You Belong With Me escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 10
Capítulo 9: A arte


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, como vocês estão?

Mais uma vez, perdoem a minha demora na atualização da fic. Não há justificativas dessa vez, exceto a minha irresponsabilidade.

Bem, para esse capítulo, indico a sountrack do maravilhoso filme "Carol" estrelado por Cate Blanchett e Rooney Mara. Esse capítulo também traz um pouco de poesia, na verdade, dois dos meus poetas preferidos... Espero que gostem!

Boa leitura!



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Hermione quase não fechou os olhos naquela noite, na realidade, só conseguiu cochilar quando os primeiros raios de sol já se faziam notáveis no céu nublado de Londres. Sua cabeça já era naturalmente inquieta, mas depois da atitude vingativa impensada do dia anterior, ela não conseguia deixar de pensar nas conseqüências, nas punições e, sobretudo, em Fleur.

Fleur Delacour, a aluna modelo e chefe das líderes de torcida, cujo sorriso não saía da cabeça de Hermione Granger e cujos olhos lhe eram inesquecíveis para a memória e para o coração. A garota que fora seu crush por muito tempo e que, até então, era inalcançável.

A garota que subverteu o conceito do impossível. Aquela que mostrou que somente um beijo separava o sonho da realidade. Ela, que mostrara a Hermione que ela não era somente feita de razão e sim de muita sensibilidade.

Uma sensibilidade desajuizada que transformara a cadeia alimentar da Academia Hogwarts a ponto de fazer expulsar o capitão do time de futebol. Hermione se orgulhara de seu feito, pelo menos, nas primeiras horas. Porém, muito da insônia vinha das consequências que deveria enfrentar caso soubessem as verdadeiras razões que a levaram a denunciar Roger Davies.

Hermione tinha pelo que zelar, mas era Fleur quem tinha o que perder. A morena não era ingênua, sabia que existia um abismo social e financeiro que a colocava em outra categoria quando comparada a Fleur. Porém, a morena também era corajosa e se a líder de torcida lhe desse a segurança necessária, daria tudo por ela.

Afinal, somente com a promessa de um futuro incerto em mãos, Hermione já fora capaz de lutar por Fleur... Imagina se a loira cumprisse o que prometera? A morena, ainda que de forma coesa e cuidadosa, estava disposta a batalhar por Fleur quantas vezes fossem necessárias. E, até roubando a essência das palavras da outra, Hermione não estava disposta a perder a realidade do seu impossível.

Por isso, ainda que temesse pelas conseqüências de um de seus poucos atos impensados, Hermione estava disposta a lidar com cada uma delas.

Então, naquela terça feira, Hermione acordou grata ainda que sua aparência não colaborasse. Tomou um banho e vestiu o uniforme da Academia, tomou café, escovou os dentes e ajeitou os cabelos em uma trança de lado. Com relutância, mas ainda lembrando-se das palavras de Fleur, Hermione colocou os óculos de grau e saiu para a manhã fria e chuvosa.

Chegou à academia surpreendentemente seca, por mais que rangesse os dentes de frio. Hermione não acreditava muito em sinais, mas, talvez, aquele fosse um dos bons. Por isso, mais uma vez, ignorou os comentários depreciativos de Draco Malfoy e Pansy Parkinson, passou por eles como se não os enxergasse.

E, de fato, a morena não conseguia prestar atenção em muitas coisas. Seus olhos castanhos procuravam os olhos azuis de Fleur por toda a parte, seus sentidos estavam aguçados para apreenderem e encontrarem a loira nos corredores da academia. Hermione não sabia lidar com aquele bater acelerado e ensurdecedor de seu coração, muito menos, com a ansiedade que amargava sua boca... Porém, ela sabia quem causava tudo aquilo e esperava que, ao encontrá-la, aquilo passasse.

Ela precisava ver Fleur, precisava ter a certeza de que estava tudo bem.

A sineta tocou e ela não encontrou Fleur, sem saída, caminhou cabisbaixa em direção a aula de Biologia Animal, uma das muitas que tinha com Harry e Rony. Esse foi um dos poucos dias em que ela não abriu um sorriso quando viu os dois amigos sentados na bancada que os três dividiam, ela foi silenciosamente até o seu local e tanto Harry quanto Rony só perceberam a sua presença quando olharam para ela. Rony pigarreou e, desajeitado, cumprimentou:

— Bom dia, Mione.

— Bom dia, meninos. Como foi a noite de vocês? - Hermione respondeu e perguntou educadamente, procurando dar o melhor de seus sorrisos e fracassando miseravelmente, a preocupação ainda nublava o brilho dos olhos castanhos. A morena estava de cabeça baixa arrumando seu caderno e seu estojo, Harry e Rony trocaram um olhar curioso e o ruivo, tentando amenizar o clima, disse brincalhão:

— Melhor do que a sua, aparentemente.

— Ignore o Rony... Tem algo acontecendo? - Harry olhava feio para Rony quando Hermione ergueu os olhos para observar os amigos, o ruivo ria e abaixou os olhos para uma revista de esportes que lia. Hermione mordeu o lábio inferior, nervosa e agitou a cabeça rapidamente, tentando desvencilhar o máximo que podia do assunto. Não era como se duvidasse dos amigos, mas temia que, quando falasse sobre o que tinha com Fleur, tudo aquilo se perdesse porque, de fato, mais pessoas saberiam e mais real ele se tornaria. E a realidade parecia cruel naquele momento. - Algo relacionado ao que aconteceu no corredor entre Fleur Delacour e Davies que culminou em minha nomeação como capitão?

Harry falara tão baixo que somente Hermione e Rony puderam escutá-lo, a morena piscou diversas vezes, completamente estupefata pela sagacidade do moreno. Harry sorria divertido para ela, até mesmo parecia orgulhoso e Rony parecia estar paralisado, o ruivo estava pálido e tinha a boca aberta. Rony suspirou e, finalmente, disse interessado:

— Você realmente está pegando Fleur Delacour? Eu desconfiava e se isso for verdade, desculpa, mas já estou com as imagens na minha cabeça e elas são bem interessantes.

Hermione corou até a raiz dos cabelos, sua respiração começou a sair do compasso e ela olhou feio para Rony. Harry, por sua vez, abriu ainda mais o sorriso e deu um safanão no ruivo, Rony o xingou baixinho e o moreno, satisfeito, disse:

— Depois de corar desse jeito, não precisa de nenhuma confirmação. Mione, nós entendemos. Infelizmente, eu não posso parar a mente pervertida do Rony.

— Com esse soco, eu nunca mais voltarei a pensar nas duas dessa forma. - Rony resmungou irritado, esfregando o topo da cabeça onde Harry aplicara-lhe um cascudo. Harry riu da atitude dele e Hermione sentiu seu rosto esquentar, conforme o rubor ia cedendo, Rony virou-se para ela, a curiosidade brincava em seus olhos azuis. Olhos que tinham a mesma cor, mas não traziam o mistério e o aconchego dos olhos de Fleur. - Desde quando isso está acontecendo?

— Se eu estiver certo, já faz algum tempo e, provavelmente, tudo começou depois do nosso último jogo. Estou certo? - Harry palpitou certeiro, olhando atentamente para a amiga, verdadeiramente preocupado. Sabia que a sua nomeação era fruto de alguma atitude impensada de Hermione e ele não sabia o que era mais estranho: Hermione sendo insensata ou ela finalmente dando vazão a sua atração por Fleur Delacour e sendo correspondida. Hermione acenou positivamente com a cabeça e Rony guinchou eufórico, dando tapinhas orgulhosos em suas costas, a morena desviou-se deles e disse suplicante:

— Por favor, não digam nada a ninguém. Eu nem sei em que pé estamos depois do que ocorreu ontem.

— Sabemos que não fez por mal, Mione... Assim como toda a academia sabe que Roger traía Fleur com uma das Greengrass, você fez o certo. - Harry argumentou sério, passando um pouco de segurança para Hermione. A morena suspirou para as palavras dele e Rony olhava pensativo de um para o outro, Hermione apanhou uma das canetas e girou-a entre os dedos enquanto falava:

— Eu tento me convencer disso... Mas, acho que foi por puro egoísmo. Ao mesmo tempo em que eu não suportava vê-la com aquele mentiroso, eu queria que fôssemos somente nós duas. E nem discutimos sobre isso, eu simplesmente fui lá e fiz. Eu me deixei pela raiva do que ele fez... Eu deveria ter pensado.

— Você sempre pensa demais, talvez, fazer algo desse tipo tenha sido a melhor saída para o momento. - Foi a vez de Rony manifestar-se. Claro que um Weasley, conhecido pelo temperamento difícil, diria que ela estava certa em seguir suas emoções. Harry, por sua vez, coçou o queixo e assumiu uma expressão pensativa. O moreno apanhou a mão inquieta da amiga e a apertou entre as suas, um sorriso sábio lhe tomou os lábios e ele disse:

— Rony está certo, mas, eu ainda acho que você deva pensar e determinar por que fez isso antes de procurá-la. Ela ter desaparecido ontem e hoje não ter vindo à aula não são bons sinais. Prepare-se para o pior e o melhor dos cenários.

As palavras de Harry a preveniam das conseqüências avassaladoras que seu ato poderia ter, mas, elas também traziam um pouco de otimismo e de consolo. Hermione sentiu-se um pouco melhor, ainda assim culpada, entretanto, talvez, aquele tempo fosse mesmo necessário às duas.

Tudo acontecera rápido demais e Hermione esperava que sua atitude não culminasse em um final ainda mais instantâneo.

# # # # #

Na quarta-feira, as esperanças de Hermione minguaram assim como o frágil sol que tentava sobrepor-se às pesadas nuvens enegrecidas que tingiam o céu de Londres. O ar estava frio e chovera a noite anterior, as pessoas estavam, naturalmente, de mau humor.

Hermione, por outro lado, estava tão nublada quanto o tempo de Londres. Seus olhos estavam opacos e avermelhados pela noite que passara, praticamente, em claro, esperando respostas de Fleur para suas mensagens. Ela também ligara e a líder de torcida estava com o celular desligado. A ansiedade e a preocupação a consumiam quando ela, enfim, passou pela garoa fina que caía nos gramados da academia e, finalmente, colocou os pés dentro do prédio.

Assim como no dia anterior, seus olhos vasculharam cada pedaço da construção, eles focaram-se em cada canto escuro e escondido do prédio. Hermione procurava torcer, acima dos batimentos acelerados e nervosos de seu coração, para encontrar Fleur, da forma que fosse, por um daqueles corredores. Não importava como ela estava desde que pudesse colocar os olhos nela e fazer-se presente para ela.

O pecado que cometera amargava em sua garganta e tudo que ela queria era redimir-se. Ela precisava ver Fleur, a culpa também esmagava seu coração. Talvez, o impossível devesse ter permanecido exatamente da forma como fora definido. Mas, como algo que trouxera sorrisos às duas poderia ser tão errado?

Hermione apertou a alça da mochila, procurando sustentar-se em meio a sua agonia e a sua procura. Distraída, não percebeu quando certo grupo de garotas desviou-se do caminho que trilhava e, propositalmente, rumou em sua direção. Quando estava próxima ao armário de Fleur, Hermione sentiu um tranco jogar seu corpo alguns metros para trás e viu sua mochila de couro, pesada e cheia de livros, rasgar-se no meio do corredor.

Em meio às risadas, viu seu fichário ser pisado por sapatos enlameados e suas lições rasgadas. Hermione ergueu os olhos e deparou-se com Pansy Parkinson rindo abertamente junto a Emilia Bulstrode, a morena revirou os olhos para as duas e passou a recolher seus materiais. As duas ainda chutaram seu estojo e Hermione rangeu os dentes para não despejar nelas toda a frustração que trazia dentro de si.

A sineta tocou e, ao redor de Hermione, todos começaram a se mover. Ela escutou o corredor ficar silencioso e ela encontrar-se sozinha. Lágrimas teimosas mancharam seu rosto e ela as limpou rudemente, irritada por fraquejar daquela forma, cansada por ainda não ser reconhecida como gente naquela academia.

Não importava o que fizesse, ela sempre seria a base da pirâmide da Academia de Hogwarts.

E quem a machucava sequer sabia de quem ela gostara e nem imaginava a culpa que ela carregava pelo que fizera. Hermione estava no seu limite e, por isso, tomou uma atitude que somente pensara para último recurso.

Suas lembranças migraram para sua última conversa solitária com Fleur. A promessa de um futuro na forma de um inverno, nos olhos dela que brilhavam eufóricos para a possibilidade de ser capaz de continuar aquilo... Para o seu reflexo nos olhos azuis que confiava, plenamente, seu coração a ela.

Hermione arrancou a folha de seu fichário e, com a caligrafia levemente desleixada, escreveu poucas palavras.

“Quero apenas cinco coisas...

Primeiro é o amor sem fim

A segunda é ver o outono

A terceira é o grave inverno

Em quarto lugar o verão

A quinta coisa são seus olhos

Não quero dormir sem teus olhos

Não quero ser... sem que me olhes

Abro mão da primavera para que continues me olhando.” *

 

A morena não assinou, levantou-se com dificuldade, segurando a bolsa rasgada em ambos os braços e o bilhete preso entre os lábios. Trêmula, deslizou a folha por entre as grades de metal e suspirou.

No silêncio do corredor, Hermione voltou a se sentir sozinha.

# # # # #

Diferentemente dos outros dias da semana, Hermione não esperou que a quinta-feira fosse diferente.

Aos poucos, a cruel realidade consumia sua esperança e, principalmente, evidenciava quão impossível era o sonho que vivera nos últimos dias.

Naquele momento, Fleur representava a impossibilidade em sua plena forma e definição. O silêncio da ausência de respostas. A saudade da ausência de contato. A incerteza da ausência dos olhos azuis límpidos e sempre tão reveladores.

Por isso, Hermione acordou naquela quinta-feira e não esperou por nada. Saiu de casa para mais uma manhã chuvosa de Londres e apertou a alça da mochila que voltara a ser sua companheira. O seu torpor era tanto que ela não ouviu os xingamentos e nem as brincadeiras de mau gosto.

Seus olhos estavam opacos e focavam-se em alcançar o fim daquele dia, ela procurava se concentrar e ocupar a sua cabeça porque a sua razão, naquele dia, era a sua melhor amiga. A razão que sempre lhe dava as respostas e não as dúvidas que ecoavam por causa de seu coração. Para uma pessoa de certezas, Hermione era frágil aos questionamentos.

As perguntas que brotavam em sua mente relacionadas a Fleur machucavam mais do que a ausência de respostas. Cada pergunta permitia que vários cenários se formassem e cada cenário parecia pior do que o anterior.

Devido a isso, Hermione se permitiu não procurar por Fleur naquela manhã e foi justamente diante dessa decisão que ela, de fato, encontrou-a.

Fleur caminhou pelo corredor, a massa de estudantes desviou educadamente dela, como se todos fossem súditos que, saudosamente, recepcionavam sua rainha. O castanho imediatamente foi atraído pelo azul, os tons se encontraram e se envolveram, cada um trazendo fardos em suas tonalidades. A saudade e o medo, a dor e o torpor, o sentimento e a frieza...

Mas, por um milésimo de segundo, o sorriso finalmente iluminou a face de Hermione.

E tão rápido quanto se formara, ele desaparecera.

Hermione apagou-se quando viu Fleur Delacour voltar a beijar os lábios de Roger Davies.

# # # # #

Hermione correra através dos corredores e muita gente a ignorou. Ela não desabou enquanto não chegou à biblioteca, entretanto, quando seu olfato apreendeu o cheiro dos livros, ela permitiu-se que lágrimas delicadas e teimosas escorressem e manchassem as maçãs de seu rosto.

O choro manchava seu rosto e, de certa forma, a traição de Fleur manchava o que ela trazia em seu peito.

Aqueles lábios que beijaram Hermione voltaram a ser entregues a alguém que não os merecia. A morena esquecera-se do que fizera porque lembranças eram nubladas pelo que sentia. Sua mente não conseguia trabalhar quando tudo em seu interior ecoava o que estava sentido.

Não estava mais cega pelo que sentia e sim, cega pelo que doía.

Hermione chorava silenciosamente, seus pés a levaram para longe da porta de entrada da biblioteca, mas ela ainda estava próxima o bastante. Encostara-se em uma das estantes e apertava as duas mãos no centro de seu tórax, como se aquele gesto pudesse minguar a dor que parecia incontrolável e que queimava a sua sanidade e o seu orgulho.

A morena se preservara justamente para não sentir algo daquele tipo, justamente para não deixar a sua guarda baixar daquela forma... Justamente para não sentir tanto.

Fleur Delacour que subverteu o conceito do impossível era a mesma que lhe ensinava a dor de um coração quebrado. E Hermione Granger era uma aprendiz voraz, do tipo que se jogava em qualquer ensinamento.

Portanto, a dor estava ali e era sentida, em toda a sua magnitude e em toda a sua totalidade.

Hermione ouviu os passos no silêncio da biblioteca. Ela ergueu os olhos enquanto limpava as lágrimas e, mais uma vez, o castanho encontrou o azul.

Fleur tinha algo em mãos e caminhou voraz em sua direção, Hermione fugiu dela como se fosse uma presa assustada. As duas caminharam cada vez mais para o fundo da biblioteca e, ironicamente, Hermione parou na seção de Literatura Vitoriana para respirar quando Fleur a alcançou.

Menos de cinco metros as separavam, mas a distância emocional parecia ainda maior.

A líder de torcida respirou fundo e deu alguns passos, Hermione desviou os olhos dela e encostou-se novamente em uma estante. Suas costas procuravam conforto e seus olhos liam os títulos das obras românticas que amava em busca de cura. Mas, nem em seu ambiente sagrado, conseguia paz.

Porque aquela seção, aquelas estantes e aquela biblioteca estavam contaminados pelo cheiro de lavanda, pelos olhos azuis hipnotizantes e pelo toque cálido e delicado.

O seu santuário convertera-se em seu inferno.     

O seu erro sentenciou o fim do seu conto de fadas.

Fleur encostou-se na estante ao lado de Hermione, os ombros se roçaram e a loira olhou para cima enquanto respirava. Ela pigarreou e, trêmula, disse:

— Eu não queria que soubesse dessa forma.

— Eu não queria saber disso de qualquer forma que fosse. - Hermione resmungou ofegante, ainda que a dor fosse intensa e sua mente parecesse incapaz de pensar, ela não deixaria que Fleur também levasse seu orgulho. A loira tentou alcançar sua mão, mas Hermione a puxou, finalmente a olhando. Como uma fera que acabara de se ferir, agressiva o bastante para ferir de volta. - Não ouse, não depois do que você fez.

— Eu deveria ter lhe contado e você, supostamente, deveria entender com isso aqui. - Fleur tinha um sorriso triste enquanto falava e os olhos dela brilhavam, cerúleos e límpidos, como Hermione gostava de se lembrar deles. A morena desviou os olhos dela e Fleur riu roucamente, ela apontou para o pacote que segurava e Hermione reconheceu como sendo o pacote da livraria. O pacote escondido do dia que o impossível se tornou real. - Eu não tinha o objetivo de dá-lo a você nessa ocasião, mas, pelo menos, o destino foi compreensivo e permitiu que algo que eu comprei pensando no futuro pudesse selar o fim do nosso presente.

Fleur estendeu o pacote e Hermione tateou, sentindo os contornos de um livro. A morena riu sarcasticamente para a atitude de Fleur que, não se contentava em fazê-la sentir como, também, levava todas as boas lembranças que ainda guardava daquele romance literário que vivera. Fleur olhava para ela com pena e o orgulho de Hermione se inflamava de forma violenta, ela não queria aquele olhar.

O único olhar que aceitava de Fleur era aquele em que ela se entregava por completo.

Os olhos castanhos apreenderam um título e a ironia, mais uma vez, se fez presente. Jane Austen, a sua autora preferida, a que iniciara tudo era a mesma que parecia sentenciar o fim delas. A morena desencostou o corpo da estante e caminhou até o livro, apanhando-o em mãos.

Ela e Fleur se olharam e a líder de torcida finalmente cedeu. Fleur respirou fundo para engolir as lágrimas, Hermione semicerrou os olhos para feri-la.

— Já que voltamos ao começo em que eu sou uma mera indicadora de livros. Leia esse. - Hermione estendeu “Persuasão” para Fleur que, surpresa, o apanhou. Os longos dedos de Fleur contornaram o título e seguraram o livro firmemente. Hermione abriu um sorriso triste para ela e, cedendo pela última vez, deixou que a tristeza chegasse aos seus olhos e ao seu tom de voz. - Começamos com Jane Austen e terminaremos com ela. Quem sabe, o final feliz desse livro aplaque o que você sentir quando descobrir o que perdeu no nosso fim.

Fleur abriu a boca, mas a resposta nunca saiu. Hermione, essa sim, desapareceu entre as estantes e prometeu não voltar atrás. Muito menos, tentar tocar, novamente, o que era impossível.

# # # # #

O pacote de Fleur ainda estava fechado e Hermione estava sentada sobre sua cama, olhando-o de longe. A morena realmente não queria saber o que estava ali, não queria vislumbrar algo que Fleur comprara quando o que tiveram ainda importava. Fleur tirara tanto dela...

Mas, a curiosidade falou mais alto e ela, por fim, o apanhou. Hermione rasgou o papel pardo com uma agressividade desnecessária, então, seus dedos tocaram o título.

Elizabeth Bishop.

O livro de capa dura era novo, mas havia uma página marcada. E essa página estava marcada com o bilhete do poema que Hermione deixara na quarta feira no armário de Fleur. A morena respirou fundo para as teimosas lágrimas que ainda ousavam tentar manchar seu rosto.

Ela abriu o livro e deparou-se com um poema.

“A arte de perder não é nenhum mistério;

Tantas coisas em si contêm em si o acidente

De perdê-las, que perder não é nada sério

 

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,

A chave perdida, a hora gasta bestamente.

A arte de perder não é nenhum mistério.

 

Depois, perca mais rápido, com mais critério:

Lugares, nomes, a escala subseqüente

Da viagem não feita. Nada disso é sério.

 

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero

Lembrar a perda de três casas excelentes.

A arte de perder não é nenhum mistério.

 

Perdi duas cidades lindas. E um império

Que era meu, dois rios, e mais um continente

Tenho saudades deles. Mas não é nada sério.

 

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo

que eu amo) não muda nada. Pois é evidente

que a arte de perder não chega a ser mistério

por muito que pareça (Escreve!) muito sério.” **

 

O conformismo de Fleur brilhava em cada palavra escrita daquele poema e o consolo que ela tentava passar apenas tornava ainda mais amarga toda a doçura que elas, um dia, dividiram.

Hermione chorou, não pelo que sentia, mas pelo que Fleur sentenciava às duas. Mais uma vez, a ausência de respostas era trazida com gestos que não traduziam a realidade.

Ninguém deixava de gostar daquela forma e, principalmente, deixava de amar daquela forma.

Nenhuma pessoa era capaz de abandonar o que amava sem sentir algo em troca. Aquele poema sentenciava que Fleur sabia que, em uma hora ou outra, ia perdê-la. Mais do que isso, aquele poema parecia ser a prova de que Fleur nunca lutara por ela de verdade. Aquelas palavras pareciam com um pedido de desculpas.

A morena se perguntou onde estava seu inverno e para onde fora o seu futuro. Das cinco coisas desejadas, perdeu todas.

E, para ela, a perda era séria.

Talvez, essa fosse a principal razão que a separara de Fleur.

# # # # #

* “Quero Somente Cinco Coisas”, Pablo Neruda.

** “A Arte de Perder”, Elizabeth Bishop.


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Notas finais do capítulo

Como eu disse no Twitter, esse foi, de longe, um dos meus capítulos preferidos da fic mesmo com um teor tão doloroso.

Não se desesperem porque, nas entrelinhas dessa separação, existe muito do que Fleur verdadeiramente sente por Hermione. E não a julguem tão agressivamente, ela esconde mais do que coloca em jogo.

Aguardo o feedback de vocês, espero que, mesmo com tanta tristeza, também tenham encontrado a beleza que eu encontrei ao escrever esse capítulo.

Muito obrigada por lerem, até a próxima,
Fernanda Redfield (@RedfieldFer)