Um Breve Suspiro de Felicidade escrita por Migaylangelo


Capítulo 16
O Melhor Lugar do Mundo


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo fofinho pra vocês. Adoro trabalhar a relação da Katya e da Nat e também a amizade esquisita dela e do Feliks, então gostei bastante desse aqui X3 espero que gostem também.
Ah, e mil desculpas para todos os amores que comentaram os últimos capítulos e eu não respondi ainda, a vida tá difícil até pra escrever, então responder tá difícil, mas prometo que logo logo vou responder! Não parem só porque a autora é lerda :(



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/606673/chapter/16

“Ela vai chegar por volta das nove.”

Ivan ecoava a voz de Natália repetidamente em sua cabeça, resistindo à tentação de checar o relógio a cada cinco segundos. Eram nove e dezessete, exatamente, ainda não dava para considerar um atraso. De qualquer forma, não servia de consolo para a ansiedade de sua alma. Tinha feito todos os acordos com sua irmã mais nova, para que ela em troca convencesse sua irmã mais velha a voltar.  Tinha assinado todos os documentos de casamento e todas as cartas de recomendação para serem enviadas para a capital, tudo de acordo com os desejos de Natália. Ela já arquitetava a volta de Katyusha sem que ele soubesse, mas não dava para discutir que sua parte estava feita.

Apertando os dedos atrás das costas, Ivan havia passado a manhã inteira em seu escritório observando a neve cair pela grande janela. Toda a paisagem estava coberta por uma camada fina de gelo, numa triste monocromia que combinava com seu coração gelado de medo.

Ele jura, para todos que perguntarem, que quando um pontinho andante apareceu na paisagem, a Terra voltou a girar. Por um minuto momento, seu coração parou de bater, ele parou de sentir. Para então sentir tudo de uma vez. Misturas de agonia e alegria como aquelas que o  tomaram merecia o seu próprio substantivo.  Afinal, o borrão na paisagem foi se tornando uma imagem, revelando pequena como uma formiga uma mulher de ushanka preta desafiando os portões e deixando pegadas na neve. Trazia malas grandes e muitas histórias pra contar, mas Ivan não ficou avaliando muito mais. Antes que ela pudesse completar seu caminho até a porta, ele já tinha deixado o escritório e descido três andares de escada como um raio.

Katyusha sempre foi seu tudo. A mãe que nunca teve, a provedora, a protetora. Sua história trágica, contemplada por um rastro de sangue e dor, mas ela tinha o coração mais puro dos humanos. Para ele, ela sempre foi uma rainha.

E agora ela estava ela, olhos grandes e brilhantes arregalados quanto ele escancarou a porta e correu pela neve. Estava lá a prova de que todos poderiam ter um final feliz. Ela largou as malas bem a tempo de ser levantada no ar por um abraço de urso, do menininho que agora é mais alto que ela. Ela era quente, ele era frio, mas ela era sua mana. Ele não perguntou por que ela fugiu ou por que voltou, nenhum dos dois disse nada. Nada poderia estragar aquele momento. O som de choro em sorriso dizia tudo.

Esses, meus caros, foi o mais próximo de um final feliz para Ivan Braginsky.

...

— Eu sei que não costumo fazer muito isso, mas, um brinde! A nossa família.

E, apesar de ninguém além de Ivan e Katyusha ao seu lado se considerarem uma família, todos brindaram sorrindo. Não só porque todos gostavam de Katyusha em sua volta simbolizava o fim do caos, mas porque até os melancólicos tinham deixado de lado o ódio por um dia para apreciar quão feliz Ivan estava.

Ninguém se lembrava de um sorriso daqueles, ainda mais por uma razão tão pura. Como se Ivan tivesse se quebrado em pedaços quando ela foi embora, mas quando ela voltou ele se reconstruiu como uma pessoa nova. Todos bateram palmas. Fizeram outro banquete na magnífica sala de jantar, mas dessa vez mais simples e todos estão convidados, dos cozinheiros a lavadeiras. Ivan simplesmente queria mostrar felicidade para o mundo.

Katyusha estava acanhada ao seu lado, com sorriso distraído de esposa de político, falando o menos possível. Seu coração estava feliz por estar em casa novamente, novamente estava na vida que deixara para trás na Suécia, incerteza do futuro que se apresentava. Sabia que não havia chance de tudo voltar ao normal, mas não tinha como prever os próximos meses.

Mas eu se alguém naquela mesa pra felicidade estava próxima de Ivan, esse alguém era Toris. Ele, que conheceu mais facetas do chefe que qualquer um, sentia falta de saber o que era ele esbanjando gratidão. Quando ele perdeu as irmãs, Toris o viu chorar como o menininho que era, e tomou para si a dor. Agora poderia descansar um pouco também, sua maior preocupação tinha ido embora. Ivan não estava mais sozinho.

Em contraste, quem não sorria ali era Natália. Seu plano tinha ido exatamente como planejado, mas sua inveja não ia embora. Katyusha continuava sendo o centro das atenções. Ivan tinha sequer ficando triste quando ouviu seu preço pra trazê-la de volta. Era como se ela não valesse nada.

Pegou a taça de vinho branco e uma colher de sobremesa, como tinha feito no dia do banquete que era pra ter sido seu grande sonho. Torcia para aquele som estivesse gravado em algum lugar dos pesadelos do irmão. Em pé, bateu de leve a colher na taça, trazendo atenção toda para se desfazendo todos os sorrisos. Tudo que ela pudesse fazer pra estragar o dia, ela faria.

— Bem, dá pra ver que estão todos felizes hoje, mas eu também tenho meu anúncio. — começou, fazendo a sala toda se entreolhar.  Na outra ponta da mesa a expressão de Ivan implorando que ela não continuasse. — Eu vou embora, hoje.

Uma tensão crescente caiu sobre os espectadores, mas principalmente sobre Katyusha. Ela sabia disso, mas achava que era blefe. Natália nunca pareceu capaz de deixar o irmão. Era possessiva demais pra isso. E além do mais não era pra ser assim. Era pra voltarem a ser uma família.

— N-Natália! Isso não é necessário. — por impulso, ela se levantou também bateu as palmas da mão na mão na mesa. — Você é parte da família também.

— Calada. — mas ela não estava mais aberta a negociações. — Não estou fazendo isso por você. Eu vou seguir o meu próprio caminho e vou pra Moscou. Estou cansada de tolerar essa vida de verme! Agora aproveitem jantar, eu vou fazer as malas.

Ela afastou a cadeira e foi, sumindo no corredor e deixando quatorze soviéticos sem reação. Katyusha e Ivan se entreolharam. Deveriam saber que a sua família complicada assim. A alegria do almoço tinha desaparecido.

...

— Tenso o que aconteceu no almoço hoje… — no quarto, Raivis comentou com os dois colegas, enquanto dobrava as roupas que usara. Todos estavam pensando naquele momento desde cedo.

— Você acha que ela vai mesmo? — Toris levantou questionamento, lembrança da reação dela quanto com o protesto de Katyusha.

— E você duvida que a dona Natália não seja capaz de alguma coisa? — Eduard, que sabia tudo desde início, achava graça na falta de conhecimento das pessoas pela mais nova dos Braginsky.

— N-não, mas… — Toris desfez, pensando no caso. — Mas ela sempre pareceu tão… Apaixonada pelo Ivan.

— Eu acho que ela nunca se apaixonou. — Raivis contou, sentado na beira de sua cama.

— De qualquer modo, agora que senhorita Katyusha está de volta, as coisas devem se acalmar. — Toris disse aquilo jogando um sobretudo grosso sobre os ombros ajeitando a gola.

Estava relativamente arrumado, muito para hora de dormir. Raivis e Eduard, que já estavam de pijama, repararam, um pouco inseguros. Toris não fazia nem mais questão de disfarçar.

— Vai sair? — indagou Eduard, um tanto acusador.

— Hm? Vou… — Só então percebeu que estava se arrumando pra casa de Feliks enquanto falava, inconscientemente. — A essa hora todo mundo já foi dormir, não acha?

— Não quer dizer que você precise sair… — murmurou Raivis em tom baixo, contido.

— Ele tem razão, você abusa da sorte. Daqui a pouco te pegam e…

— Por favor, não se preocupe. — interrompeu, levemente irritado.

De um lado, Feliks achando que sabia o que era melhor pra ele, do outro, Eduard e Raivis. Esqueciam de todo seu histórico de idas e voltas que funcionaram perfeitamente.

— É difícil não nos preocuparmos…

Toris sempre ficava sentido quando Raivis falar daquela forma, olhando para o chão, lembrando a todos que era uma criança, de verdade. Mesmo assim, não aguentaria aquela vida sem escapadas que tanto os preocupava.

— Tenta não se preocupar, eu sempre fico bem no final. Não é como se tivéssemos algo a perder.

— Você está ficando arrogante… — comentou Eduard, num suspiro igualmente arrogante, mas ele sempre foi.

Pensou em suas palavras. Talvez o jeito de Feliks o influenciasse aos poucos.. Mesmo que fosse arrogância, é melhor assim do que viver com medo.

— Não vai me dizer que se você tivesse a chance de escapar todas noite você não faria… — pensou alto, sem se dar conta.

— Se fosse pra te imitar, eu sairia pela porta da frente ficaria vagando pela rua, tranquilamente. Por que eu não faço?

— Porque Ivan tem fantoches por todos os cantos...

 — Porque eu tenho amor à vida. — corrigiu, levemente irritado pela resposta que não queria.

— Eduard, eu acho que ele está certo… — Raivis interrompeu, como raramente fazia nas discussões dos dois. Geralmente preferia não escolher um lado, mas agora o assunto era importante demais pra isso.

— Como assim ele está certo? — Eduard obviamente não ficou nada satisfeito com confronto. — Ele mesmo vive dizendo que fugir sem um plano é loucura…

— Sim, mas… Se eu tivesse lugar pra ir, não ia ficar aqui mofando. Já passamos tempo demais. — desviou o olhar, pensando nos anos de infância e adolescência que tinha perdido ali. — Se Toris quer ir embora, ele tem mais é que ir. Um de nós tem que ter sorte em alguma coisa.

E por incrível que pareça, Toris era o sortudo dos três. Sempre teve uma vantagem com Ivan e mais experiência. Tinha a simpatia de muitas pessoas. Se um dos três teria um final feliz de verdade, seria ele.

— Obrigado, Raivis.… — sorriu pra ele, cheio de agradecimento genuíno. Era o que eu precisava ouvir para não sentir mais culpa.

Para sua surpresa, o mais novo dos três se levantou da cama para lhe dar um abraço. Toris era seu modelo, era quase um irmão mais velho. Por mais que os três não tivesse nada em comum e falhassem em ser uma família, não eram estranhos como os outros moradores. Poderia desejar felicidade para o outro.

Sem soltar um abraço, ele levantou os olhos para Eduard, como um convite. “Vem, vem ser uma família." Contrariado, ele não resistiu, e se juntou a eles. Era uma maneira silenciosa de dizer que se apoiavam. Por mais que não concordasse em nada, estavam juntos e tinha o mesmo desejo. Por mais que às vezes tivesse inveja de que algumas sortes e aversões a algumas atitudes, por alguns segundos, os três foram uma família.

...

As malas estavam abertas e cheias em cima da cama branca. Camadas e camadas de roupas comprimidas em dobras e espaços pequenos para enfrentar uma longa viagem decisiva. Natália estava decidida a não olhar pra traz nunca mais. Queria olhar pra frente e ver o mundo de possibilidades para si.

No momento, só via o espelho.

Mas o espelho dizia que estava destinada algo grande. Algo seus cabelos quase brancos caindo sobre seu colo conforme se ajeitavam entre dentes da escova lhe dizia isso. Não estava no mundo só por existir. Às vezes queria que beleza fosse sinônimo de felicidade. Assim, não teria preocupações. Sua existência seria autossuficiente. Mas a realidade existia mais dela. Tinha nascido no lugar errado na hora errada. Será que tinha conserto?

— Natchenka… Sou eu… — batidas ecoaram na porta, a voz da santa piedosa do outro lado.

Queria que a existência dela não incomodasse tanto. Queria não vê-la com uma ameaça, porque ela não era.

— Está aberta. — murmurou, tentando mostrar indiferença que queria ter.

Cautelosamente, Katyusha abriu a porta e fechou atrás de si, adentrando o santuário branco da rainha de gelo. Da última vez que esteve ali, dissera e ouvira coisas que jamais poderia desfazer, mas não era por isso que estava lá. Não convenceria Natália ficar, mas queria primeiro deixar as coisas em paz entre as duas.

— Precisamos conversar… — anunciou, se aproximando da penteadeira em que ela estava.

— Diga.

Aquela forma curta e direta de dar permissão às pessoas era uma das armas para parecer mais firme. Todos perdiam um pouco a fala de frente àquela atitude. Mas Katyusha não deixaria se intimidar por uma garota que ela tinha visto crescer. Respirou fundo, lembrou-se da viagem que tinha feito até lá para ficar com sua família.

— Você está linda, sabia? — elogiou, com seu sorriso doce comum.

— Eu sei.

Sutilmente, Katyusha tomou a escova de cabelos da mão dela e passou a pentear os cabelos longos ela mesma, como fazia quando Natália era uma criança.

— Desde pequena você foi a bonita da família. Não seria justo te prender aqui logo no auge do seu brilho da juventude.

Natália não respondeu, apenas se manteve estática na frente do espelho enquanto seus cabelos escorriam pela escova como se fossem líquidos. Katyusha prosseguiu, um pouco frustrada com o silêncio.

— Lembra quando meu cabelo era comprido e você ficava pedindo para brincar? — comentou, dando uma leve risada com a memória da pequena Natália, de bochechas vermelhas e rechonchudas, pedindo para mexer eu se cabelo que na época ia até a cintura. — Você ficava fazendo tranças e colocando flores, e dizia que deixaria crescer o seu também...

Agora o Natália estava comprido e o de Katyusha estava curto. Que inversão engraçada de imagens. Como Katyusha foi a única menina mais velha que Natália conheceu por muito tempo, era uma espécie de modelo para sua mente de criança. Depois de tanto tempo, continuava inatingível. Se não era em beleza, era em todo o resto. Na capacidade de sorrir por qualquer motivo e fazer todos a amarem sem esforço, coisas que Natália não conquistaria só deixando o cabelo crescer.

— O que você quer com isso? — Natália cortou seu discurso, irritada.

Não gostava de lembrar de sua infância. Detestava quando Katyusha trazia esse tema com a voz tão doce e boazinha, como se realmente tivesse boas intenções. Boas intenções não existem, todos só fazem o que beneficia a eles mesmos.

Katyusha suspirou. Natália estava com guarda alta, como sempre, incapaz de relaxar e pensar em coisas boas. Sabia que ela não acreditava em bondade, mas era dela que o mundo era feito, se soubesse olhar do jeito certo.

— Não quero que você vá embora me odiando... — respondeu, usando os dedos para pentear os cabelos dela também. — Por que você acha tanto que eu sou sua inimiga?

Foi a vez de Natália suspirar. Fechou os olhos, contou mentalmente até dez, se concentrando no objetivo proposto: ir embora sem odiá-la. Poderia facilmente manipular algumas palavras para deixar Katyusha traumatizada e sem chão, como fez a vida toda, mas não queria fazer isso. Queria acreditar que era maior que ela o suficiente para não vê-la como ameaça.

— Não acho. — a resposta, que veio fria e obvia, surpreendeu.

— Huh? — Katyusha arregalou os olhos.

Franzindo as sobrancelhas, Natália se convenceu a continuar. Dar o discurso que queria acreditar.

— Não acho que você seja minha inimiga... Mas me dá raiva como você sempre coloca todo mundo antes de você.

Katyusha não respondeu, curiosa por uma continuação. Captando isso, Natália respirou fundo e prosseguiu.

— Eu achei que você seria mais feliz tendo uma chance de recomeçar em um lugar diferente, mas você só faria isso se acreditasse que o Ivan e eu não tínhamos salvação... Por isso eu disse aquelas coisas.

— Fez tudo isso para eu ser mais feliz?

Natália deu uma risada curta.

— Claro que não, besta. Fiz para que você não ficasse no nosso caminho. Sua felicidade seria um efeito colateral.

— Mas porque me chamou de volta se eu estava no caminho?

Natália não tinha uma resposta para todos os porquês de seus planos, apenas sabia o que tinha que ser feito e como. Mas agora Katyusha a obrigava a pensar. Por quê? Poderia ter ameaçado Ivan e conseguido aquela certidão de casamento de outras formas muito mais eficazes, mas escolheu aquela sem se perguntar se estava certa.

— Eu imaginei que você não estivesse tão feliz assim longe daqui... Além do mais... — engoliu em seco, todo seu bom-senso ordenando que não prosseguisse. Pareceria frágil demais se fizessem. Mas agora precisava ir até o final. Encheu os pulmões de ar e admitiu. — Alguém precisa cuidar do Ivan.

Ela entendia perfeitamente. Ivan era uma criança, precisava de uma figura protetora a seu lado. Se ficasse sozinho, era uma bomba. Katyusha sabia disso, tanto que recorreu a Toris quando fugiu, porque pensou que Ivan o escutaria melhor que a ela. Natália parecia pensar diferente.

— Você não precisa ir embora. Nós duas podemos cuidar dele, como uma família...

— Eu preciso ir embora, Katyusha. — interrompeu, se virando para ela e interrompendo o caminho da escova. — Diferente de você, eu quero uma vida para mim mesma... Eu tenho ambições. Mas se o Ivan não quer me acompanhar nelas... Ao menos eu preciso saber que ele está em boas mãos.

— Boas mãos? — Katyusha sorriu.

Natália se levantou, ainda de costas, apertando os punhos.

— Você é a única pessoa além de mim que mataria por ele.

— Por você também.

— Pare de tentar ser minha irmãzona.

Ao contrário do que esperava, o rosto de Katyusha relaxou-se numa expressão até feliz.

— Natália, eu sou sua irmãzona. Pare de tentar fugir disso.

Katyusha não tinha mudado nada. Olhos brilhantes, sorrisos calorosos, braços abertos e convidativos. Perdão parecia a única palavra em seu vocabulário. Natália queria odiá-la, mas ela não deixava. Não era uma irmã ruim, tinha a acolhido e cuidado como talvez nem seus pais fariam. Queria uma meia irmã má que pudesse odiar facilmente. Mas não tinha. Iria embora sem odiá-la, bem do jeito que ela queria.

Natália aceitou o abraço. Não correspondeu, apenas... aceitou. Katyusha a apertou forte e com um sorriso largo. Era o primeiro abraço em muito tempo, Natália nunca admitiria que era bom e quente, como ter um lar.

— Eu estou orgulhosa de você. — ouviu Katyusha alargar o sorriso ao dizer, sem soltá-la. — Você tem um futuro brilhante pela frente.

...

Natália foi embora no fim da tarde. Não se despediu de Ivan. Apenas se entreolharam de cantos opostos da sala, com a frieza que partilhavam. Ele a viu caminhar até o portão e sumir no horizonte como o último dia de verão. Estava oficialmente livre de seu maior pesadelo, mas se sentia dentro de um novo. Se virou para Katyusha, que respondeu com um sorriso pequeno.

— Confia nela. Ela vai ficar bem.

Nada dele o fazia querer voltar atrás, apenas queria saber o que tinha acontecido para levar àquela despedida.

...

Para uma manhã que começou com uma nevasca, quando o céu se pintava de laranja-pôr-do-sol, já não havia mais quase nada de neve cobrindo o chão. Estava suficientemente quente para se dispensar os casacos mais grossos. Feliks tinha o seu amarrado na cintura, e as mangas das blusas arregaçadas na altura do cotovelo. Aquela era a melhor hora para estar na praça dos artistas, pois o reflexo do pôr-do-sol nas pedras bege era uma arte em si. Sem falar que quase todos os seus amigos estavam lá.

Um pincel na mão direita, um segurado pelos dentes. Tinha escolhido um canto que ninguém além dele pudesse ver o que estava fazendo. Quando Feliks pintava, não pensava em mais nada. Seus olhos verdes brilhavam de concentração única. Porém, num raro momento que os desviou da tela para a entrada da praça, deixou a pintura de lado completamente.

O pôr-do-sol contornava sua silhueta: uma moça baixa com duas malas. Igualzinha a irmã quando aconteceu, se não fosse o cabelo. Nenhum sorriso no rosto, mas cheia de alegria. Ele largou os pinceis e ela largou as malas. Todos os outros artistas pararam para olhar. Ele correu até ela e a girou no ar, no segundo abraço apertado de Natália no dia. Mas esse ela correspondeu forte também, com as pernas pro ar.

— Não acredito que minha obra prima está indo mesmo pra capital... — Feliks fingiu enxugar uma lágrima imaginária quando o colocou no chão. — Elas crescem tão rápido.

— Vim dar tchau antes de ir... — sorriu, olhando em volta. — Então essa é a famosa praça que você fala? Já começou a me pintar?

Ele também sorriu, vendo seu interesse no seu lugar favorito no mundo. Natália ficava ainda mais linda sob a luz do fim do dia, que naturalmente embelezava tudo no mundo, então ele não poderia desperdiçar a chance de se gabar para todo mundo.

— Claro, tá quase pronto. Mas antes, deixa eu te apresentar pro pessoal...

Ele colocou o braço ao redor de seu pescoço e a guiou para dentro da praça. Ela permitiu esse tipo de intimidade porque se não fosse por ele, ela não estaria indo embora.

— Gente, essa aqui é a garota que eu falei pra vocês! — exclamou, trazendo todos os olhares novamente. — Minha obra-prima!

Caiu aquele silêncio de admiração. Natália tinha uma beleza artística indescritível. Mesmo os artistas abstratos e os defensores da feiura ficaram com os olhos arregalados. Os traços dela pareciam feitos para serem pintados, esculpidos, fotografados e cantados. E embora todos quisessem fazer isso, ela era sua musa e apenas sua.

 — Podem olhar a vontade, mas ninguém pode desenhar, ouviram? — brincou, cheio de orgulho. Duvidava seriamente que alguém tivesse uma musa mais bela.

— Isso não é justo. Beleza é para todos! — Elizaveta reclamou, deixando sua escultura em processo para se aproximar dos dois, analisando o rosto de Natália. — Seu busto ficaria uma graça na minha exposição.

— Nada disso, ela é só minha! — contrariou-se, esticando o braço para ficar entre as duas. — Além do mais, ela vai pra Moscou daqui a pouco, não vai ficar aqui posando pra ninguém.

— Posso ver como está meu retrato agora? — interrompeu, um pouco impaciente. — Meu trem sai daqui a pouco.

Feliks esticou o sorriso, fazendo uma reverência como se ela fosse de fato uma princesa medieval, apontando para a tela no canto.

— Tudo para minha musa.

Natália parou um momento para analisar seu próprio rosto imortalizado numa tela a óleo ainda em processo. Era como olhar em um espelho, se sua pele fosse feita de pinceladas propositalmente irregulares. Tinha sido desenhada com os cabelos presos num penteado digno de uma rainha, num vestido de mesma beleza. Seu olhar estava fixo em quem olhasse, como se pudesse ler todos os seus pensamentos. Quase se intimidava por si mesma. Era o tipo de pintura que queria pendurada em sua sala, quando tivesse o país em suas mãos.

— Acho que dá pra chamar de minha obra-prima. — Feliks comentou, cheio de orgulho, mas também para camuflar a expectativa pela reação dela.

— Aham, eu gostei. Quando fica pronto?

— Não sei... Tá com pressa?

— Não... — ela aproximou uma mão do rosto na tela, deixando os dedos a alguns milímetros. — É que dá vontade de tocar.

— Melhor não, ou vai ficar com o nariz todo borrado. — coçou a própria nuca, um pouco nervoso. Algo em sua mente não o deixava relaxar. — Mas, Nat, me conta... Sua irmã voltou?

Ela afastou a mão novamente, se virando para o pintor, que, por sua vez, olhava para o lado.

— Sim. — respondeu, fazendo ele arregalar os olhos de surpresa. — Ela não voltou a falar com você?

— Não. — cruzou os braços, fazendo biquinho. — Parece que as pessoas não dão valor pra quem carrega as malas. Mas ela precisa me ligar logo, a gente, tipo, super precisa colocar a conversa em dia!

— Ela deve ligar logo então... — dito isso, ela caminhou até onde estavam suas próprias malas, acompanhada por Feliks logo atrás. — Vai me ajudar com essas também?

— Sabe, você é mais parecida com sua irmã do que acha...

Ela revirou os olhos, com um sorriso desdenhoso.

— Claro que não sou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

gostaram? Não aconteceu muita coisa, mas espero que tenha ao menos sido fofinho :3 vejo vocês nos comentários o/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Breve Suspiro de Felicidade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.