O Relicário escrita por TWorld


Capítulo 15
Capítulo 15 - Éris




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VINTE E SETE DE JULHO, uma Quarta-Feira, foi um dos piores dias da vida de Helena Colúber. Nos acontecimentos desse dia Elisa não teve nenhuma culpa, mas ninguém poderia convencer Helena do contrário.

Tudo começou na noite anterior. Apesar dos cuidados que tiveram na tenda da festa, a conversa de Nícolas e Glaux foi ouvida. Elisa era a nova queridinha da cidade então eles ficaram preocupados. Algumas pessoas começaram a procurar por conta própria. Uma delas viu Nícolas saindo da Sala de Troféus com a garota nos braços. Daí alguém contou que ouvira Elisa, Helena e Nícolas discutindo mais cedo na Sala de Troféus e então viu Nícolas saindo de lá deixando Elisa e Helena sozinhas.

Então as pessoas começaram a ligar os pontos: Helena e Nícolas namoravam, os três foram ouvidos discutindo, Nícolas deixou as duas sozinhas, Helena foi ao jogo, mas Elisa não. Então Nícolas foi visto carregando Elisa a noite, tirando-a de onde Helena e Elisa estavam sozinhas. Porque a inglesa passaria o dia inteiro na Sala de Troféus? Ninguém ficaria por vontade. Havia muitas suposições do que poderia ter acontecido, e talvez as coisas não tivessem ficado tão ruins se não fosse pela manhã seguinte.

Na Quarta-Feira bem cedo Nícolas e Adelfo tinha saído para correr. Não era um dos treinos do pai, era um hábito que tinham adquirido. Os dois corriam três vezes por semana juntos. Aliás, os dois faziam muitas coisas juntos. Nicolas e Adelfo eram ligados não apenas pelo sangue, mas também por um forte laço de amizade. Em geral, enquanto corriam, os dois conversavam sobre diversos assuntos. Naquela manhã Nícolas estava muito calado e Adelfo percebeu a confusão do irmão. Era a mesma cara que ele estava dias atrás depois de um sonho.

— Aconteceu alguma coisa, Nic? Você está muito calado.

— Sim, não... mais ou menos... talvez...

Adelfo não riu. Seria engraçado se a expressão do irmão não fosse tão séria.

Nicolas resumiu em poucas palavras o que estava pensando:

— Alguém trancou Elisa na Sala de Troféus ontem, antes de jogo. Eu não sei quem foi. Sei apenas que Elisa e Helena estavam discutindo lá, pouco antes de acontecer. Já era noite quando eu a encontrei em completo estado de choque.

— Estado de choque?

— Sim, Elisa tem claustrofobia, sabe, medo de lugares fechados.

— Nossa!

Nícolas e Adelfo agora estavam correndo por uma trilha da floresta, ambos considerando que estavam sozinhos. Mas não eram os únicos. Havia outras pessoas praticando caminhada ou também correndo, mas como a trilha serpeava por entre as árvores altas e havia ramagens baixas que ocupavam a visão entre uma árvore e outra, eles não perceberam isso.

Geralmente em nosso mundo, quando andamos pela rua, costumamos ignorar o que os outros dizem. É o hábito em grandes cidades: você vive isolado das pessoas, mesmo que esteja rodeado por milhões delas. Mas não é assim em cidades pequenas. O que se diz em voz alta é sempre ouvido, notado e guardado. As pessoas julgam o que ouvem e ignoram o que não lhes interessa. Se os irmãos estivessem falando sobre garotas ou esportes, então quem tivesse ouvido não se importaria com eles. Mas o assunto era grave. Não sei quem estava lá naquela manhã, mas realmente não importa.

Sei que o leitor deve estar ansioso agora, não entendendo o que de ruim poderia acontecer. Mas peço paciência, eu preciso explicar mais algumas coisas.

Em cidades pequenas não existe maldade em espalhar boatos. Não deixa de ser ruim, claro, mas a pessoa que espalha um boato não é má, ela só se preocupa demais. Certos assuntos delicados você só conversa com quem confia, mas em uma cidade pequena você confia em muitas pessoas. Você conta a dois amigos de confiança, que depois cada um conta para mais dois amigos de confiança e assim por diante.

A pessoa que ouviu Nícolas e Adelfo ficou preocupada com a suspeita sobre Helena e contou para um amigo. Esse amigo contou para outro e esse para outro ainda. Antes do café da manhã um quarto da cidade já sabia tanto do acontecido quanto da fobia da inglesa. Até o almoço toda cidade tinha conhecimento disso.

Sim, toda cidade, mesmo Helena. Astride, tão logo os boatos chegaram nela, correu para contar para a amiga. Tinha uma coisa pior que ser considerada suspeita de trancar Elisa.

— Helena...

As mãos geladas e tremendo levemente, Helena percebeu a expressão de terror no rosto da amiga e uma suspeita surgiu em sua mente. Mas não poderia ser, eles não fariam isso com ela.. a cidade não...

—... Estão te chamando de... de... — mas Astride não conseguiu falar. Era terrível demais. Ela simplesmente caiu no choro e abraçou a amiga.

Helena era a vítima, mas no momento era Astride que precisava ser consolada. A filha do prefeito não precisou ouviu aquela palavra assustadora: ela já sabia qual era. Enquanto tentava entender como a situação se tornara tão ruim, lágrimas escorriam de seu rosto e um sentimento ácido encheu seu coração. Vinte e quatro horas antes Helena era a doce filha do prefeito de Nova Borgeby, admirada por todos, e por culpa de algum plano sinistro daquela loirinha falsa, toda a cidade a estava chamando de Éris.

Helena abraçou Astride mais forte e as duas choraram juntas.

Éris, na mitologia grega, era a deusa da discórdia. Foi ela que criou o famoso Pomo de Ouro que acabou fazendo deuses e mortais guerrearem por décadas. Mas não é por isso que a cidade está chamando Helena assim. É uma história acontecida há uns 20 anos e que marcou profundamente a população.

Houve uma mulher chamada Éris que trabalhou como estagiária no escritório de uma das quatro fábricas de queijo da cidade. Bonita, sexy e ambiciosa, ela fez de tudo para subir na empresa. Apenas dois meses depois de se empregar ela já era gerente da fábrica, mas não era suficiente. Ela ambicionou subir mais alto e para isso conseguiu se aproximar do dono da fábrica. Usando todas as armas a disposição que iam de intrigas até seu próprio corpo, Éris conseguiu separar o homem da esposa. Ela quase conseguiu se casar com ele e por suas mãos gananciosas no dinheiro da família, mas então suas mentiras foram descobertas e Éris expulsa da casa.

A população ficou tão revoltada quando soube do golpe, que tentaram fazer justiça com as próprias mãos. Éris conseguiu fugir da cidade antes disso e nunca mais foi vista por ninguém de Nova Borgeby. Mas nesse ponto já era tarde demais: palavras amargas foram ditas e muitas mágoas não poderiam ser tão simplesmente perdoadas. Um casamento destruído, uma família separada. Éris se tornou sinônimo de falsidade e traição. Desde então, quando alguém, seja homem ou mulher, agia falsamente para atingir fins egoístas ela era chamada de Éris.

Nas raras ocasiões que alguém é chamado assim em Nova Borgeby, todos os habitantes ficam reticentes sequer em falar com a pessoa Éris.

Esse tratamento não é permanente, obviamente. Depende do quanto as pessoas ficaram chocadas com os atos da pessoa. Pode durar entre alguns dias ou até um mês. Mas mesmo depois desse tempo os habitantes ainda olham diferente para a pessoa que um dia foi “Éris”. Os nova borgegyanos havia julgado e condenado Helena e agora ela era Éris.

A desconfiança e ciúmes que Helena sentira de Elisa, agora se transformaram numa raiva fria e não sentia pena alguma da garota e de sua fobia. Ela não sabia quem tinha trancado a garota, mas com certeza foi algo planejado como uma armadilha para que Helena parecesse responsável. Pensando bem, ela não tinha certeza nem se Elisa estava mesmo trancada. Poderia ter sido só um golpe da inglesa para fazer-se passar de vítima e poder acusá-la.

Aquele foi um péssimo dia para Helena e os dias que se seguiram não foram melhores.


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Notas finais do capítulo

comentem pliss *-*



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