Captura em Le Cap escrita por GilCAnjos


Capítulo 4
Shay - Um Motivo Bônus




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Terça-feira

 

Não foi difícil para Cormac e Gist encontrar a fazenda onde Duvalier morava. Quando chegaram ao portão, olharam em volta para observar as plantações de tabaco. Os escravos trabalhavam na colheita enquanto capatazes ao redor os monitoravam. Num canto, dois deles riam, falando obscenidades a uma escrava. Dois outros capatazes dirigiram-se ao portão para receber os visitantes.

—O que desejam, cavalheiros? – um deles perguntou. Ele tinha cabelo castanho e uma barbicha desgrenhada.

—Boa tarde, senhores. – Shay respondeu, em francês – Gostaríamos de saber se esta é a fazenda de Guillaume Duvalier.

O homem que tinha falado hesitou. Ele estava prestes a se manifestar, mas o outro capataz, um careca de barba ruiva calado mastigando alguma coisa, o cutucou e o fitou, como se passasse uma mensagem.

—Perdoem-me, não ouvi direito. Querem falar com quem mesmo?

—Guillaume Duvalier.

Os capatazes se entreolharam.

—Me acompanhem. – disse o primeiro, que acenou para um terceiro se aproximar.

Shay e Gist começaram a caminhar até a mansão que havia em um pátio no centro da fazenda, escoltados pelos três guardas. Gist, estranhando a situação, cochichou para Shay, em inglês:

—Que estranho, Shay. Você não mencionou que nosso contato usava um pseudônimo?

—Sim, foi isso que o Grão-Mestre disse.

—E mesmo assim estes homens nos receberam de bom grado quando o tratamos pelo nome verdadeiro?

O grupo estava chegando à mansão. Shay estava prestes a dizer que podia ser uma armadilha, mas não foi necessário fazê-lo. Logo os capatazes apontavam pistolas para a dupla. Um deles colocou algemas nas mãos de ambos.

—O Sr. Laurent vai preferir vê-los assim.

E assim, Shay e Gist, antes visitantes e agora prisioneiros, foram levados à sala de estar no térreo da mansão. Um dos capatazes, ainda apontando a arma, ordenou que eles se ajoelhassem. Falou para que outro subisse ao escritório e chamasse o “Sr. Laurent”. Dois minutos depois, um homem de bigode bem-vestido, um pouco mais baixo do que Shay, veio descendo a escada.

—Ora, ora – começou ele – Eu não sabia que Mackandal estava recrutando homens brancos agora.

—O quê? – exclamou Gist.

—Não somos homens de Mackandal! – disse Shay – Nós...

—De fato, vocês têm sotaques britânicos. Aposto que foi Nathanael Burke quem os enviou. Que negócios interessam a ele aqui em Saint-Domingue? – o homem perguntou, ameaçadoramente.

—Não, senhor! Deixe-nos falar, nós só queremos...

Gist interrompeu:

—Só queremos dizer que... o Pai da Compreensão nos guia, senhor. Somos enviados de Haytham Kenway.

Enquanto dizia isso, ele girava sua mão direita, tentando chamar atenção em especial para seu dedo anelar e para o anel que usava. O tal Laurent, ao ver aquilo, mudou sua expressão facial. Shay, mais calmo, confirmou:

—Isso mesmo! E tenho documentos em meu bolso que podem provar.

—Entendo. – ele respondeu – Guardas, podem tirar as algemas deles. Depois disso, quero falar com os dois a sós, no meu escritório.

 Os capatazes obedeceram às ordens do chefe. Eles foram libertados e conduzidos ao escritório, no terceiro piso da mansão. Ao chegar lá, foram deixados com o chefe. Ele se sentou numa escrivaninha, e fez sinal para que Shay e Gist se sentassem à sua frente.

—Perdoem os meus homens. Aqui em Cap-Français, todos me conhecem por um pseudônimo, Philippe Laurent. Os únicos que me chamam pelo meu nome verdadeiro são meus colegas Templários, mas eles têm a esperteza de falar o pseudônimo quando estão falando com meus guardas. Os Assassinos de Mackandal conhecem meu nome, mas não sabem que eu moro aqui, então estou seguro por ora. Ou seja, quando alguém me chama de Duvalier, eu automaticamente presumo que seja um Assassino que finalmente me descobriu. Por isso meus homens recebem ordens para prender qualquer um que quiser falar com Guillaume. Se eu estivesse ausente, provavelmente estariam sendo espancados pelos meus capatazes agora. Vocês têm sorte por eu estar aqui hoje.

—Eu faço a minha sorte, senhor. – comentou Shay.

—Mas nesse caso, que bom que está aqui! – disse Gist, rindo e estendendo seu braço para cumprimentar o homem – Sou Christopher Gist. Este é meu parceiro, Shay Cormac. Somos membros do Rito Templário das Colônias do Norte.

—Guillaume Duvalier, do Rito Templário das Índias Ocidentais. – ele se apresentou, apertando a mão de Gist, e em seguida a de Shay – Mas parece que vocês já sabem disso. Agora, que negócios interessam a Haytham aqui em Saint-Domingue?

Shay entregou a carta que Haytham escrevera a Guillaume. Este a leu atentamente, embora tenha adquirido uma certa aflição nos olhos no decorrer da leitura. Após ler, voltou-se aos visitantes.

—Eu já trabalhei com Haytham. Foi há mais de dez anos, na Europa. É um Templário bom e um homem habilidoso. Se ele diz que a Caixa voltou para Saint-Domingue, confiarei nele.

—Mestre Duvalier, nós gostaríamos que você nos ajudasse a localizar a Caixa. Vocês têm alguma suspeita de onde ela pode estar? Acha que pode fazer isso?

Duvalier mostrou-se preocupado.

—Temo que não será possível, senhores. A nossa rede de inteligência não recebeu nenhuma notícia a respeito do retorno da Caixa a Saint-Domingue. Mas se Haytham soube disso, há uma boa chance de ser verdade.

—Tem certeza? Vocês não têm nenhuma pista que possamos seguir?

—Não temos, Sr. Cormac. Mas não se preocupe. Eu vou falar com minhas fontes, ver se há algum registro de navios chegando da América do Norte, e tentar buscar algo a partir disso. Mas uma coisa eu lhes garanto: ela certamente deve estar em posse de François Mackandal. Ele é muito orgulhoso, não delegaria essa tarefa a outra pessoa além de si próprio. Se chegarmos a Mackandal, chegaremos à caixa.

—Maravilha! – exclamou Gist – Então é só confrontá-lo, pegar a caixa e voltar para New York!

—Quem dera fosse fácil assim, Sr. Gist. Mackandal e seus Assassinos vivem em um esconderijo desconhecido. O Mentor em si raramente sai, pois qualquer um reconheceria um velho sem braço. Ele sempre oculta seus rastros, seja por eliminação de provas ou por eliminação de testemunhas. Os ataques de seus capangas, no entanto, têm se tornado cada vez mais frequentes nos últimos meses. Já é uma esperança. Se ele se tornar mais ambicioso em seus ataques, pode acabar chamando a atenção. Fazendo isso, ele poderá ser mais facilmente rastreado. Mas não prometo que será rápido.

—Tenho todo o tempo do mundo. – falou Shay – Eu vi a Caixa Precursora em ação. É muito importante para mim impedir que ela seja ativada novamente, não importa quanto tempo demore. Se Mackandal usar a caixa...

—Eu sei muito bem o que ele poderá fazer. Ou melhor, o que ele fez. – Duvalier comentou, visivelmente abalado – Eu estava aqui em 1751. Enviamos ajuda às vítimas em Port-au-Prince na ocasião.

—E desde então vocês estão atrás de Mackandal, não? – inferiu Gist.

—Já estávamos muito antes disso. Há mais de vinte anos Mackandal inflama Saint-Domingue. Ele não irá descansar até essa bela colônia se tornar um grande caos.

—Concordo que ele é um louco, mas não há como negar que pelo menos a causa dele é justa.

Duvalier revirou-se na cadeira e fitou Shay, intrigado.

—Como assim, Sr. Cormac?

—Quero dizer, aqui milhares de escravos passam por trabalho forçado todos os dias. É natural que eles lutem para mudar isso.

—Caso você tenha se esquecido, Sr. Cormac, nós lutamos pelo bem da população. Mackandal apenas arruína isso.

—Mas, se a maioria da população é negra, e Mackandal luta pelos negros... Como isso pode não ser nobre?

—De fato, há uma certa nobreza no pensamento dele. Mas é disso o que qualquer Assassino o tentaria convencer. O modo como ele busca sua “paz” é completamente infrutífero. – o Mestre Templário levantou-se da cadeira e andou até a varanda que havia atrás de si, e por alguns momentos observou a paisagem de sua fazenda. Seu discurso se tornou mais irritado em seguida: – Mackandal prega uma separação entre os negros e os brancos. Isso não pode levar ao bem-estar, só pode levar a guerras entre as duas raças. Além do mais, o que fazem os escravos que ele liberta? Eles apenas vagam por aí, assassinando e envenenando cidadãos brancos indiscriminadamente. Veja bem, eles só fazem algo realmente útil à sociedade quando estão trabalhando nas plantações. Admita, a população escrava não está pronta para a abolição. Talvez daqui a algumas décadas ajeitemos isto, mas, por ora, precisamos da escravidão. É isso que move a nossa economia, não as demagogias dos Assassinos.

Shay por um momento pensou em contestar isso, mas não viu razões para defender o ponto de vista do inimigo ou para conquistar a desaprovação de um Mestre Templário. Além do mais, ele sabia que Duvalier estava certo sobre como os Assassinos agiam: pregavam palavras bonitas, mas cometiam atrocidades, achando que assim atingiriam seu objetivo.

—Mudando de assunto... – interveio Gist – Como é a organização do seu Rito, Mestre Duvalier?

Guillaume pareceu acalmar-se, e novamente sentou-se à escrivaninha.

—Bem, eu sou o Templário de maior escalão na região, então sou o responsável pelas atividades templárias nesta ilha. Geralmente eu apenas recebo ordens do Grão-Mestre.

—E quem é o Grão-Mestre de vocês? – perguntou Shay.

—Você deve conhece-lo. O Grão-Mestre das Índias Ocidentais é um político espanhol chamado Agustín de Ahumada.

—O vice-rei da Nova Espanha. Vocês realmente não estão pra brincadeira! – Gist completou, com um sorriso.

—Mesmo? – Shay balbuciou – Uau! Ele está aqui em Saint-Domingue?

—Não. No momento ele se encontra no México.

—Sim, soube que ele está cuidando de uma grande escavação por lá! – comentou Christopher.

—Ele e a Sra. De L’Isle, Grã-Mestra da Louisianne, têm planos ambiciosos a pôr em prática em Chichén Itzá. Mas esses são outros assuntos. De qualquer maneira, o vice-rei deu autorização, ou melhor, deu ordens para capturar e executar Mackandal, reprimindo as revoltas dos maroons.

Shay ficou curioso.

—Ahumada... Por que um espanhol se preocuparia em acabar com uma rebelião em terras francesas? – indagou.

—Ele é um Templário antes de ser espanhol. – respondeu Gist.

—E também porque os franceses não são os únicos que usam escravos em seus negócios. Se a rebelião de Mackandal for bem-sucedida... Se ele conquistar seu sonho de fazer um genocídio da raça branca em Saint-Domingue, não haverá nada para impedir que o movimento chegue a outras ilhas e influencie mais escravos. Em breve, o continente inteiro entraria em caos, arruinando espanhóis, franceses, britânicos, portugueses... – Duvalier fitou Shay – Entende, Sr. Cormac, por que temos que cuidar desse homem? A Caixa Precursora é apenas um motivo bônus, já que nós definitivamente não queremos um novo terremoto.

—Nisso qualquer um concorda. – disse Gist, rindo.

—Aliás, cavalheiros... Vocês têm algum lugar para ficar durante a sua estada em Cap-Français? Se não tiverem, podem se hospedar em minha casa.

—Não será necessário. Nosso navio está atracado no porto.

—E não partirá sem nós. – adicionou Shay – Ficamos lá por semanas, podemos dormir lá por mais algumas. Além do mais, Mestre Duvalier, não quero ser um incômodo para vocês. Por causa de... certos atos que eu cometi contra a Irmandade, os Assassinos provavelmente virão atrás de mim. Você usa um pseudônimo para se esconder dos Assassinos, e me ter por perto poderia arruinar o seu disfarce.

Duvalier pensou por um instante.

—Perspicaz, Sr. Cormac. Mas eu insisto, fiquem pelo menos para o jantar. Minha escrava Louise irá fazer uma sopa, e as sopas que ela faz são divinas!

Shay e Gist se entreolharam.

—Tudo bem, por que não?

—Ótimo. – falou Duvalier, se levantando da cadeira e olhando pela janela – Agora está entardecendo, e o jantar sairá em uma ou duas horas. Enquanto vocês esperam aqui, eu irei à cidade falar com um contato. Voltarei em breve, a tempo para jantar com vocês.

Shay e Christopher, na ausência de Guillaume, permaneceram na fazenda, conversando com alguns capatazes e observando o trabalho dos escravos. Shay não conseguia evitar sentir uma certa pena deles, que trabalhavam sem descanso, com movimentos automáticos. Ele duvidava que os escravos se sentissem como a base de uma sociedade, como Guillaume dissera que eles eram.

Mais tarde, Guillaume voltou à fazenda. Os três Templários sentaram-se para o jantar, que foi servido por um escravo que olhava feio para Gist e mais ainda para Shay. Enquanto tomavam a sopa, que de fato estava deliciosa, Duvalier mencionou que falara com um amigo membro da Ordem, e que eles haviam marcado uma reunião templária para o dia seguinte, a fim de planejar uma estratégia para encontrar François Mackandal e sua Caixa. Gist e Shay, é claro, estariam presentes


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