percebi. – Blake suspira e indica um canto mais afastado do campus – Vocês, me ajudem, vamos ter que levar todos pra fora.

   – Eu vou ficar. – Valeri encara James confusa e ele sorri carinhosamente – Alguém tem que estar aqui para dar cobertura a vocês.

   – Tudo bem, mas se ver que isso vai prejudicar você não se intrometa, deixe por nossa conta. – os olhos violeta de Valeri encaram o shadow sérios, ele assente ainda sorrindo – Prometa.

   – Eu prometo. – James  deposita um beijo em sua testa – Tomem cuidado.

Ele se afasta no momento em que os shadows presentes fazem um círculo a nossa volta e dão as mãos, no momento seguinte nos encontramos em frente ao prédio do governo. Mari se apoia em Jack a procura de equilíbrio, ela realmente não se dá muito bem com isso. Valeri encara a construção a sua frente inexpressiva, mas quando encontra os olhos do irmão vários sentimentos passam por seu rosto. Jack parece apreensivo e eu ainda não entendo o porque dele se manter tão afastado do prédio, é como se tivesse algo atrás das portas capaz de fazê-lo sair correndo.

   – Você tem certeza disso? – Valeri pergunta cautelosamente ao irmão.

   – Se você estiver comigo. – eles se encaram por um rápido momento e os olhos violeta contém um carinho surpreendente.

   – Sempre.

Os dois sorriem brevemente, mas voltam a ficar sérios ao encararem a porta. Mari acaricia os cabelos de Jack aparentemente tentando acalmá-lo, depois pisca para Valeri e se junta a Lili que analisa todo o terreno a nossa volta.

   – Nós vamos por aqui. – Valeri aponta para a porta de entrada do prédio – tentem não chamar atenção, lembrem-se, não queremos piorar as coisas.

   – E não importa o que aconteça, não entrem no tribunal. – o tom usado por Jack deixa claro que isso não é uma opção.

   – Vamos até o hospital, nos vemos depois.

Blake e Rachel seguem em direção a grande construção branca do outro lado da praça. Assim que os Gareth entram no prédio, seguimos até a lateral edifício. Austin vai na frente analisando a parede em busca de alguma coisa e quando encontra um sorriso se expande em seu rosto. Ele tira algo do bolso que não consigo identificar, coloca o objeto circular e brilhante em um pequeno buraco na parede, um ruído sai de trás dos tijolos e uma porta se abra revelando uma escadaria.

   – É impressão minha ou você acabou de pagar uma porta? – os olhos azuis de Mari parecem confusos, mas Lili cruza os braços e encara o garoto irritada.

   – Quando foi que começou a se envolver com mercenários?

   – Mercenários? De onde tirou isso Lili? – o shark pergunta com indignação, mas um sorrisinho lhe entrega.

   – Conheço muito bem a marca dos Randorf, Clarck. Meus pais prenderam oito deles no mês passado e agora descubro que você vem fazendo negócios com os criminosos. – os olhos verdes transbordam desprezo – Eu não vou usar um passagem administrada por um Randorf.

   – Acredite eles também não gostariam de saber que você está aqui, mas é o único jeito de ver o julgamento sem nos descobrirem e... – ele anda calmamente até a garota e segura seus ombros sorrindo – Não faço negócios com eles, apenas um cara que eu conhecia no colégio se juntou ao grupo a pouco tempo e por acaso me contou sobre a passagem, mas não, eu não tenho ligação com eles.

A garota afasta suas mãos agressivamente e o encara por alguns segundos inexpressiva. Mari troca olhares comigo, mas assim como ela eu não faço ideia do que está acontecendo exatamente. Quero dizer, eu tenho a noção do que são mercenários e também que a Lili é filha de membros do governo, mas não imaginava que existiam esses tipos de pessoas aqui e muito menos sabia da comunicação de Austin com eles ou de que forma ele usa ela.

Repentinamente o rosto de Lili assume uma expressão irritada e ela empurra Austin até a parede o prensando ali, seus olhos faíscam e por um momento tenho quase certeza de que eles se tornam amarelos parecidos com os de algum animal. Pisco para ter certeza do que estou vendo, mas apenas encontro o verde de sempre, só que agora estão escuros por conta da raiva.

   – Está bem, vou apenas porque não tenho outra escolha, mas vamos conversar sobre isso depois. – Austin volta a respirar quando ela retira o braço de sua garganta, Lili respira fundo e só agora reparo nas veias de seus braços, lentamente elas voltam ao normal, deixando de serem azuis e a garota segue até a porta puxando Austin pelo braço – Vamos logo, antes que eu mude de ideia.

Mari e eu corremos para dentro pouco antes da passagem se fechar. Assim como Austin avisou, o corredor é estreito, mas ele se esqueceu de dizer que é difícil respirar e que o cheiro é horrível. Demora apenas alguns segundos para o odor de mofo chegar até meu nariz e me preparo para a crise de espirros que estranhamente não se inicia. Primeiro o perfume da minha mãe não me afeta, agora o cheiro que normalmente me fazia espirrar até minha cabeça quase estar explodindo, não me faz nada. Isso é estranho.

Para de ser idiota, você pode não vai ter essas coisas aqui, já te disseram isso.

Nossa... Eu quase senti sua falta.

Eu sei que sou demais.

Eu disse quase, agora cala a boca.

Cala você.

Eu juro que se você...

Meus pensamentos são interrompidos quando minha cabeça acerta as costas de Mari. Levo as mãos ao nariz checando se está tudo bem com ele enquanto Mari pragueja baixinho massageando as costas.

   – Caramba isso dói!

   – Se você estivesse prestando atenção isso não teria acontecido. – a shadow me encara acusadoramente e sinto minhas bochechas esquentarem.

   – Será que vocês podem fazer menos barulho? – Austin nos observa risonho e aponta para a parede a nossa esquerda – Chegamos.

   – Estou vendo só uma parede. – Mari encara os tijolos e então seu rosto assume uma expressão de entendimento, ela encara Austin hesitante –Espera, você não quer que eu...?

   – Vamos lá Mari, você é boa nisso. – ele pede carinhosamente e ela balança a cabeça assustada.

   – Não, Austin, eu consegui fazer isso algumas vezes, mas não quer dizer  que vou conseguir agora, além de eu não ter certeza de que tenho forças o bastante pra fazer isso.

   – Se eu estiver certo, esse é o lugar dos juízes shadows, você vai receber energia deles e não vai ficar cansada. – Mari encara a parede indecisa – Precisamos de você Mari.

   – Você armou isso desde de o início não é? – ela o encara profundamente e seus olhos azuis se tornam mais escuros.

   – Você facilitou as coisas vindo por vontade própria. – o garoto da de ombros, mas consigo identificar um pouco de medo em seus olhos.

   – Você não precisa fazer isso se não quiser Mari. – Lili, que até então só estava observando, encara a amiga solidariamente. Mari suspira e fica de frente para a parede.

   – Agora que já estamos aqui. – ela fecha os olhos e cerra os punhos – Austin, para o seu próprio bem, é melhor que esteja certo.

Ela se senta sobre a escada e percebo que começa a flutuar alguns centímetros acima do chão. O corredor fica mais escuro e as lâmpadas sobre nossas cabeças se apagam, agora poucos raios de luz vindos de algumas frestas na parede iluminam o lugar, mas mesmo assim é praticamente impossível ver mais do que sombras. Um calafrio sobe pela minha espinha. Odeio escuro. Sempre odiei. O escuro me faz lembrar os pesadelos e os pesadelos me fazem lembrar dela. Não, de jeito nenhum! Eu não vou... O que?

Não consigo segurar o grito preso em minha garganta quando encaro as formas a minha frente. Olhos brilhantes me encaram e tento me afastar quando um estende uma mão em minha direção, mas acabo escorregando e caindo sentada.

   – Thais? Você está bem?

Grito novamente quando ouço sua voz, é a voz da Lili, mas não é a Lili. A coisa se assusta com o som e se afasta. A outro forma humanoide ao seu lado me direciona seus olhos brilhantes, parecem pequenos faróis. Grito mais uma vez quando tenta se aproximar.

   – O que está acontecendo? Eu não consigo me concentrar com todo esse barulho.

Escuto a voz de Mari e olho em sua direção encontrando outro humanoide, este não possui os olhos dos demais, mas somente sua presença é o bastante para me fazer soltar um som estrangulado da garganta. Me encosto na parede o mais afastada possível deles. O que diabos está acontecendo?

Você quer fazer o favor calar a boca, eu estou tentando te ajudar.

Ajudar é? Então ache um meio de resolver o que está acontecendo.

Então você prefere ficar no escuro?

Como assim?

A visão em infravermelho está permitindo que você enxergue, mas se preferir ficar no escuro sem problema.

Espera ai... Eu posso ver em infravermelho?

Não. Eu posso ver em infravermelho, mas como minhas habilidades são unidas as suas quando habitamos o mesmo corpo, você pode utilizá-la.

Como assim “habitamos o mesmo corpo”? Você não disse que era eu?

Eu sou, mas também não sou.

O que?

Eu moro na sua cabeça e tenho estado aqui a sua vida toda, só que agora pode me ouvir com clareza. Você ainda não me conhece , mas me conhecerá em breve.

Quando?

Estaria me conhecendo agora se não estivesse matando o segundo horário.

 Quem é você?

Ainda não tenho um nome, isso cabe a você decidir, mas que fique claro que se me chamar por um nome idiota vou te deixar com dor de cabeça.

Eu não posso ter dor de cabeça.

Não duvide.

Então você não é minha consciência?

Sou muito mais do apenas sua consciência, sou parte de você. Você não sobrevive sem mim da mesma forma que eu morreria sem você. Sua alma está ligada a minha.

Não me lembro de ter feito nenhum pacto ou coisa parecida pra ter minha alma ligada com a de alguém.

Não é uma escolha sua, nem minha.

Então de...

   – Ela desmaiou? – uma voz adentra meus ouvidos me trazendo de volta a realidade.

   – Não sei. Thais?

Se gritar de novo, eu mesma vou te bater.

O que são essas coisas?

Pessoas.

De onde elas vieram?

De acordo com a biologia, a espécie de vocês é gerada através da combinação de material genético...

Eu estou falando sério!

Eu também, é isso que a biologia diz.

Eu sei de onde as pessoas vem, mas não conheço essas, eu estava com meus amigos. Como vim parar aqui?

Você continua no mesmo lugar, idiota.

Não, eu estava no prédio do governo com o Austin, a Lili e a Mari, não em algum lugar com formas humanoides esquisitas.

Você sabe por acaso como funciona a visão infravermelho?

Sim, com ela é possível ver qualquer corpo vivo que tenha temperatura acima do zero absoluto.

Exatamente.

Mas o que isso tem a ver?

Você está vendo em infravermelho o que significa que pode ver o calor das coisas.

Então essas formas humanoides são...

Os seus amigos sua anta.

Por que não falou isso logo?

Santo Zeth! O que eu fiz para merecer isso?

O que você...

   – O que vai fazer? – novamente sou tirada da minha conversa interior por uma voz que reconheço com a de Austin.

   – Improvisar. – Lili responde, ou pelo menos a forma humanoide que representa ela, seus olhos brilhantes me encaram e sinto algo fincar em meu braço.

   – Ai! – bato em sua mão percebendo que foram suas unhas que causaram a dor – O que você está fazendo?

   – Até que enfim reagiu.

   – Não vou pedir mais uma vez, calem a boca.

Olho novamente na direção de Mari tentando me acostumar com o novo modo de enxergar. Ver em infravermelho e bem esquisito e confuso, mas definitivamente é interessante. Me movo lentamente até o lado de Mari e me surpreendo com a facilidade que tenho em andar no escuro, de alguma forma tenho noção de tudo que está a minha volta, como se alguns dos meus sentidos estivessem mais apurados que o normal.

De nada.

Ah. Você ainda está ai.

É claro que eu estou, quem você acha que está te ajudando a se localizar?

Nesse caso. Obrigada.

   – Acha que ela vai conseguir? – ouço Lili sussurrar.

   – Tenho certeza.

Austin parece confiante quanto a coisa que Mari está fazendo, a qual eu não faço ideia do que seja, mas parece algo importante e considerando todas as vezes que já vi essas pessoas fazerem coisas surpreendentes, não tenho dúvidas que é algo impressionante. Antes que voltemos a duvidar das suas capacidades, Mari prova do que é capaz. Aos poucos uma luz vai surgindo de um ponto a sua frente e vai crescendo até ficar com aproximadamente três metros de comprimento. Isso mesmo, Mari abre uma janela na parede, mas considerando que eu atravessei um muro, isso não é nem um pouco assustador. Mentira, é um pouquinho.

   – Não sabia que ela podia fazer isso.

   – É mais uma das habilidades dos shadows, eles conseguem fazer com que janelas de observação se formem onde eles quiserem, contanto que tenha sombras o bastante para isso. – Lili observa Mari que ainda está de olhos fechados, a luz vinda da janela faz com que eu não precise mais do infravermelho, podendo assim ver o sorriso estampado no rosto da shark, mas seus olhos transparecem preocupação – Mari?

   – Eu estou bem. – Mari diz meio ofegante e respira profundamente antes de abrir os olhos – Parabéns Austin, você estava certo, estou sentindo a energia do lado de dentro da sala.

   – Eu sabia que ia conseguir.

Mari sorri timidamente e volta a ficar séria quando encara o outro lado da janela. Me sento ao seu lado e olho para o tribunal. Ele é consideravelmente diferente dos tribunais humanos. É uma sala ampla com um corredor central que leva até uma grande porta de madeira, de cada lado do corredor existem quatro pequenas arquibancadas, semelhantes as da praça central, somando oito no total, cada uma com a cor representante de um elemento. Em cada arquibancada tem no mínimo dez lugares. Ao fim do corredor, em vez de ter o lugar do juiz, existe uma parede de pedra com uma porta de um material estranho.

   – Aquilo é terra? – olho confusa para o objeto.

   – É um portal, é por ele que Karyceres vem aos julgamentos e sim, é terra. – Austin me encara sorrindo como se minha confusão o divertisse, o que eu não duvido.

   – Fiquem quietos, eles estão entrando. – Mari indica a porta por onde entram várias pessoas de roupas sociais. Políticos.

   – Não vão nos ver? – analiso os sujeitos na sala, muitos com aparência arrogante.

   – Não, mas mesmo assim ainda estamos separados deles por apenas uma parede, conseguem nos escutar.

Ficamos em silêncio apenas olhando todos ocuparem seus lugares. De onde estamos, acima da arquibancada dos shadows, consigo ver Matthew Argonel sentado ao lado de uma mulher de vermelho no lugar dos fênix. A moça não parece contente e envia constantes olhares de raiva apara o homem que apenas ignora.

Ao lado dos shadows, sentam-se os sharks, todos com roupas sociais azuis e expressões sérias. Os lutuns estão ao lado dos lamps do outro lado do corredor e consigo ver o mesmo homem que encontrei no meu primeiro dia aqui. Quando todos se acomodam em seus devidos lugares, a porta de madeira se abre e dois homens fardados (pelo menos parecem fardas, mas nunca vi realmente outra roupa de oficial além do traje de combate) entram na sala trazendo um garota ruiva com... As mãos presas dentro de uma caixa de metal?

   – Eu não acredito que algemaram ela. – Lili sussurra indignada.

Lira não está mais com as roupas que usava ontem, agora está vestindo uma calça de moletom branca e uma camiseta cinza assim como os tênis. Se essa é a roupa de presidiário aqui, até que não é tão ruim, mas isso não muda o fato de significar que você está preso, é claro. Seus pés estão presos por correntes e ela parece cansada, sua pele está extremamente pálida, completamente o oposto do habitual.

Quando a garota passa pelos fênix a mulher ao lado de Matthew tenta estender a mão para tocá-la, mas é impedida pelo inspetor que dirige um olhar duro para a menina. Mesmo estando longe, consigo ver seu corpo tremer enquanto algumas lágrimas escorrem por seu rosto. Os homens a levam até um cadeira no fim do corredor a alguns metros do portal, em frente a cadeira tem uma mesinha com um buraco retangular onde é colocada a caixa que prende as mãos de Lira, deixando-a assim incapaz de se soltar.

   – Ela está fraca. – Lili parece agoniada ao ver a cena e posso afirmar que muitos na sala estão.

   – O metal está minando os poderes dela. – Austin observa tristemente a garota sentada encolhida na cadeira.

O silêncio toma completamente a sala e todos encaram o portal. Levo minha mãos a boca para não gritar. Do meio da terra sai uma mão, depois outra segurando um cajado, uma perna, outra perna, até que uma figura encapuzada entra na sala. Aos poucos ele vai adquirindo cores, então levanta a cabeça e o reconheço. Karyceres.

Que surpresa não? O portal é para Karyceres e quem surge dele é Karyceres, quem iria imaginar?   

Fique quieta.

O homem observa a sala, como se estivesse reconhecendo cada rosto presente até que para na garota a sua frente. Lira ainda está de cabeça abaixada com alguns fios do cabelo mal amarrado caindo em seu rosto. Karyceres anda lentamente até ela e coloca a mão sobre sua cabeça.

   – Por que trazem a mim está criança? – sua voz demonstra irritação e a garota se encolhe mais na cadeira.

   – Senhor, está “criança” mutilou o Moribus de uma colega. – um homem que até então eu não tinha visto fica atrás da cadeira de Lira.

   – Queira me desculpar Goslam, mas você deve apresentar as acusações e não acusar. – ouço a voz de Martin abaixo de nós – Me desculpe interromper, senhor.

   – Está desculpado Sr. Covask. – Karyceres encara o homem a sua frente, pelo menos eu acho que sim, não consigo ver seus olhos sob o capuz – Sr. Goslam, faça seu trabalho.

   – Sim, senhor. Trazemos hoje a este tribunal, Lira Sant Argonel, para ser julgada pelos crimes: Tentativa de homicídio, espionagem e traição.

Lili abre a boca para falar algo, mas é interrompida por Mari que coloca a mão sobre sua boca fazendo sinal para que fique calada.

   – São acusações graves. – Karyceres se afasta de lira e observa novamente a sala – Testemunhas?

   – Não tem testemunhas senhor, ela foi encontrada após cometer a tentativa de homicídio. – Sr. Goslem encara o chão se encolhendo um pouco.

   – Então que provas me traz de que está garota é culpada?

A voz de Karyceres é profunda e ecoa por toda a sala. Sr. Goslem observa as fileiras de políticos recebendo muitos olhares irritados e retira uma prancheta do palitó. Analisa-a atentamente antes de se voltar para o homem encapuzado.

   – Eu gostaria de chamar Matthew Argonel, ele afirma ter provas de que a garota é uma traidora.

Acompanho Matthew com os olhos, a raiva tomando conta de mim.

   – Canalha! – Mari não é rápida o bastante para impedir a shark, mas o barulho na sala encobre o som da sua voz.

Muitos dos elementistas presentes fuzilam Matthew com o olhar claramente repudiando seus atos. Eu mesma quero ir lá e acabar com a raça dele, alguém tem que dar pra ele um manual de como ser pai. Lira inclina a cabeça rapidamente para o lado e encara-o assustada, acho que nem ela esperava isso. O homem para atrás da cadeira e exibe uma expressão orgulhosa.

   – Matthew Argonel, diga-me, quais são suas provas de que a criança é culpada?

   – Senhor, como portador da paternidade da criminosa tenho que lhe informar sobre suas contastes fugas do colégio onde estuda. A garota some por horas a fio e dois dias atrás a encontrei em um dos portais leste com isto. – Matthew levanta um pedaço de papel que reconheço imediatamente.

Austin prende o fôlego e me encara, mas estou surpresa demais para devolver seu olhar. Como aquele maldito pedaço de papel apocalíptico foi parar nas mãos dela?

    – É um mapa de uma das equipes de combate do sharks, a equipe que está investigando os mitons, mais precisamente. – Karyceres analisa o papel e depois encara a ruiva a sua frente.

   – Mais alguma prova?

   – Sim, o veneno encontrado no sangue do Moribus é característico de uma espécie de dragão, o Shaublaster que é a mesma espécie do da criminosa. – Matthew entrega alguns papeis a Karyceres – Esses são os exames do animal e aqui... – ele segura os ombros de Lira forçando-a a encostar na cadeira, ela solta um grito estridente e ao lado do portal de terra surge uma criatura, mas é como se não estivesse realmente lá e fosse apenas uma projeção – Está a espécie.

   – O que ele está fazendo? – encaro a cena horrorizada e Mari suspira ao meu lado.

   – Mostrando o Moribus dela.

   – Não, ele está machucando ela, é isso que ele está fazendo. – Lili encara a shadow com raiva, mas felizmente Mari sabe que a raiva não é direcionada a ela.

   – Solte ela Matthew! – a mulher fênix que estava ao lado do inspetor e que aposto ser mãe da garota se levanta e ameaça andar até eles.

Lira se contorce na cadeira gritando mais uma vez e o animal, que agora posso ver ser um dragão, se debate no chão.

   – É melhor você não machucá-la, ou eu acabo com você.

Matthew encara a porta de madeira como todos os outros se esquecendo de Lira, o dragão desaparece e Lira soluça copiosamente. Karyceres apenas observa tudo ao seu redor, volta a colocar a mão sobre a cabeça de Lira e ela parece se acalmar. Olho na direção da porta e sorrio ao encontrar Valeri e Jack parados com expressões furiosas.

   – O que vocês estão fazendo aqui? – um shadow se levanta, o reconheço como o homem que entrou em nossa sala de aula uma vez e deixou Jack aparentemente com medo.

   – Silêncio! – a voz de Karyceres volta a ecoar pela sala e todos se calam – Quem são essas crianças?

   – Alunos do Eurocado senhor, Valeri e Jackson Gareth. – Sr. Goslem lança olhares de ódio para os últimos assentos dos shadows, provavelmente para Martin.

   – O que fazem aqui? – Valeri e Jack andam calmamente pelo corredor e fazem uma pequena reverência.

   – Me desculpe por interromper senhor, mas não podíamos deixar que uma pessoa inocente fosse julgada injustamente por esses homens. – Valeri direciona um olhar ameaçador para Matthew.

   – Nós conhecemos a garota que foi atacada senhor, assim como seu Moribus também e ela mesma diz que Lira Argonel é inocente. – a voz de Jack treme um pouco enquanto fala e desconfio ser pela proximidade em que se encontra o político shadow.

   – E por que não trouxeram a vítima senhor Goslem? – Karyceres encara o homem e este se encolhe.

   – A garota está internada sem condições de sair do hospital senhor. – Matthew responde no lugar do homem pálido – E esses dois não deveriam estar aqui, mas já que estão sentem-se com seu pai.

Valeri encara Jack que parece estático e o puxa pelo braço até o político shadow furioso parado em pé no corredor. Tudo bem, agora faz mais sentido, o cara é pai deles, mas por que Jack tem tanto medo do pai?

   – Não podemos deixar ele lá muito tempo. – Mari encara o namorado nervosa.

   – Calma. – Austin exibe uma expressão irritada enquanto observa o Sr. Gareth.

   – Muito bem, vamos dar continuidade. – Matthew rodeia a cadeira da filha que ainda está tremendo, não tem um pingo de compaixão em sua rosto – As provas apresentadas tornam verídicas as acusações.

   – De fato senhor Argonel, mas ainda não é o bastante para mandar alguém para Télos. – a voz de Karyceres demonstra amargura.

   – E vai mesmo deixar uma traidora entre nós? – Matthew encara a garota com desprezo.

   – Pai. – ela fala pela primeira vez e sua voz está fraca.

   – Não me chame de pai sua...

   – Chega! Isso é um tribunal. – agora com certeza ele está irritado – Sente-se Senhor Argonel.

Matthew anda contrariado até seu lugar recebendo o olhar de desprezo da mulher ao seu lado. Karyceres anda lentamente de um lado para o outro na sala como se estivesse pensativo.

   – Não existem provas o bastante para mandar a criança para Télos, mas também existe muito para deixá-la impune, então, enquanto se averiguam as provas para sua condenação ela permanecerá no Primeiro Gewt. – o homem encapuzado permanece de costas para as arquibancadas enquanto fala e não parece nada satisfeito com o desfecho do julgamento – Se mais alguém tem algo para por contra ou em defesa da senhorita Lira Sant Argonel neste julgamento, se pronuncie. – ele espera alguns segundos, mas ninguém se levanta – Neste caso, eu declaro-a cul...

   – Parem.

Uma voz conhecida toma conta da sala e todas as lâmpadas se apagam, poucos segundo depois voltam a funcionar e uma garota se encontra parada no corredor central olhando furiosamente para os presentes. Ela está com as roupas hospitalares de linho preto e chinelos de pano da mesma cor, se ela não estivesse com uma expressão tão assustadora eu até riria. Os cabelos pretos estão uma bagunça e sua pele anormalmente pálida, mas isso não a impede de fuzilar Matthew com o olhar.

   – Sou Milena Bernam Gauthier, a vítima. – consigo ver sua careta ao dizer a última palavra e contenho a risada.

   – Olá. – Karyceres se vira para a garota e ela faz uma breve reverência – Senhorita Gauthier, me disseram que estava impossibilitada de se afastar do hospital.

   – Eu ainda não estou cem por cento, mas tenho forças o bastante para defender um inocente. – ela respira profundamente e se curva um pouco, mas volta a ficar ereta com uma expressão determinada – Eu sou portadora do Moribus Canis e gostaria de fazer algumas perguntas a senhorita Argonel.

   – É claro, não recusaria a ajuda de um Canis, venha até aqui. – Milena ofega ao dar o primeiro passo e Valeri corre até ela ajudando-a andar até Lira – Você deverá fazer o juramento, conhece os riscos?

   – Sim, se eu não disser a verdade serei banida. – a shadow respira profundamente mais uma vez, então levanta a mão direita – Eu, Milena Bernam Gauthier, nativa shadow, juro em nome dos oito grandes e do espirito da própria Terra que direi a verdade e nada além dela, aceitando as consequências dos meus atos.

   – Muito bem, vá em frente com suas perguntas. – Karyceres se senta em uma cadeira de terra que surge ao seu lado. É um poder bem útil, eu queria uma cadeira.

   – Lira? – Milena se apoia na mesinha em frente a fênix – Ei, eu preciso de você agora, sei que não é culpada, mas você tem que me ajudar a provar isso a eles.

   – Não devia estar aqui, você está fraca. – Lira levanta a cabeça e sua voz é gentil.

   – Eu sou teimosa, mas vamos lá. – uma cadeira surge atrás de Milena e ela se senta encarando os shadows sorrindo grata – Lira Sant Argonel, você mutilou o Moribus Canis Rox?

   – Não, eu estava voltando para o colégio e encontrei um homem, ele usava uniforme de combate da cor dos shadows, mas não era um deles. Rox tentou me salvar, mas acabou sendo mutilado, eu estava muito próxima a eles por isso fiquei coberta de sangue. – Lira suspira cansada, realmente suas forças parecem estar sendo drenadas.

   – Verdade. – Milena encara a garota hesitante – Como era este homem?

   – Ele estava de máscara, não consegui ver o rosto.

   – Verdade. – Milena encara Metthew antes de fazer outra pergunta – Você roubou o mapa da equipe dos sharks?

   – Não, eu o encontrei no compus do colégio Eurocado.

   – Verdade. Por que estava no portal leste com ele?

   – Não me lembro de como cheguei lá, nem mesmo de como o mapa estava comigo porque eu não o peguei, deixei ele onde estava quando encontrei.

   – Ela diz a verdade. – Milena sorri minimamente e encara Karyceres – Quer fazer mais alguma pergunta senhor?

   – O homem que você viu, senhorita Argonel, ele tinha algo de diferente no uniforme além da máscara?

   – Tinha um símbolo no ombro, mas eu nunca o vi antes.

   – Verdade. – Milena suspira e encara Lira tristemente.

Ela também o viu, eu devia ter desconfiado que ele tinha algo a ver com isso, é claro que ele estaria envolvido. Como eu pude ser tão burra? O mapa sumindo, as mensagens, eu devia ter feito alguma coisa.

   – Mais alguma pergunta? – Karyceres observa a sala, mas novamente ninguém se pronuncia – Obrigado por sua ajuda senhorita Gauthier. Dadas as novas provas, vindas de uma portadora do Canis através do juramento de alma, eu declaro este julgamento encerrado e Lira Sant Argonel, inocente.

Nem preciso dizer a loucura que o lugar se tornou. Karyceres desapareceu pelo portal e muitos políticos se retiraram da sala, os que sobraram foram até Lira. A mulher que julgo ser sua mãe corre até a garota desesperada.

   – Andem, tirem essas coisas da minha filha. – ela grita com os homens que estão tirando as algemas da menina, quando Lira está livre, ela se joga em cima da mãe e as duas se abraçam fortemente – Minha menininha, me perdoe filha, não consegui impedir que fizessem isso.

   – Você está aqui mãe, por mim, isso já basta. – a voz da garota sai abafada e chorosa.

   – Meu amor, eu sempre vou estar aqui.

Matthew está parado na porta e não sei identificar exatamente sua expressão, é uma mistura de raiva e constrangimento. Um homem e uma mulher shark andam até mãe e filha, sorrindo.

   – Queria ter conseguido impedir isso, mas não me ouviram, eu sinto muito pequenina. – o homem diz carinhosamente para Lira e ela abraça os dois.

   – Não tem problema senhor e senhora Scolter, vocês tentaram.

   – Seus pais? – pergunto a Lili que sorri com lágrimas nos olhos.

   – Sim, faz quase três meses que não os vejo. – uma lágrima escorre por seus olhos, conheço bem o olhar em seu rosto, a saudade.

   – Por que não aproveita que estamos aqui e fala com eles?

   – Não é tão simples Thais, eles vão saber que eu estou matando aula.

   – Hoje nem ao menos é aula de verdade. – reviro os olhos, meu Deus – Vai, eles são seus pais.

Ela me encara hesitante, troca olhares com Mari que mesmo com aparência clara de cansaço, assente sorrindo assim como Austin.

   – Tudo bem, eu vou. Agora vamos sair daqui.

Mari desfaz a janela consideravelmente rápido, e descemos as escadas voltando para a lateral do prédio. Lili corre rapidamente para alcançar os pais que estão se afastando com mais alguns políticos. Mari vai atrás de Jack que, segundo ela, não deve estar nada bem na companhia do pai. Austin e eu caminhamos calmamente na direção do colégio e somos surpreendidos por um vulto preto. O soldado.

   – Ei! Você! – Austin tenta correr na direção do sujeito, mas ele desaparece, não antes de deixar uma enorme marca no chão, o mesmo símbolo no corredor do colégio.

   – Agora chega! – uma voz furiosa me faz dar um pulo vergonhoso, encaro os olhos raivosos da shadow as minhas costas e tenho certeza que vou apanhar – Comece a falar e é bom dizer a verdade, estou cansada de suas desculpas. O que sabe sobre isso?

Ela aponta para o símbolo na grama, mas ela não precisa me pedir eu estava mesmo pensando em falar com ela.

   – Tudo bem, eu vou dizer, mas você também vai ter que me contar o que sabe.


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Notas finais do capítulo

Pessoas...
É isso que eu tenho pra hoje, espero que tenham gostado.
Beijos e até o próximo.



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