Um Breve Suspiro de Felicidade escrita por Migaylangelo


Capítulo 9
As Duas Histórias Paralelas, e Suas Vítimas


Notas iniciais do capítulo

Entaaao.... Eu tô no meio de uma viagem agora e pretendia postar só quando voltasse para casa, mas queria tanto não passar do prazo nem um dia que postei mesmo assim. Aliás, descobri que postar pelo celular é uma BOSTA. Se estiver tudo ruim é errado, desculpa, vou concertar assim que tiver meu PC, okay?
Eu imagino que vocês estejam curiosos para saber o que aconteceu com o Toris, mas esse capítulo é para falar sobre ele, nossa bicha louca favorita, Feliks. Eu percebi que não tinha mostrado quase nada sobre ele que não envolvesse o Toris, mas não é como se ele não tivesse a própria vida e os próprios problemas. Queria mostrar principalmente a vida de artista dele. Cara, quando eu fui pesquisar sobre os artistas na união soviética, gente, fiquei tão triste;--; eles não tinham apoio nenhum. Tanto que quase não encontrei informação, e tive que inventar muita coisa. Sinto muito ç.ç
E se ele estiver meio "macho" demais para o gosto, é porque acho que deixei uma headcanon minha controlar meus dedos. Eu acho que o Feliks é um cavalheiro com garotas, acho mesmo. Odeio quando fazer ele ser um babaca que vê garotas como vadias que ficam no caminho dos caras ou parceiras pra fazer compras >< gosto de pensar que, apesar de ser o gay mais gay da face da terra perto das garotos, ele é só um carinha normal com garotas. Desculpa se eu tiver exagerado.
Outra pessoa que eu queria mostrar era a Katyusha, que é peça chave em toda essa história e também quase não teve voz nessa Fanfic. Espero que gostem o/
Ah, muito importante: vou agradecer imeeeensamente a Jadzia Razinel pela recomendação, aqueceu meu coração ç.ç esse é meu projeto mais querido é importante, fico tão feliz em ver gente gostando...
Enfim, já falei demais, não falei? Falo mais nas notas finais~



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— Sabe o que eu mais odeio sobre dias nublados? É que nunca dá para enxergar as cores direito!

Feliks estava tendo momentos difíceis naquela manhã para decifrar se o verde em sua tela estava verde como o verde que precisava, mas a resposta parecia diferente cada vez que olhava.

Na noite anterior, Toris havia saído correndo de seu primeiro encontro de verdade e o deixado plantado em seu quarto, sem dormir de curiosidade. Por isso, logo que o sol começou a dar os primeiros raios escondidos sobre a grossa cortina de nuvens, ele pegou seu cavalete e seus pinceis e foi para seu canto favorito da cidade: A praça dos artistas.

Tratava-se de nada mais que uma área fechada por pequenas casas decadentes onde ninguém que tivesse um trabalho sério frequentava. Era o canto dos artistas frustrados reunidos para criticar inofensivamente o Estado e a vida e trocarem inspiração. Lá, por maior que fosse seu bloqueio, Feliks conseguia pintar.

Foi um dos primeiros a chegar pela manhã, mas o silêncio o desconcentrava. Nenhum traço que fazia parecia bom o bastante para valer um quadro. Quem sabe se tentasse fazer algo mais abstrato... As cores não estavam muito a seu favor naquele dia nublado, mas provavelmente a culpa era de sua dor de cabeça. Se sentia horrivelmente entediado, que era a pior coisa que poderia acontecer com o rapaz mais hiperativo da Terra. Não importava o que tentasse fazer, nada parecia entretê-lo o bastante.

Seu tédio era tão grande que, olhando para suas mãos segurando o pincel em frente ao futuro quadro, começou a prestar mais atenção nas próprias unhas que na tela em si.

— Quer saber, isso aqui está horrível! — disse trazendo os dedos para perto do rosto, observando as unhas que tinha roído depois da fuga estranha de Toris. — Vlad, me empresta aí uma lixa?

Vladmir era o único além dele que já estava na praça tão cedo na manhã, um escultor com vários parafusos soltos vindo da Romênia. Ele e Feliks tinham um senso de humor parecido, por isso costumavam se dar bem, mas ele era a pior pessoa para se conversar enquanto estava trabalhando.

— Só lixa de mármore, tem certeza que quer? Vai perder os dedos... — fez uma careta em frente ao pedido. E também, pelo comprimento de suas unhas, dava para ver que ele não as lixava há anos.

— Qualquer coisa, tipo, vai servir. — respondeu, esticando a mão para pegar a lixa e começar a concertar as unhas com todo cuidado do mundo. Feliks sempre fora melhor com unhas que com quadros. — Vou acabar pintando elas também, já que nada que eu coloco numa tela fica bom.

Vladmir não respondeu, pois queria trabalhar. Enquanto isso, Feliks aproveitava a concentração para não ter que pensar nas coisas que o estressavam — Toris, sua carreira, o clima e outras coisas que não sabia nomear. Acabou que de fato lixou as unhas com lixa de mármore e as pintou com tinta aquarela. Poderia ter ficado pior, ele pensou, já com vontade de cortar o cabelo ou fazer uma tatuagem de tinta. Quando ficava estressado, sempre acabava mudando alguma coisa em sua aparência que depois se arrependeria. Pelo menos seus dedos continuavam inteiros.

— Seu amiguinho foi um sucesso ontem, Feliks. — Elizaveta, sua melhor amiga e outra ótima artista chegou à praça, tirando-o de seus pensamentos. — Quando vai trazê-lo de novo?

— Talvez nunca. — cuspiu, irritado ao lembrar-se da noite anterior.

Ela recuou, estranhando a reação.

— Por que a braveza?

— Ele me largou do nada ontem. Disse para não esperá-lo. Então eu acho que se ele não aparecer hoje à noite, é porque tipo, acabou.

— Tem certeza?

Ele assentiu, encarando o chão de pedra.

— Bem, você encontra coisa melhor. — deu um tapinha em seus ombros, já indo na direção oposta para ajeitar seus materiais. — Ele nem sabe pintar nem nada. Não fui com a cara dele.

Ela estava mentindo, mas Feliks não respondeu. Estava perdendo o olhar nas pedras amareladas no chão.

— Mentira, todo mundo adorou ele. — Vladmir se intrometeu, única e exclusivamente para irritar Elizaveta. — Trouxa você que espantou ele tão rápido.

Com isso, ele levou uma pá de cimento na cabeça, mas vitorioso. Feliks não respondeu nem reagiu, apenas engoliu suas palavras e continuou concentrado no chão.

— Fê, você tá bem?

Ele continuou alguns segundos encarando as pedras antes de responder:

— Eu acho que eu nunca pintei no chão.

Os dois escultures o encararam confusos, até que ele se levantou decididamente, pegou seus pincéis e ajoelhou-se no chão.

— Feliks, eu realmente acho que você não pode pintar no chão.

— Eu sou um artista e eu pinto onde eu quiser.

Elizaveta e Vladmir trocaram um olhar preocupado de “deixa ele” e tentaram se concentrar em seus trabalhos, enquanto Feliks inexpressivamente levava os pincéis nos blocos sem graça da praça, pintando algo que nem ele mesmo sabia.

No final, saiu uma lindíssima fênix de asas abertas no chão, mas mesmo assim Feliks não estava satisfeito com seu trabalho. A manhã já estava acabando, mais pessoas tinham chegado, mas ele não queria conversar com ninguém. Largou a pintura no chão sem terminar, recolheu suas coisas e anunciou.

— Se alguém pisar — disse apontando para a fênix. — Vai acordar coberto de bosta de pônei.

Ele tinha olheiras irritadas e não estava com o cabelo perfeitamente penteado, por isso ninguém riu da ameaça cômica. Ficaram em silêncio o vendo resmungar para si mesmo enquanto terminava de guardar seus pinceis.

— Para onde vai? — Elizaveta perguntou quando ele já estava saindo, preocupada.

— Bater de porta em porta.

Dito isso, ele foi embora, sem o mínimo de humor para viver aquele dia até o final. Passou em casa para guardar suas coisas e pegar alguns quadros que já estavam prontos. Realmente não estava com humor para pintar aquele dia, mas parte de ser artista também incluía ter alguém para comprar e expor seus quadros, e nessa parte Feliks era miseravelmente malsucedido. Infelizmente, um artista tão desconhecido e sem nenhum contato, a única maneira das pessoas ficarem sabendo de sua existência era batendo de porta em porta mostrando seus quadros e torcer para voltar com menos do que saiu.

Assim, escolheu alguns de seus melhores quadros e pegou um trem para um bairro mais fino da cidade, levando porta na cara atrás de porta. No trem, também tentou fazer alguma propaganda, mas as pessoas olhavam, olhavam, e desviavam o olhar. Não estavam nos Estados Unidos, ele não tinha que não ter um emprego, era só ir à prefeitura e arranjar um trabalho numa fábrica ou num escritório, mas Feliks jurara para si mesmo que jamais faria isso. Era um artista e seria até suas mãos caírem.

— Bom dia, meu nome é Feliks, eu sou um artista local e...

A maioria das pessoas não se dignava a ouvir mais que isso antes de fechar a porta e voltar para suas vidas. Carregar todos aqueles quadros era difícil quando ninguém pegava nenhum pelo caminho. Às vezes Feliks se questionava se era realmente um bom artista. Já odiava ter que bater na porta de estranhos — o pior tipo de gente existente — e mesmo com todo seu esforço ninguém parecia se interessar. Queria expor seus quadros na galeria do centro da cidade, para os artistas desconhecidos da região, mas todas as vezes que tentou foi rejeitado.

— Senhor, antes que você bata a porta na minha cara, não quer, tipo, ver minhas pinturas? Não custa nada. Por favor? — chegou uma hora que estava de saco cheio, e falou isso correndo antes que tivesse a chance de ser rejeitado. O homem desceu os olhos para o quadro que segurava, balançou a cabeça e fechou a porta.

Já estava no meio da tarde quando ele desistiu, nada do sol aparecer e nada de alguém sequer dar uma chance para suas pinturas. Sem ânimo para ir para casa, ele foi para a praça mais próxima, sentou-se num banquinho por lá para descansar o corpo e deixou os quadros encostados nos pés dos bancos. Ficou olhando os carros passarem, com a cabeça encostada nas mãos, sem saber o que fazer. Achava que estava irritado por causa de Toris, mas sua carreira o irritava muito mais.

Pegou um bloco de papel e um lápis em sua bolsa, que levava para todo canto mesmo quando estava sem inspiração, e começou a rabiscar alguns prédios em sua frente para passar o tempo. Nada disso teria acontecido se tivesse feito arquitetura, pensou, lembrando-se da voz de seus críticos ao redor. Nada teria acontecido se tivesse feito engenharia. Nada disso teria acontecido se tivesse um emprego de verdade.

— Bonito seu desenho. — uma menininha apareceu atrás de si, olhando para seu bloquinho. — Você consegue me desenhar?

Feliks olhou para a menininha, que não deveria ter mais que nove anos, de cabelinhos curtos e pretos, com olhos verdes gigantes e curiosos. Então voltou-se a seu próprio trabalho, os rabiscos que haviam chamado mais atenção que suas pinturas trabalhadas, e isso o deixou mais frustrado ainda.

— Claro, eu posso. — deu um sorriso forçado e mudou de página, começando a rabiscar o rosto redondo da menininha. — Só fique tipo, parada um instantinho.

— Você é um artista?

— Ahãm... — respondeu, até orgulhoso.

— Eu vou ser astronauta. — anunciou, inocentemente.

— Eu tenho um amigo que queria ser astronauta também...

— O que ele é?

— Eu não sei.

— Já terminou?

— Demora mais tempo que isso, mocinha. — ele riu, passando o lápis para dar forma aos olhos brilhantes dela.

Uma mulher alta com cabelos tão negros quanto os dela veio caminhando devagar, com um pequeno sorriso vermelho ao encontrar a filha.

— O que está fazendo? — ela perguntou, olhando levemente desconfiada para Feliks.

— O moço está me desenhando.

— Hum, que bonito. — a mulher espiou o bloquinho, sem realmente se surpreender com o resultado. — Faz tempo que não vejo artistas de rua por ai.

— Na verdade... — Feliks abriu a boca para corrigir, mas desistiu. Tentou terminar o desenho da menina o mais rápido possível e entregar para que a mãe pudesse leva-la embora sem ouvir choro.

— Terminou agora?

Ele assentiu, arrancando a folha do bloquinho e dando para a criança, que sorriu em frente ao papel e agradeceu com um sorriso desdentado.

Depois que elas foram embora, Feliks ficou pensando sobre a ideia de artista de rua, escreveu em uma das folhas “Retratos na hora” e colocou ao lado do banco, esperando para ver se funcionaria. Até o fim do dia, fez uns sete retratos de desconhecidos na rua, mas ninguém quis olhar seus quadros ao final. Foi uma experiência divertida, mas acabara de mãos vazias. Pensou em tentar outras vezes, quando estivesse em inspiração, quem sabe tivesse mais futuro como desenhista de rua que como pintor.

Recolhidos os quadros e os materiais, Feliks estava decidido a ir para casa e encarar o teto até dormir, quando algo que ele não prestara atenção fez suas pinturas irem todas para o chão. Alguém que vinha correndo e preocupado demais para prestar atenção esbarrou nele e bagunçou os materiais recém-arrumados.

— Ai meu deus, desculpa! Eu sou tão desastrada, eu...

A pessoa preocupada se abaixou para pegar os quadros e entrega-los a Feliks, em seguida ajeitando uma mexa do cabelo atrás da orelha, parecendo sofrer de muito estresse. Tratava-se de uma mulher bonita de cabelos loiros e curtos, um pouco cheinha, mas com curvas bem espalhadas e uma atadura no braço esquerdo.

— Tudo bem, moça... Você tá bem? — perguntou, estranhando o estado inquieto dela.

— Sim, sim, claro, só estou com pressa... — disse virando a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse com medo de ser vista.

— Sério? Porque pra mim parece que está fugindo...

Ela congelou no lugar, encarando Feliks com receio.

— P-por que você acha isso? N-não estou, posso jurar.

— Você acabou de, tipo, totalmente confirmar que está.

— Vai me entregar? — perguntou, alarmada. Ele deu uma risada curta.

— Entregar? Pra quem? Eu nem do que você está fugindo. E, aliás, se for de alguém do governo, eu quero mais é te oferecer um café.

Ela continuou a encará-lo, surpresa e assustada com sua reação. Não sabia o que queria aquele rapaz magricela de sorriso torto, mas tudo era motivo para desconfiar.

— Não tenho tempo para um café... Preciso pegar um trem e rápido.

Feliks olhou para as malas pesadas que ela carregava e para seus quadros. Por mais que detestasse estranhos, algo lhe dizia que seguir aquela moça era boa ideia. Intuição de artista.

— Não quer tipo, ajuda com a bagagem? Eu levo até a estação pra você.

Ela deu uma risada duvidosa.

— Ah, não precisa, mesmo.

— Pois eu insisto.

— Está começando a me assuntar...

— Guie o caminho. Só vou carregar suas malas, eu juro.

Ela olhou com desconfiança, mas Feliks parecia tudo menos ameaçador com o cabelo preso numa maria-chiquinha e as unhas pintadas com aquarela. Aceitou a ajuda, porque as malas estavam realmente pesadas e ela estava com pressa. Correram pelas ruas com as malas pesadas e as telas debaixo dos braços até a estação que ficava bem longe dali.

Para os olhos exteriores, pareciam dois retardados fugitivos, para Feliks, correr era divertido e precisava de diversão. Para ela, era questão e vida ou morte.

— Aliás, que horas é seu trem mesmo? — ele perguntou ofegante, sem parar de correr e pular os obstáculos na calçada.

— Quatro e meia. — respondeu, não menos cansada.

Ele levou os olhos ao relógio mais próximo, espantado.

— Então vá mais rápido.

A cidade, apesar de relativamente pequena, era cheia de praças, pontes, escadas e calçadas irregulares que dificultavam uma corrida daquelas, e não ajudava o fato dela ser extremamente estabanada e cair com as malas frequentemente. Quando eles chegaram na estação, ela estava deserta, e o relógio marcava 16:35.

— Chegamos atrasados... — anunciou Feliks, sussurrando.

Ela parecia prestes a chorar, tanto que suas mãos cederam e as malas que carregava foram ao chão.

— Eu perdi meu trem... Está tudo perdido...

Ele a assistiu à se jogar no banco da estação e mergulhar o rosto nas mãos, desolada. Sentou-se do lado dela, sem saber como consolar aquela estranha que nem sabia o nome, mas que despertava tanta simpatia.

— O próximo não vai demorar... Para onde você está indo?

— Suécia... — resmungou, entre soluços, sem olhar para ele.

— Vai ter outro trem às cinco... Eu espero aqui com você...

Ela levantou o rosto, com olhos vermelhos.

— Por que está me ajudando?

Ele deu de ombros:

— Você tipo, não parece má pessoa. Me lembra muito uma pessoa que eu gosto. Eu sei que posso estar ajudando uma criminosa a fugir do país, mas, quer saber, eu estou morrendo de tédio.

Ela deu uma risada que se misturou com um soluço. Ele se aproximou um pouco dela no banco.

— Então, acabei de perceber que eu não sei o seu nome, moça.

Ela enxugou uma lagrima que teimosa escorria e respondeu:

— Katyusha... Yekaterina Katyusha...

— Nome legal. Então, senhora Yekaterina Katyusha, eu não quero, tipo, soar como um totalmente intrometido, mas eu estou morrendo de curiosidade de saber por que você está fugindo... — ele notou suspeita súbita no olhar dela, tratando logo de se corrigir. — Mas eu, tipo, juro que não sou um espião nem nada... Minha boca é um túmulo.

Ele fez sinal de zíper fechando nos lábios e a encarou com expectativa. Katyusha se perguntou se deveria confiar mesmo nele, mas estava com um peso tão grande nos ombros que não raciocinou direito.

— Problemas familiares... Minha irmã quer obrigar meu irmão a se casar e depois mudar para Moscou para começar uma carreira política suicida por motivos que ninguém consegue entender...

Ela cuspiu as palavras num desespero, como se fossem baratas, puxando o cabelo para cima à medida que as dizia.

— E ele vai fazer isso? — Feliks questionou, interessado, mas tentando não transparecer demais.

— Ele diz que não, mas é claro que vai... Ele morre de medo dela, eu não sei por quê... Claro, ela é intimidadora e já fez muitas coisas ruins, mas eu também já fiz e ele não tem medo de mim por isso...

— Coisas ruins? — arqueou uma sobrancelha.

— É... Coisas terríveis, das quais eu não me orgulho nem um pouco... — soltou o ar pela boca, vendo-o se condensar pelo frio. — Contra mais pessoas do que eu posso contar...

— Então... — Feliks alongou a palavra, deconfiado. — Eu estou ajudando uma criminosa a fugir...?

Ela soltou um riso de lado, um riso levemente amargo.

— De uma forma ou outra, acho que está... Mas não é por isso que eu estou fugindo. Não, essas coisas estão num passado distante demais para desenterrarem, sem colocar a imagem e integridade de gente muito mais importante em risco...

— Então por que você fugiu?

Ela deu um suspiro pesado, com dificuldade de responder:

— Eu nem sei direito... Acho que eu não aguentava mais ver os dois se destruindo aos poucos... Preciso começar uma vida nova, minha vida toda foi baseada em cuidar deles... Mas eles são adultos agora e perfeitamente capazes, não precisam mais de mim... Então eu não posso mais precisar deles... — um soluço a interrompeu, ela levantou o rosto para o céu. — Mas eu não sei se consigo...

Virando-se para Feliks para ver sua reação, percebeu que ele não estava olhando para ela.

— O que está fazendo? — perguntou, um pouco ofendida.

— Te desenhando. Você é bonita, e eu preciso de inspiração. — explicou, sem tirar os olhos do bloquinho em que rabiscava avidamente.

Ela deu uma risada, sentindo-se vermelha de vergonha. Esticando o pescoço para ver o desenho, viu que não estava chorando ou triste, estava tomada por um sorriso luminoso que ela mesma não se lembrava da última vez que tinha dado.

— Achei que ficaria melhor assim... — comentou, antes que ela pudesse perguntar.

— Eu não sou tão bonita... Você devia ver a minha irmã... Ela parece uma princesa.

Ele finalmente levantou os olhos, quieto.

— Seria uma honra conhecê-la. — brincou, imaginando que nunca cruzaria com o caminho de tal princesa.

— Acho que não seria tanta... Costumam achá-la meio assustadora no inicio...

— Por quê?

— Bem, ela sabe como chantagear as pessoas e parecer um monstro facilmente, mas ela não faria metade do que ela fala... Eu acho que ela morre de medo de perder, por isso faz essas coisas... Mas ela é só uma criança assustada... O Ivan também, ameaça, ameaça, ameaça, mas não acho que ele faria nada do que ele diz...

— Sem querer ofender, mas sua família parece problemática... Tem certeza que eles vão ficar bem sem você?

Ela engoliu em seco, encarando os punhos cobertos de luvas roxas, que haviam sido presente de Ivan.

— Não...

— Você vai voltar um dia?

— Eu não sei... Você está me fazendo tanta pergunta complicada...

— É que eu sou intrometido.

O primeiro momento de silêncio surgiu estranho como a nova amizade dos dois, com ambos mergulhados em seus próprios problemas. Eram pessoas de mundos paralelos, com histórias completamente distintas, que não faziam ideia de que estavam interligados, tampouco tinha importância. Katyusha poderia ter esbarrado em qualquer outro rapaz na rua e recebido ajuda de qualquer outra pessoa, mas não, ela esbarrou em Feliks, e aquele encontro tão curto teria consequências que nenhum dos dois seria capaz de prever.

— Ei, quer um gole? — Feliks tirou um cantil da bolsa e ofereceu a Katyusha. — Se está indo embora, merece ao menos fazer um último brinde com vodca russa.

— Você carrega um cantil de vodca na bolsa? — um risinho surpreso escapou. — Parece até meu irmão.

— Em dias como esse, não há nada mais que resolva. — respondeu com uma piscadela.

O cantil era prateado com traços cor-de-rosa de pincel enfeitando, e Katyusha aceitou e virou tudo que sobrava em um gole só, limpando a boca com as costas da mão e devolvendo o cantil a Feliks.

— Obrigada.

— Disponha. Aliás... — franziu as sobrancelhas, se perguntando se deveria mesmo dizer o que pensava. — Tem como eu saber se você conseguiu?

— Hã? — ela se virou para ele, sem entender. — Consegui o que?

Ele deu um gole do cantil, decepcionando-se um pouco por ele estar vazio.

— Sabe, chegar a Suécia bem e reconstruir sua vida...

— Por que você quer saber?

Ele deu de ombros, encarando seu próprio desenho.

— Algumas pessoas passam pela nossa vida e somem de repente, e a gente nunca descobre o que aconteceu com elas, se elas ficaram bem... Cara, meu dia estava uma merda sem fim, mas você deixou um pouquinho melhor. Então eu quero saber se você vai conseguir melhorar sua vida também...

Katyusha encolheu os joelhos, querendo sorrir mas não conseguindo. Se seu objetivo era reconstruir sua vida, tinha começado bem fazendo um amigo.

— Uau... Isso é muito legal de se pensar.

— Então... Tem como eu saber?

— Eu não sei... — suspirou, decepcionada. — Não sei onde vou morar ou como vou trabalhar... Não tem como te dar um endereço ou um número de telefone...

— Então fique com o meu...

Feliks arrancou uma folha de papel no bloquinho e escreveu seu telefone e endereço, entregando-os para Katyusha.

— Feliks Łukasiewicz... — leu em voz alta, só notando então que não sabia o nome dele. — Vou telefonar assim que chegar lá...

— Você jura? — ele deu um sorriso desafiador, mas muito bom de ver.

— Eu juro.

Nesse momento o trem chegou na estação. Katyusha e Feliks se despediram com um aceno singelo e dois sorrisos pequenos, quando ele a entregou suas malas e ela devolveu seus quadros. Sentada na locomotiva, ela o encarou enquanto os outros passageiros entravam, num sorriso de confiança mútua. Eram completos estranhos um para o outro, mas algo dizia que eram especiais. Algo no destino queria que suas histórias se cruzassem naquele momento.

Quando as portas do trem começaram a fechar, Feliks percebeu que tinha se esquecido de falar uma coisa muito importante:

— Ei! Katyusha! — gritou até ela perceber. — Siga seu coração!

Ele não entendeu por que precisava dizer aquela frase tão óbvia e clichê, mas também não entendeu por que teve que carregar as malas para uma completa estranha na rua. Quando o trem partiu, ele pegou os quadros e marchou para fora da estação, caminhando tranquilamente até sua casa. Já não estava mais tão estressado quanto antes, estava com um sentimento estranho de que imaginara a última hora, mas riu dele e continuou seu caminho. Parecia por um minuto que tudo fosse acabar bem.

Em casa, guardou suas telas, tomou um banho, deitou em sua cama e ficou se perguntando se Toris iria aparecer, enquanto contava as rachaduras no teto. Foi ficando tarde, ele pensou em voltar para a praça ou quem sabe experimentar um restaurante diferente, mas preguiça o manteve jogado no colchão, esperando.

Feliks passou aquela noite sozinho, alternando entre sonhar acordado e dormir consciente. No dia seguinte, não estava tão mal-humorado ou sem inspiração, preferiu aceitar de vez o fato de que provavelmente não tinha mais amante e bateu de porta em porta até o sol se pôr. Naquela noite, nevou muito, por isso ficou em casa também, tomando uísque e ouvindo música, sem tentar realmente se ocupar.

De repente, ouviu batidas na porta, e se levantou correndo, cheio de esperança e feliz da vida. Sim, Toris tinha ido, não tinham terminado, eles ficariam juntos, tudo ficaria bem. Não tinha aceitado nada, até porque não tinha nada para aceitar e ele sabia disso. Abriu a porta com um sorriso de saudade. Mas esse poucos segundos pôde durar.

Toris estava sem camisa, mostrando seu peito inteiro rasgado de marcas que ele não sabia a origem, sujo de neve e sangue. Seu rosto estava inchado e arranhado, com um roxo enorme no olho, um corte na testa que sangrava e sujava seu cabelo. Estava com marcas de cordas nas mãos e algumas queimaduras localizadas e hematomas por todo corpo, peito, braços. Mesmo assim, logo que viu Feliks, ele sorriu. Antes que pudessem dizer qualquer coisa, qualquer palavra de horror, Toris desmaiou em cima dele.


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Notas finais do capítulo

HAUHAJUAJUAUJIA AQUI ESTAMOS OUTRA VEZ. Espero que tenham gostado. Postar no celular é uma bosta, repito. Críticas são mais que bem vindas, ainda mais num capítulo como esse. Até a próxima o/



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