Amanheceu e como todas as manhãs eu arrumei a cama, tomei banho, escovei os dentes, tomei café da manhã e fui para a escola com Sherlock, Mycroft estudava em outra escola, mas acordava no mesmo horário que a gente. Como é possível que eles não troquem nem mesmo bom dia? A família Holmes é muito estranha. Se eu tivesse um irmãozinho eu sempre conversaria com ele e seria super preocupada com ele, gostaria de saber de qualquer jeito tudo o que ele faz o dia inteiro. Será que Mycroft era assim? Tipo... Internamente?

Na escola Sherlock não falou comigo. Bom, ele nunca falava mesmo, então não me importei. A única aula que falou comigo foi biologia. A professora passou um trabalho em sala então nós tínhamos que nos comunicar de alguma forma. Fomos os primeiros a terminar. Eu olhava para John às vezes enquanto Sherlock e eu fazíamos o trabalho. Ele parecia meio... Triste? Confuso? Conformado? Parecia tudo junto. Por um instante odiei Sherlock. Como ele pode deixar um amigo na mão uma hora dessas? Eu nem mesmo falava com John, mas parecia que ele estava se matando para fazer as questões.

Não aguentei e perguntei pra professora se quem já tinha terminado poderia ajudar as duplas que estavam com dificuldade. Ela pensou um pouco e eu pensei que ela não iria deixar, mas felizmente ela deixou. Levantei-me do meu lugar e fui até onde John estava. Percebi que Sherlock me seguia com o olhar, incrédulo. Eu não liguei os ajudei com o trabalho. Não demoramos muito para terminar, John era bem inteligente e intendia rápido, o que já não posso dizer o mesmo de sua dupla, por causa dele que quase não conseguimos terminar antes do sinal tocar.

Voltei para meu lugar e Sherlock me seguiu com o olhar de novo, dessa vez não era incrédulo, era outra coisa que não consegui identificar.

– Porque você foi ajudar ele?

– Porque eu percebi que eles não estavam conseguindo avançar muito. E não foi só John que eu ajudei, o amigo dele também.

– John não tem amigos.

– Então quem era aquele que estava fazendo o trabalho com ele?

– Qualquer um que não tinha uma dupla até ele pedir. – olhei incrédula para ele. Como ele podia ser tão frio e sem sentimentos?

– Você não o considera como um amigo?

– Eu não tenho amigos. – poxa... Fiquei com pena de John agora.

– Mas parece que John se importa com você.

– Você não tem amigos, não sabe o que é ter um, porque nunca teve. Então como você se acha no direito de dizer essas coisas pra mim?

Meu coração deu uma pontada. Era verdade, mas ele não podia dizer tudo isso assim, desse jeito. Abaixei a cabeça. Como ele sabia dessas coisas?

– Desculpa. Mas se alguém se importasse comigo como John se importa com você, eu não desperdiçaria essa oportunidade. Deve ser legal ter amigos. – nem sei se ele ouviu, falei baixo até pra mim.

Ele não disse mais nada. Quando levantei a cabeça Sherlock estava olhando pensativo para John que conversava com o mesmo garoto que tinha feito trabalho com ele.

***

O resto do dia se passou como qualquer outro. Sherlock não falava e nem olhava pra mim. Para o meu espanto, John que também nunca falava comigo veio me agradecer pela ajuda mais cedo. Nós conversamos um pouco. Até que John era bem simpático.

Em casa tentei puxar assunto com Mycroft na hora do jantar, mas não deu muito certo, ficou um clima meio desconfortável depois. Não sei se foi impressão minha, mas pareceu que Mycroft comeu o mais rápido possível e subiu logo para seu quarto depois da minha falha tentativa de puxar conversa. Eu sou tão chata assim? Pelo menos eu diverti Sherlock que ainda olhando para seu prato pude perceber um meio sorriso em seus lábios.

Meus pais devem ter percebido, porque todos ainda nem tinham chegado a comer metade do que estava no prato.

– Mãe, pai, posso fazer um pedido de aniversário?

– Claro, querida, o que você quer?

– Um gato. – eles me olharam tentando descobrir se era verdade e porque eu queria um assim tão de repente. Olhei para Sherlock. Deve ter se lembrado da nossa conversa sobre “a janela do meu quarto” e deu outro meio sorriso ainda olhando para seu prato.

– Mas, um gato? Por quê? – disse minha mãe.

– Ah, eu só achei que seria legal ter um amigo. – meus pais me olharam compreensivos e disseram que sim com a cabeça.

Legal, vou ter um gatinho! Fui para o meu quarto depois do jantar. Demorei um pouco pra dormir. Fiquei tão animada com a ideia de ter um gato que nem me lembrei da causa real de eu querer um gato. Finalmente eu vou ter um amigo. Como isso nunca passou pela minha cabeça?

Acordei mais disposta que os outros dias. Eu estava feliz e nada podia mudar o meu humor. A não ser pelo que aconteceu depois que eu tomei banho.

Assim que eu saio do chuveiro, vi que tinha me esquecido de pegar minhas roupas. Morri de vergonha da ideia de alguém (Sherlock ou Mycroft) me ver de toalha passando pelo corredor. Impossível, eu sempre acordo bem antes que os dois, só um milagre os faria acordar antes do horário normal deles acordarem.

Saio do banheiro enrolada na toalha e passei pelo corredor cautelosamente e descalça fazendo uma trilha de respingos pelo chão. Depois eu teria que secar isso.

Enquanto eu dava lentos passos, ouço um barulho vindo do quarto de Sherlock. Será que eu o acordei? Mas eu não fiz nenhum barulho....

Sherlock abre a porta. Meu rosto esquentou na hora e nós congelamos no lugar. Eu abaixei a cabeça segundos, que mais pareceram horas, depois.

Depois de um tempo, quando eu percebi que já não estava tão corada, levantei a cabeça. Ele me olhava com seus olhos azuis assustados. Piscou algumas vezes.

– Desculpe. Eu não devia ter saído do quarto. – ele voltou paro o seu quarto e ficou por lá.

Eu não intendi o porquê dele ter se desculpado, não foi culpa dele, ele ter me visto assim. Foi minha, eu que esqueci minhas roupas no quarto. Como ele poderia adivinhar que isso teria acontecido? Ou poderia? Ele era incrivelmente bom em deduções.

Entrei em meu quarto e encostei-me à porta. Céus, o dia poderia ficar mais constrangedor?

Troquei-me e fui em direção a penteadeira, me apoiei nela e olhei meu reflexo no espelho. Eu não me achava bonita, talvez um pouco. Será que Sherlock....Molly, para de pensar nele!

Balancei minha cabeça e sentei no parapeito da janela. O dia seria longo, fiquei imaginando se eu teria coragem de olhar nos olhos dele de novo.