Um Breve Suspiro de Felicidade escrita por Migaylangelo


Capítulo 19
O Último Dia de Toris Na Casinha


Notas iniciais do capítulo

Aêê, demoro mais posto. Capítulo quase filler, mas só quase. Estamos muito perto do fim, to tãpo feliz :D Mais uns dois capítulos se tudo der certo.
Depois do último capítulo cheio de RusLiet, precisei compensar com bastante bicha louca do Feliks ♥ Espero que gostem o/



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Difícil descrever o nervosismo e felicidade que assolavam Toris nos minutos que esperou na frente da porta da tão querida casa cor-de-rosa, antes de Feliks abrir. Tinham o mesmo olhar inseguro e ansioso, que desfez-se num beijo logo que a porta voltou a fechar. Começara contagem regressiva para a fuga.

— Chegaram as identidades. — foi a primeira coisa que Feliks disse. — Podemos sair quando quisermos e ninguém vai nos encontrar.

Para Toris, tudo estava tão real que parecia mentira. Feliks estava perfeitamente tangível em seus braços, mas o sentia como uma miragem. Os documentos falsos eram muito bem feitos. As malas de Feliks estavam abertas com algumas  roupas. Já não havia mais cavaletes e telas espalhados. Várias gavetas estavam vazias. Ver a casinha aos poucos se esvaziado era de doer o coração. Todo novo começo era fim de um começo anterior.

Assim como se sentiu no casarão, começou a lembra-se de tudo que houve na casinha; a primeira vez que esteve lá, o álbum de fotos, o primeiro beijo depois de tanto tempo. As outras idas, as brigas, os jantares, os amores na cama de solteiro que não estava mais lá. O dia que Toris saiu livre pela rua com Feliks, comeu comida de verdade e viu as luzes de uma praça. Tantas memórias bonitas de amantes proibidos, sendo deixadas de lado para que memórias de um casal estabelecido pudessem vir.

Sentia-se extremamente nostálgico, mas feliz. Feliks era o amor da sua vida, tinha certeza disso quando o via guiá-lo para dentro da casa, gracioso como um pássaro no verão. Queria ele para a eternidade. Uma vida com ele era um sonho.

— Amanhã é a exposição. — Feliks retomou a explicação do plano. — Dia 25, logo de manhã, a gente pega o trem. Ivan chegará só dia 29, estaremos em vantagem. Atravessaremos a Alemanha oriental e então...

— Itália...

— Ou América...

— Ou pra onde a gente quiser. — sussurrou, mas para convencer a si mesmo. A ideia de querer não era uma com quem estava acostumado.

Feliks segurou suas mãos, percebendo seu nervosismo. Seu rosto era muito terno. Não era fácil para nenhum dos dois, mas valeira a pena. Feliks conseguiu deixar isso bem claro apenas espalhando beijinhos curtos por todo seu rosto, tão suaves que mais pareciam borboletas pousando em Toris. Beijou sua testa, nariz, bochecha, até chegar nas orelhas para soprar:

— Te amo demais.

As palavras também pareceram surreais, mas ótimas de ouvir. Os beijinhos não pararam e fizeram caminho pelo outro lado de seu rosto, até parar em seus lábios.

— Deveríamos comemorar.

Toris não respondeu, ficou em silêncio conforme Feliks acariciava seus cabelos, ate se levantar se seguir para a cozinha. Voltou com duas taças de plástico e uma garrafa de champanhe barato.

— Desculpa, eu não tenho taça chique nem nada. — entregou uma delas a Toris, sentando-se novamente na cama. — mas acho que a gente merece.

Encheu as duas e deixou a garrafa de lado. Toris observou a taça, tão diferente dos cristais finos que lavava no casarão, mas era tão, tão mais preciosa. Brindaram sorrindo.

— Eu... Tenho muita sorte de ter você. — disse em voz baixa, sem saber bem como demonstrar.

— Eu sei. — Feliks abriu um sorriso grande e lindo.

Naquela noite, tomaram champanhe vendo as estrelas. Conversaram pouco, com medo de que qualquer coisa estragasse o momento. Finalmente, fizeram amor na cama de casal, e Toris sentiu como nunca a leveza de cada beijo de Feliks, a magia do estar com ele. E então, pela primeira vez, permitiu soltar a voz, sem receio de que se gritasse alguém os descobriria. E então, quando foram dormir, nenhum dos dois conseguiu fechar os olhos. Parecia que os próximos dias nunca iriam chegar.

Toris nunca havia ficado a noite toda na casinha. Sempre ia embora antes do amanhecer. Também fazia muitos anos que não acordava na hora que queria. Talvez por disso tenha perdido a noção e acordado quando o sol estava alto no céu. A primeira coisa que viu foi Feliks, emoldurado de raios de sol, sorrindo para seu rosto sonolento. Estava acordado e já vestido. Toris se levantou devagar, observando pela primeira  vez a casinha cor de rosa sob a luz do dia.

— Bom dia, Bela Adormecida. Trouxe café. — Feliks anunciou, colocando sobre a cama um saco de papel com alguns pães. — Achei que não fosse acordar nunca.

—  Que horas são? — perguntou, ainda se situando.

— Duas da tarde. — Feliks riu. — Ainda faltam algumas horas para a exposição.

Tomaram seu primeiro café da manhã juntos. Seria o primeiro de muitos, Toris pensou. O sabor do pão fresco foi para ele como um banquete de um rei.

Mais tarde, Feliks ligou o rádio e o convidou para dançar no meio da sala. As primeiras músicas foram lentas, praticamente um abraço de um lado para o outro. Já terceira era mais animada, permitindo que Feliks surpreendesse Toris, puxando-o pelo braço para ele e o girando algumas vezes, inclusive tentando jogá-lo para baixo para segurá-lo, como via nos filmes, mas quase caíram pela diferença de peso. Mais tarde, se arrumaram para exposição, deixando mais uma vez Toris quase irreconhecível com as roupas estranhas de Feliks.

Estava muito nervoso por sair mais uma vez, mas Feliks amava arte e Toris amava Feliks. Só assim para engolir a insegurança de estar em público numa galeria cheia de pessoas, vivendo com o medo de uma delas o reconhecer como um dos bichinhos de estimação de Ivan. Sabia que era improvável, nenhuma daquelas pessoas parecia poderosa o bastante para ter algum contato com ele, e mesmo que tivesse, Toris era apenas um mero cozinheiro anônimo. Além disso, não estava exatamente acostumado com pessoas. Feliks tinha fobia de desconhecidos quando eram crianças e que estava melhorando, mas depois de anos trancado numa casa com as mesmas pessoas, a situação parecia se inverter. Ao mesmo tempo, crescia aquele fascínio por cada indivíduo, cada um com sua própria vida, tantos rostos diferentes que ele acreditou que nunca veria. Estavam todos lá para a exposição de artistas amadores locais.

A galeria em si era bonita, tinha um quê de modernista, cheia de vidros em volta para que as obras fossem vistas com luz natural. As paredes de um cinza muito claro estavam escondidas atrás de quadros de todos os tamanhos, e o caminho era obstaculizado por esculturas variadas, de realistas a completamente abstratas. Mesmo sendo apenas uma exposição pequena, Toris se sentiu no ápice da cultura.

E principalmente, Feliks se sentia o rei do mundo.

Bem, talvez não tão rei do mundo, estava mais para Luís XVI caminhando pra guilhotina. Tremia dos pés aos queixos, andava de um lado pro outro e eventualmente apertava a mão de Toris para tentar desestressar. Grande chance, grande chance era muita pressão, quase todas as críticas à sua arte até então foram negativas, comparando então a tantos outros quadros bonitos expostos ao lado, seria uma falha total.

— Uma falha total! — exclamou para Toris logo que exposição começou. Estava a beira de lágrimas e não poderia passar daquele ponto.

— Calma, vão te achar incrível... Seus quadros são lindos...

— C-como se você pudesse dizer! Caipira! Não sabe nada de arte... Eu to ferrado

— Calma, calma... — trouxe para um abraço, não muito terno, pois estavam em público, mas carinhoso o suficiente como de uma mãe. — Se tudo der errado, você tenta de novo na Itália.

Viu então um esboço de sorriso em seu rosto com a ideia e dali pra frente, Feliks foi aos poucos se tornando mais rei do mundo. Já pela metade da exposição, já estava cumprimentando as pessoas por aí e apresentando seus quadros para quem passasse. Eventualmente parava para conversar com alguns amigos, dos quais Toris só reconheceu Elizaveta. Para eles, aquilo era a grande festa. Para esses pequenos artistas que mal vendiam alguns trabalhos por mês, quando muito, poder expor para meia dúzia de entediados era um sonho verdadeiro.

Toris queria entender de arte, porque tudo lá parecia muito bonito. Reconhecia alguns quadros que vira Feliks pintando, como o que tinha manchado de vermelho e agora estava todo bege outra vez. Também haviam dois que pareciam as árvores retorcidas do casarão, e um que parecia os longos corredores cheios de quadros velhos. O balanço de cores tornava possível até sentir a poeira. Um mais abstrato era a mistura de cinza e tons de vermelho sangue, como uma abstração da dor. Toris não sabia, mas aquele quadro foi inteiro inspirado no temido porão de Ivan. Um quadrinho muito pequeno e quase inteiro branco representava o quarto de Natália, a imensidão branca de gelo que ao mesmo tempo era tão delicada que a tela não poderia ser maior que um quartinho de boneca.

Toris passou a maior parte do tempo um pouco longe de Feliks, muitas vezes nem mesmo na mesma sessão, para que ele não se acomodasse e não ficasse mais tímido. E de fato funcionou, ele estava alegre e ao menos conseguia parecer confiante. Mais para o final da exposição, Feliks viu entrar uma garota baixinha e loira, vestido azul e meia calça listrada, caminhando pelos corredores como se fosse a magnata dona de cada um daqueles quadros. Observou com pouco interesse todas as esculturas e quadros, a sutiliza grossa dos traços de Feliks não parecia a impressionar. Independe disso, ele se aproximou com um tapinha nas costas.

— Loirinha! Que bom que você veio. Tá pronta pra ver a grande minha obra prima?

Ela abriu um sorriso levemente tubaresco, mas com alegria genuína no fundo.

— Foi uma longa viajem de Moscou. Espero que não me decepcione. — provocou, mas aceitou o braço dele para guiá-la pelo salão.

Feliks tentou mostrá-la seus outros quadros, mas Natália só tinha interesse na própria imagem. O grande quadro que tanto esperava estava próximo de impecável, via seus traços de tinta como eram os de uma rainha medieval. Era lindo. Era capaz de se apaixonar por seu próprio rosto.

Parecia mais uma rainha do que jamais antes. Esperava um dia pendurar a tela no Kremlin.

— Tenho que admitir, você não me decepcionou. — ela sorriu, virando-se para ele.

— Nada menos para minha obra prima. — fez uma curta reverência. — Até porque foi esse retrato  quem me colocou na exposição.

De fato, depois de tantos dos seus quadros terem sido rejeitados, os meros esboços do rosto de Natália chamaram atenção, e o quadro conseguiu sua participação. Havia algo nela que mesmo apenas no papel conquistava os olhos de todos. Uma das tristezas de Feliks em se mudar era perder a melhor musa que encontraria. Embora achasse que seu rosto belo pertencesse à arte, não gostava da ideia de outro artista pintando ela. Embora, em poucos dias, não soubesse mais nada da vida dela. Pela segurança de Toris, precisava cortar contato com qualquer das irmãs Braginski.

— Quando acaba exposição? — Natália questionou, dando uma rápida olhada no resto do salão.

— Em algumas horas…

Combinaram em passar em um bar logo depois. Ao fim do dia, pediu licença a Natália para encontrar Toris e avisar que iria sair e que ele teria que esperar algumas horas na casa rosa.

No começo, não gostou nada da ideia, andar por aí sozinho. Sentia que seria sequestrado ou se perderia ou seria atacado por um urso voador, qualquer coisa aconteceria menos ele chegar a salvo em casa. Mas, quando parou para pensar, percebeu que na Itália provavelmente teria que sair muitas vezes sozinho e nada lhe garantia que simplesmente perderia o medo fora da Rússia. Por isso decidiu enfrentar o medo até com uma boa expectativa.

Enquanto isso, Feliks e Natália foram a um barzinho falar besteira. Arranjaram uma mesa num canto meio escuro e pediram suas bebidas um pouco mais alcóolicas do que o recomendado. Brindaram e viraram uma dose por competição, só para caírem rindo logo depois. Sendo os dois bem fortes para bebida, não era grande preocupação. A não ser talvez a ressaca que Feliks sabia que teria a caminho da Itália.

— Então, como minha psicopata favorita está indo em Moscou? — ele começou a conversa, se inclinando sobre a mesa, todo curioso.

— Urgh, — rosnou ela. — Nem me lembre. Acredita que me barraram das reuniões do partido duas vezes?! Parece que eu sou a única com a cabeça no lugar lá. Estão vindo com vários planos idiotas de abrir o país para impressas privadas! Capital estrangeiro, Feliks! Capital!

Ela falava como se estivesse prestes a vomitar. De fato, o novo secretário geral e outros altos membros do partido vinham cheios de ideias com cheiro de capitalismo, prestes a destruir tudo que ela tanto prezava. Pensava que quando chegasse em Moscou seria aplaudida e imediatamente começaria uma liderança conservadora de volta para a era dourada da União Soviética, mas a verdade era que aprendera do jeito difícil que era um poodle em terra de cachorro grande. Sua vida era frustração atrás da outra.

— Nada seria assim se eu estivesse no poder. — sussurrou ela, garantindo que não havia ninguém ali espiando suas críticas ao governo. Embora entre as ideias idiotas também houvesse maior “liberdade de expressão”. — Ir para Moscou me fez perceber porque nossa grande nação vai de mal a pior.

Feliks fez careta e tentou montar alguma resposta que soasse inteligente, mas não era muito politizado. Tudo que sabia era que odiava o governo desde sempre. Tinha uma alma quase anarquista, embora nunca tivesse parado para aprender sobre nada disso. Então tratou de mudar de assunto para algo que entendia.

— Ah, mas não vá me dizer que nem os homens da capital prestam...

Ela revirou os olhos.

— Me poupe. Homens são uns idiotas. — virou mais uma dose para dar um efeito dramático, que não poderia faltar numa conversa de Natália Arlovskaya. — Eu não preciso de um. Eu estou tentando tomar o poder da maior nação da Terra!

Feliks não conseguiu segurar uma risada em frente à reação dela, empurrando sua bebida em direção a ela.

— Você precisa relaxar, Stalinda. — ela lançou um olhar de ódio por ele ter usado o apelido proibido. — Se não pode dominar um país, pode ao menos fazer alguém de trouxa pra massagear o ego.

— É a sua cara fazer isso. — comentou, franzindo o nariz.

 — Eu? Eu não... — teve vontade de rir, pensando que mesmo falando essas coisas era ele quem estava amarradinho em talvez a cara mais complicado que encontraria no país. — Eu sou comprometido.

Se arrependeu imediatamente de mencionar. Se Natália fizesse mais perguntas do que era capaz de responder, colocaria Toris em perigo.

— Hum, é? — ela pareceu interessada. — E por que eu não conheço ela?

— Porque... Ah, você sabe, muitas ocupações, essa vida. Mas eu ainda apresento vocês dois–duas. — corrigiu-se rápido. — Mas enfim, escuta o que eu digo, vai partir uns corações.

— Eu não tenho tempo pra isso... — bufou, suficientemente graciosa para não perder a pose. — Não consigo fazer nem amigos, imagina se consigo falar com homem. Nem aqui eu era muito boa com isso, agora em outra cidade... O jeito é focar no trabalho.

Aquilo atingiu Feliks de uma maneira que ele não teve escolha se não tomar uma dose em um gole. Natália era, por incrível que pareça, bem mais sociável que ele e estava tendo dificuldades de se adaptar em uma cidade enorme, sem noivo carente precisando dela o tempo todo. Feliks amava Toris de verdade, mas morria de medo de ficar muito preso a ele. Ali, naquela cidade, ele tinha a praça, os artistas, tinha pessoas que sentiria a falta. Toris não tinha ninguém, no máximo aqueles dois rapazes com quem dividia o quarto e mencionara algumas vezes. Não tinha amigos. Feliks tinha. Estava disposto a abandonar tudo por Toris, mas fácil não era. E tudo indicava que, com sua fobia de estranhos, nunca mais teria algo parecido com o que tinha na praça dos artistas. Deu um gole generoso na bebida de Natália.

Finalmente, depois de muitas bebidas e conversas sobre o quão frustrante era a vida, os dois decidiram ir para casa. Feliks se ofereceu para acompanhá-la até o hotel, mas ela recusou.

— Vou ficar na casa do meu irmão, vou aproveitar para pegar mais algumas coisas que preciso levar para Moscou.

— Então me permita te acompanhar até lá.

Fez isso para não concidentemente encontrá-la a caminho da casinha rosa e, mais uma vez, colocar Toris em perigo. Também porque queria passar mais tempo com ela, já que nunca mais se veriam e não teriam sequer uma despedida digna.

Paralelo a isso, Toris fez a viagem de trem até a estação mais próxima da casinha rosa. Depois, esperava que fosse apenas uma caminhada tranquila e uma boa última noite de sono, antes de sumir de uma vez por todas. Ao chegar no capacho, deu uma olhada no casarão mais uma vez, todo escuro e deprimido de sempre. Porém, algo o assustou. As janelas estavam quebradas, mas a luz dentro estava acesa. Havia um carro estacionado na garagem, e não qualquer carro.

Sabia que o sensato era simplesmente entrar na casa de Feliks e esperar por lá, o casarão nunca era a escolha certa. Mas estava com um péssimo pressentimento. Sem saber lutar contra, correu para o casarão.

A porta estava destrancada. No centro da sala destruída, Ivan estava ajoelhado no chão, chorando feito um bebê. Não havia sinal de mais ninguém. Quando levantou o rosto, estava todo vermelho e inchado, mas quando viu Toris, seus olhos saltaram.


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Notas finais do capítulo

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