O Relicário escrita por TWorld


Capítulo 2
Capítulo 2 - O Casarão Flint




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NOS PRIMEIROS DIAS depois da grande festa, não havia quem passasse pela praça e não olhasse para a estátua. Mas duas semanas depois, parecia que ela sempre estivera lá e as pessoas nem se interessavam em olhar mais, a não ser quando eventualmente seu olhar passava pelo bloco de pedra onde a estátua fora colocada. Todos se sentiam de alguma forma mais felizes e protegidos, pois a fundadora de sua cidade olharia por eles. Apenas Helena, que continuava a ter arrepios como se fosse da primeira vez que a via, preferia nem olhar para aquele lado da praça e ignorar a existência da estátua.

Numa tarde quente no meio de Julho, Helena chamou alguns amigos para tomarem sorvete na praça. Astride, Gretel, Kirsten, Hans e Nícolas eram todos amigos desde o jardim de infância, mas como em Nova Borgeby só havia uma escola e praticamente uma sala para cada turma, não havia como não conviver por anos e anos com quase os mesmos colegas.

Astride era a melhor amiga de Helena, como duas irmãs. Gretel e Hansel eram gêmeos loiros e de olhos azuis. Gretel era como aquela amiga festeira que todos têm: não é propriamente íntima de ninguém, mas nenhuma festa era boa sem ela. Seu gêmeo era muito parecido, exceto que nenhum pouco modesto. Hansel preferia ser chamado de Hans, porque achava seu nome verdadeiro muito “quadrado” para uma beleza adolescente como a sua. Kirsten era garota modelo. Não, ela não era a aluna modelo primeira da turma, mas uma modelo mesmo! Ela era alta e magra, andava como se sempre estivesse numa passarela, e agia normalmente como se fosse uma popstar.

Nícolas, embora sempre suado por estar sempre jogando ou treinando futebol, ainda era muito popular entre as garotas por ser bonito e ter um físico definido. Nícolas era um garoto baixo, de cabelos e olhos castanhos e braços fortes. Mas ser mais baixo que Helena não tirava o interesse da garota por ele. Porém ele era, apesar de todas essas qualidades populares, muito tímido e não conseguia se declarar. O rapaz gostava de Helena desde o Ensino Fundamental, no dia em que ele, ensaiando os primeiros passos de futebol, pisara na bola e caíra de cara na grama. Muitos da turma riram, mas Helena correu para ajudá-lo a se levantar. Os dois nunca tinham se falado antes e Nícolas aprendeu, com esse simples gesto, a ajudar quem estivesse perdido, mesmo fosse uma pessoa desconhecida.

Estavam os seis amigos à sombra de uma mesa com guarda-sol na praça, tomando sorvete e conversando sobre como era bom estarem de férias, quando eles viram um carro surgir por uma rua lateral e parar em frente a Prefeitura. Não era um carro como outros da cidade: tinha os vidros laterais escuros e uma placa vermelha. Foi Nícolas quem falou primeiro:

— É um taxi!

— Como sabe? — disse Astride curiosa.

— A placa vermelha. Deve ser do Rio de Janeiro.

— Parece muito chique para um taxi — disse Gretel.

— O importante não é saber se é ou não um taxi, mas saber o que alguém quer nesse fim de mundo da nossa cidade — disse Helena perspicaz.

Enquanto discutiam, uma mulher alta de cabelos negros saiu do carro e foi para a prefeitura. Pela outra porta do carro saiu uma garota de cabelos dourados, e sobe o sol forte daquela tarde, eles brilhavam tanto quanto o sol. A garota andou calmamente pela praça, com olhos curiosos observando tudo ao redor: do prédio de pedra que era a prefeitura até uma casa de dois andares do lado oposto, e que tinha um aspecto sombrio com suas janelas fechadas.

Sem dizer nenhuma palavra, Nícolas se levantou e foi direto para a desconhecida. Ela agora brincava com a água da pequena fonte da praça. Quando o garoto se aproximou, ele a ouviu dizendo:

— This water is so cool despite the sun. How is it possible?

— É porque a água de uma fonte subterrânea — disse Nícolas.

A garota ergueu a cabeça e viu Nícolas contra a luz do sol. Do mesmo jeito que Nícolas e seus amigos ficaram fascinados com ela, a garota também olhou o rapaz com curiosidade. Ela abriu um sorriso franco:

— Que interessante! Então esta água vem do subsolo?

— Vem sim. E você não é daqui.

— É verdade. Sou de Londres.

— Mesmo? Que legal! Mora lá há muito tempo?

— Toda minha vida. Eu nasci lá — disse a garota parando de brincar com a água e ficando de frente para o rapaz.

— Mas você fala muito bem o português.

— Obrigada! Eu tenho estudado...

— Oras, porque um estrangeiro estudaria português? — disse uma voz meio curiosa meio ríspida atrás de Nícolas.

O garoto se virou e viu os seus amigos parados atrás dele. Helena tinha um sorriso estranho, como se fosse forçado. A verdade é que Helena também gostava muito de Nícolas e esperava que ele se declarasse. No momento, ela estava morrendo de ciúmes e por isso decidira ir atrás dele.

Todos cumprimentaram a garota, se apresentando. E então foi a vez dela:

— Elisa Heinz, muito prazer.

Hans, meio fascinado com a beleza estrangeira de Elisa, tão bonita e loira quanto ele, tentou convidá-la para tomar sorvete com eles, mas Helena falou mais alto:

— Eu tenho uma ideia melhor. Que tal irmos ao Casarão Flint?

Alguns deles, incluindo Hans, olharam para Helena com uma expressão estranha, um misto de surpresa e medo. Elisa percebeu.

— Qual o problema desse lugar para todos ficarem assim?

— Bem... é que... — começou Hans tentando parecer corajoso, sem sucesso.

— O Casarão Flint é aquele ali — disse Helena apontando para um prédio velho e malcuidado do lado oposto ao da prefeitura — Dizem que ele tem fantasmas!

Elisa se virou para observar a casa mal-assombrada. O Casarão Flint tinham dois andares, todas as janelas fechadas, a hera subindo pelas paredes de pedra, uma sacada no centro da fachada superior. Mas ao contrário do que Helena esperava, a garota abriu um largo sorriso e falou para si mesma em inglês:

— Oh, what a magnificent! Looks a bit like the Tower of London. Wow! Is beautiful! — e voltando-se animada para a turma, disse em português — Uau! Eu sabia que poderia me divertir aqui. Sabe, ingleses amam fantasmas!

Todos ficaram incrédulos com aquela garota estranha. Nícolas não se conteve, começou a rir. Uma gargalhada gostosa e alta de quem ouviu uma piada inesperada.

— Amam fantasmas, é?

— Muito! — disse Elisa tão animada que eles tinham certeza que ela parecia pronta para sair correndo de alegria rumo ao lugar que todos tinham medo — Amamos casas e castelos mal-assombrados. Na verdade, praticamente todos os pontos turísticos da Grã-Bretanha tem pelo menos uma história de fantasma. Ah, podemos ir lá? Podemos? Por favor?

Elisa parecia agora uma criança pedindo doce. E como qualquer pai sabe, sem o doce a criança não te deixará em paz. Muito relutantes todos concordaram em ir até o Casarão Flint. Pelo menos estavam em grupo, então não aconteceria nada. Certo?

Eles abriram o portão de ferro do muro baixo de pedra, que rangeu sombriamente. Mesmo sendo um dia claro e quente, todos (exceto Elisa) sentiram um arrepio gelado descendo a espinha. Houve um belo jardim um dia, entre o muro e a casa, mas hoje ele crescia com liberdade e confusão, flores e plantas diversas criando seu próprio escuro debaixo da ramagem densa. Elisa ia na frente, olhando para tudo, e gostando de todos os detalhes.

A porta de madeira rangeu pesadamente nas dobradiças, e a escuridão dentro do casarão pareceu avançar na direção deles. A entrada era ampla, um salão com portas dos dois lados e enorme escada de pedra subindo a direita, seguindo janelas altas, mas cobertas com grossas cortinas amarelas que podem ter sido brancas um dia. Bem iluminado, com certeza seria um lugar bonito e pitoresco para se passar o dia, mas na escuridão envelhecida e cheia de pó, alguns até pensaram em recuar, mas Elisa disse:

— Vamos!

E todos a seguiram por uma das portas que levava a um corredor com várias outras portas. Nas paredes de pedra tinha suportes com velas amareladas igualmente poeirentas como todo resto. Andando juntos como se quisessem se proteger de um ataque eminente, eles entraram numa sala com uma enorme janela de vidros sujos, mas que permitia que a luz entrasse mais facilmente do que pelas cortinas.

Fascinada, Elisa se adiantou para uma grande caixa de madeira no meio sala.

— Ah, é uma sala de música.

— Como você sabe? — perguntou Helena ignorando os arrepios que sentia da casa que sempre a amedrontara.

— Por que isso... — disse Elisa levantando uma tampa da caixa de madeira —... É um piano!

Todos puderam ver as teclas do piano. Elisa esticou o braço e tocou em uma tecla: o velho instrumento ressoou uma nota aguda e estridente que fez os arrepios deles piorarem.

— Podemos ir embora agora? — disse Astride, uma nota de pânico na voz.

— Ah, tudo bem — disse Elisa — Mas é uma pena eu não ter visto nenhum fantasma.

Helena começou a rir, exatamente como Nícolas antes. Ela parecia ter superado seu medo ao ver a calma daquela inglesa.

— Toda minha vida eu tive medo dessa casa. Sinceramente, estou meio desapontada por não ter fantasmas.

Helena e Elisa se olharam e começaram a rir juntas. Ao som cristalino das risos delas todos começaram a se acalmar, e de repente, o Casarão Flint não parecia mais tão assustador: apenas um lugar abandonado e sujo.

Mas então, as suas costas, eles ouviram alguma coisa. Era um sussurro baixo que os fez tremer de medo de novo. Daí ouviram pequenas batidas que pareciam passos leves. Todos, inclusive Elisa, justaram num bolo, os gêmeos Gretel e Hans se abraçavam. Então uma luz surgiu no corredor e foi ficando mais e mais forte. De repente, surgiu uma mulher alta, o rosto semiescondido na escuridão, segurando um candelabro com uma única vela acesa.

— AHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!! — eles gritaram juntos.


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Notas finais do capítulo

pliss comentem *-*



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